Empresa tem dificultado a transparência de informações em publicidades políticas no Brasil em pleno ano eleitoral. Países como Estados Unidos, Índia e Alemanha têm tratamento diferente
Principal empresa do grupo Alphabet Inc., um dos conglomerados de tecnologia com maior faturamento em todo o mundo, o Google anunciou no último ano que disponibilizará, ainda no primeiro semestre de 2022, os Relatórios de Transparência de Publicidade Política ao Brasil. O documento é resultado do compromisso global assumido há cinco anos, em 2017, de fornecer acesso a informações sobre financiamento de publicações; porém, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos desde 2018, a empresa não disponibilizou, até o momento, tais informações. E, não é demais destacar: este é um ano eleitoral. Será, portanto, o terceiro processo de renovação política desde o anúncio do compromisso da empresa multinacional, sem tais dados.
Apesar das pressões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em outubro de 2021, e de pesquisadores, jornalistas e acadêmicos em fevereiro deste ano, a empresa levou meses para se pronunciar sobre como disponibilizará os dados brasileiros. Para surpresa de todos, além da morosidade, os dados e conteúdos a serem oferecidos são diferentes daqueles disponíveis em outros países. Ou seja, um tratamento desigual. Em artigo no blog da empresa, o Google Brasil aponta que “apenas publicidade eleitoral de campanhas no nível federal estará incluída no Relatório”, em um primeiro momento.
Vale registrar que, em todo o mundo, o Brasil é o segundo país que gera mais tráfego de buscas no Google. E importa lembrar também que a empresa é mais do que um “mero” buscador da internet. Estamos falando de uma companhia que controla parte significativa do processo de mediação entre a população e o acesso às informações, que gere arquivos de imagens, textos e outros e que, cada vez mais, expande os seus serviços e aplicações na educação pública e privada. Essa presença nos nossos cotidianos individuais e coletivos, pessoais e institucionais, deveria exigir da empresa um compromisso com a democracia brasileira.
A proposta do Google, porém, demonstra que a empresa trata a sociedade brasileira como de segunda categoria, já que oferece aos seus eleitores menos informações do que aos usuários do Norte Global.
Ao consultar a ferramenta disponível para outros países percebe-se que nações do Norte Global possuem acesso à transparência da publicidade política de atores públicos de menor envergadura, como candidatos a prefeito, vereadores, governadores, deputados estaduais e distritais.
Assim, a empresa ignora que o impulsionamento de conteúdos antidemocráticos se dá de forma descentralizada e por políticos de âmbito local, conforme registrado pela pesquisa “Using ads for disinformation campaign to weaken trust in democratic institutions: the effects of paid content on Meta Platforms in Brazil” do Netlab/UFRJ, coordenada por Marie Santini (PPGCI–IBICT/UFRJ) e que será publicada ainda este semestre. Na pesquisa são apontados perfis de vereadores e deputados estaduais publicando conteúdos desinformativos e com investimento considerável em impulsionamento. Temas relacionados à Amazônia Legal também são exemplos disso.
Dadas as lacunas, a empresa sequer pode afirmar que não teve condições de preparar-se para o pleito do presente ano, se contabilizadas a quantidade de tempo e de recurso de que o Google dispôs nesse período. Ao que tudo indica, a empresa escolheu o seu lado nas eleições: seguir negando à imprensa, à academia e à sociedade civil acesso às mesmas informações sobre publicidade política que oferece nos Estados Unidos e na Europa.
Viviane Tavares é coordenadora Executiva do Intervozes.
Humberto Ribeiro é diretor Jurídico e de pesquisas do Sleeping Giants Brasil.