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sexta-feira, 4 outubro, 2024

Indústria Naval: Os estaleiros só afundam

Dos 3,7 mil trabalhadores do Eisa Petro Um, do grupo Mauá, em Niterói, restaram 9 (J. L. Bulcão/Pulsar)

A Petrobras aumenta as encomendas no exterior, as demissões crescem e o setor corre risco de extinção

por Carlos Drummond — Carta Capital
Em um ano e oito meses, o número de trabalhadores ativos nos estaleiros brasileiros diminuiu 36,5%, de 71,5 mil para 45,4 mil, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). É quase a metade dos 82,5 mil empregados no auge do setor, em 2014.
Além da queda do preço internacional do petróleo e da recessão sem fronteiras, causas locais sobressaem no corte de 26 mil postos de trabalho entre dezembro de 2014 e o mês passado. Quatro entre dez demitidos trabalhavam em estaleiros atingidos pela Lava Jato e três ficaram desempregados em consequência do desinvestimento da Petrobras.
O restante das dispensas deve-se a problemas comerciais entre contratante e contratado. As estimativas são do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e Itaboraí, no Rio de Janeiro, estado com o maior parque industrial naval e o mais atingido pela crise.
“O problema é que o juiz Sergio Moro sentencia as empresas. Se tem ladrão, corrupto ou corruptor, precisa punir. Agora, não dá para ele condená-las. Quando determina que não podem receber contratos ou dinheiro da Petrobras e de governos por implicação na Lava Jato, imediatamente provoca desemprego. Se impede a contratada de receber para pagar seus compromissos, como ela poderia continuar com os trabalhadores?”, questiona Edson Carlos Rocha, presidente do sindicato.
Ao manter algumas das principais fornecedoras sem faturar há mais de um ano, diz, o juiz “aparenta envolvimento num grande esquema para levar ao exterior todas as obras da Petrobras que podem ser feitas no Brasil”.
Combater a corrupção é indispensável, mas “deveriam punir a pessoa física, não a jurídica”, acrescenta Paulo Cayres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos. “Encomendar a fabricação de plataformas no exterior é entreguismo. Não há justificativa para essa geração de empregos em outros países.”
Responsável por cerca de 80% das encomendas à indústria naval local, a Petrobras transferiu para a China a construção das plataformas P69 e P70, do estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul e das P75 e P77, do Inhaúma, no Rio de Janeiro, mostra levantamento do Sinaval.
Na divulgação do plano de negócios para o período de 2017 a 2021, na terça-feira 20, a empresa pública anunciou a contratação fora do País de mais sete plataformas, entre as 11 previstas para entrar em operação até 2019.
Segundo Pedro Parente, presidente da Petrobras, a contratação externa se impõe por causa de atrasos nas entregas dos estaleiros locais e da ineficiência provocada pela exigência legal de conteúdo local mínimo, de 60% para automação e 40% para instrumentação.
Entidades patronais discordam. “Os atrasos alegados para explicar a ida dessas encomendas ao exterior não foram culpa da indústria, mas de algumas empresas e, de certa forma, de fatores conduzidos pela própria Petrobras, até mesmo por problemas de gestão que estão sendo investigados pela Lava Jato”, critica Alberto Machado Neto, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos para o setor de Petróleo e Gás e coordenador do MBA Gestão Petróleo e Gás da Fundação Getulio Vargas.
Gráfico
Há casos, diz, de firmas que entraram em recuperação judicial. Muitos editais tinham dados incompletos, que depois ensejariam várias revisões contratuais com aumento do valor, algumas vezes até com má-fé, ou seja, havia o propósito inicial de elevar o valor lá na frente.
Houve contratação de estaleiros que não estavam prontos, nem existiam quando da encomenda. “São todas situações anormais que não podem hoje ser consideradas argumentos para desqualificar a indústria”, pondera o executivo.
Acreditar que a contratação no exterior é uma garantia de cumprimento dos prazos é redondo engano. “Segundo a própria Petrobras informou em palestras, 12 sondas de perfuração compradas entre 2008 e 2009 foram entregues com quase dois anos de atraso, em média, e tinham zero de conteúdo local. Então, esse não é o motivo principal, não é o foco”, destaca Machado Neto.
Questionamentos sobre o assunto tiraram Parente do sério na reunião com empresários realizada na segunda-feira 26, na Fiesp, para apresentação do novo plano de negócios da Petrobras. Sem dar nomes aos bois, referiu-se a “um caso recente” de plataforma de exploração que ficaria mais cara por causa do índice de nacionalização exigido. “Como vamos pagar 40% acima se podemos pagar menos? Não somos contra a política de nacionalização, mas desse jeito não dá”, afirmou, “levantando o tom de voz”, segundo relatos da mídia.
O executivo referia-se, segundo empresários, à construção da plataforma de Libra. A Petrobras fez a licitação, escolheu a proposta da japonesa Modec e depois recusou-a, alegando estar 40% acima do preço esperado.
No padrão aceito até esse caso, a conversão do casco de um navio é feita na Ásia e obtém-se o conteúdo local com a integração de módulos no Brasil. Ocorre que o parceiro da Modec nessas operações é o estaleiro Brasfels, do Grupo Kepelfels, de Cingapura, cumpridor de prazos e orçamentos. Os empresários perceberam a ameaça: a estatal quer fazer tudo lá fora.
Eisa Petro Um
Os demitidos rejeitaram a proposta do Eisa Petro Um, de pagar a dívida trabalhista de 85 bi em prestações mensais de 215 reais por pessoa (Foto: Tomaz Silva/ABr)
Ariovaldo Rocha, sócio da PJMR Empreendimentos, acionista do Vard Promar, de Suape, em Pernambuco, e presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore, teme a extinção do parque industrial naval do País.
“A Petrobras em nova fase deveria ter também novas práticas e abrir o debate sobre os detalhes da alegação de que o conteúdo local torna a plataforma de Libra 40% mais cara”, disse Rocha a CartaCapital.
“Estaleiros brasileiros têm construído módulos e feito a sua integração aos cascos convertidos na Ásia. Esse formato foi bem-sucedido na construção de quatro plataformas de produção em 2015 e neste ano, que já estão operando ou em processo de implantação. Sabemos também que a Petrobras tem o hábito de modificar projetos durante a construção, o que aumenta custos, e se recusa a pagar pelas mudanças. É necessário mudar esse padrão e abrir o debate para evitar demissões estimadas em mais de 5 mil postos de trabalho, caso a participação local seja inteiramente abandonada.”
A situação dos estaleiros do Grupo Mauá, de Niterói, controlado pelo Grupo Sinergy, construtores e reparadores de navios para a Transpetro, simboliza a crise. O Eisa Petro Um, implicado na Lava Jato e, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, sob péssima gestão financeira, demitiu no ano passado seus 3,7 mil trabalhadores, exceto 9, incorporados ao Mauá S.A., hoje com 300 empregados.
O sindicato dos metalúrgicos entrou na Justiça para as indenizações trabalhistas da transportadora marítima da Petrobras. “A Transpetro foi condenada, como solidária, a pagar as verbas trabalhistas caso o Eisa não cumpra essa obrigação”, diz o sindicalista Edson Rocha.
A Transpetro afirmou ter rescindido os contratos com o Eisa Petro Um por descumprimento contratual e que “não existe nenhuma decisão judicial transitada em julgado que a responsabilize pelo pagamento de indenização aos empregados”.
Pedro Parente
Parente alterou-se ao defender as contratações externas (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Na quarta-feira 28, os demitidos rejeitaram a proposta do plano de recuperação judicial do Eisa, de pagar 215 reais mensais por trabalhador – “uma piada”, segundo Rocha – e aumentar gradativamente esse valor até a quitação de toda a dívida trabalhista de 85 milhões de reais em 24 meses.
Na terça-feira 27, após cinco dias em greve por atraso de pagamento, os 5,2 mil trabalhadores do estaleiro Rio Grande, da Ecovix, obtiveram a liberação da conta da empresa do Grupo Engevix, bloqueada pela Lava Jato. “Disseram que o pagamento sairia ontem, prometeram para hoje. A greve continua”, relata Enio Santos, vice-presidente da Federação Estadual dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul.
Tabela

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Para Machado Neto, diretor da Abimaq, há um risco grande de voltarmos à situação da década de 1970, quando o País não tinha indústria naval. “Essa decisão não pode ficar restrita à Petrobras, é um problema de Estado. Não devemos permitir a destruição desse parque industrial construído a duras penas, inclusive com dinheiro público do Fundo de Marinha Mercante, FGTS, FAT, que não se pode jogar pelo ralo.”
Há intenções inconfessáveis por trás de decisões supostamente técnicas, alerta Júlio Arruda, diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro. “A indústria naval quase fechou e foi rea­tivada por Lula, com o plano de investimentos da Petrobras. Cerca de 80% dos estaleiros estavam no Rio de Janeiro, ele expandiu para outros estados para gerar desenvolvimento e empregos. Isso ativou os cursos de engenharia naval, a formação de mão de obra pela empresa pública, especializações e pós-graduações na área. Sou favorável à punição dos responsáveis pelos desvios, mas neste caso o objetivo principal é outro. Não conseguiram derrubar Lula, então decidiram aniquilar a Petrobras para acabar com ele.”
O Brasil pagava 10 bilhões de dólares por ano afretando navios de bandeira estrangeira, chama a atenção o engenheiro. “Agora vão retomar a política de FHC, de fazer tudo fora. Esse governo só pensa em gerar dinheiro para superávit primário. As principais empresas devem ser protegidas pelos países, mostrou o governo dos Estados Unidos ao reativar a GM com dinheiro público.”

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