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domingo, 2 novembro, 2025

Ibrahim Traoré e a nova revolução africana

  • (Foto: TASS)

Wagner França

A trajetória do jovem capitão que desafiou o imperialismo francês, assumiu o poder em Burkina Faso e reacendeu o espírito revolucionário no coração do continente africano.

Em meio a um continente marcado por décadas de exploração, instabilidade e ingerência externa, emerge uma figura que reacende esperanças de soberania e autodeterminação: Ibrahim Traoré, o mais jovem presidente da África. Nascido em 1988 em Kéra, Burkina Faso, Traoré foi forjado nas lutas estudantis de orientação marxista e no calor dos combates contra insurgentes jihadistas no Sahel. Geólogo de formação e militar por vocação, ele não se limitou ao campo de batalha: em setembro de 2022, liderou um golpe que derrubou o também militar Paul-Henri Damiba, diante da crescente insegurança e do descrédito popular no governo. Aos 34 anos, assumia o comando de um dos países mais pobres do mundo, mas com uma rica história de luta e resistência.

A ascensão de Traoré não pode ser lida apenas como uma substituição de poder entre militares. Seu discurso e suas ações representam uma ruptura com décadas de submissão ao neocolonialismo europeu, especialmente à presença francesa na região. Em 2023, ordenou a retirada das tropas da França e rompeu tratados militares com o antigo colonizador. Buscando uma nova geopolítica africana, aproximou-se da Rússia, Irã, Turquia, Cuba, Venezuela e Nicarágua. A proposta de uma federação entre Burkina Faso, Mali e Guiné, também sob governos militares, explicita o desejo de construir uma frente regional forte, coesa e resistente às interferências externas. O pan-africanismo volta a ser pauta, não mais como utopia, mas como projeto concreto.

Internamente, Traoré tem adotado medidas simbólicas e estruturais. Substituiu as togas negras do judiciário — símbolo da herança colonial — por vestes tradicionais feitas de algodão local, o faso dan fani, promovendo tanto a identidade cultural quanto a economia doméstica. Criou a Agência para a Promoção do Empreendedorismo Comunitário (Apec), que atua diretamente na industrialização do país, com fábricas têxteis, usinas de beneficiamento de alimentos e programas de geração de renda com base popular. O projeto de Traoré visa reconectar o Estado com o povo, reduzindo a dependência externa e valorizando o que é produzido no território.

Contudo, seu governo não está isento de críticas. Organizações de direitos humanos denunciam práticas autoritárias, como repressão a opositores, censura e o recrutamento irregular de juízes alinhados ao regime. A violência jihadista persiste, com boa parte do território nacional ainda sob ameaça. O prolongamento da transição até 2029, sem calendário eleitoral definido, também preocupa setores da sociedade civil e observadores internacionais, que temem a consolidação de um regime personalista.

Mesmo diante das contradições, Ibrahim Traoré encarna uma mudança de paradigma. Sua figura convoca a memória de líderes revolucionários como Thomas Sankara, Patrice Lumumba e Amílcar Cabral. Seu discurso nacionalista e anticolonial ecoa em outros países africanos e inspira setores da juventude que desejam um continente menos dependente, mais unido e capaz de decidir seu destino com as próprias mãos. Em um mundo cada vez mais multipolar, a África deixa de ser apenas um campo de disputa geopolítica e começa, novamente, a ser protagonista.

O futuro da revolução africana é incerto, mas uma coisa é clara: com Traoré, Burkina Faso deixou de ser apenas um ponto no mapa. Tornou-se símbolo de resistência, de coragem e de um novo tempo. O continente africano, tantas vezes silenciado, está voltando a falar — e fala em voz alta.

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