Jornal GGN – Ao que tudo indica, a Globo decidiu declarar guerra ao site The Intercept Brasil nesta quarta (12).

De um lado, a emissora divulgou uma nota levando o embate com Glenn Greenwald para o campo pessoal. De outro, o jornal O Globo produziu uma reportagem, com a ajuda da Polícia Federal sob Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, insinuando que todo o “coração” da operação foi vítima de um ataque hacking “muito bem planejado”, ao custo de milhões de dólares, com direito a envolvimento de russos no enredo.

A narrativa criada pela Lava Jato tenta tirar Sergio Moro e Deltan Dallagnol do centro das atenções. Jornalistas dos Intercept, de fato, confirmaram que muitas pessoas foram atingidas pelo vazamento.

Mas uma das principais questões que Globo omite de seus leitores é que em nenhum momento o Intercept expôs detalhes de como sua fonte (mantida em sigilo) obteve o material que compõe um dossiê superior, em volume, ao caso Snowden.

Foram Moro e Dallagnol que, em defesa própria, sacaram primeiro a história do “ataque criminoso” para tangenciar o mérito das conversas reveladas pelo Intercept. .

Agora, Globo e outros portais da grande mídia aliadas da operação – como o Estadão e O Antagonista – forçam ligações entre o ataque hacking e o vazamento ao Intercept.

E a nova narrativa publicada Globo é cinematográfica:

“Em meio à crise deflagrada pelos ataques, procuradores discutem entre si as mais variadas teses sobre as origens dos ataques. Alguns levantam suspeitas até sobre invasões de origem russa, o que não está comprovado”, afirma o diário.

O ATAQUE “MUITO BEM PLANEJADO”

De acordo com O Globo, o ataque foi “muito bem planejado” não se limitou a Moro e Dallagnol, entre outros procuradores de Curitiba, mas chegou também a outros nomes da Lava Jato, como a juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula no caso Atibaia.

O desembargador Abel Gomes, relator da Lava Jato na segunda instância do Rio de Janeiro, o juiz Flávio de Oliveira Lucas (RJ), o ex-procurador-geral Rodrigo Janot e dois assessores mantidos sob anonimato também estão na lista.

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Assim como os procuradores Paulo Galvão, Thamea Danelon, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Danilo Dias, Eduardo El Haje, Andrey Borges, Marcelo Weitzel e um jornalismo de O Globo.

Os procuradores do Rio, segundo O Globo, conseguiram evitar a invasão porque tinham “controles mais rígidos”.

O Globo dá a entender, com a reportagem, que levantou todas as ocorrências sozinho.

Mas há a informação de que alguns casos são investigados nos 4 inquéritos da Polícia Federal, divididos entre dois grandes grupos de investigação que atuam em 4 cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Curitiba.

Na tarde desta quarta (12), o site BR18, abrigado pelo Estadão, revelou uma suposta invasão em um grupo de procuradores do Conselho Nacional do Ministério Público.

O suposto hacker usou a conta do procurador militar Marcelo Weitzel para tirar sarro da situação da Lava Jato. Globo diz que o mesmo suposto invasor teria entrado em contato com José Robalinho, ex-presidente da Associação Nacional de Procuradores, se passando por Weitzel.

O hacker em questão teria se declarado um simples profissional de TI que não tem dificuldade de invadir qualquer celular, e afirmou que era responsável pelos vazamentos. Sua motivação seria que a sociedade brasileira e o próprio Judiciário deveriam conhecer o que ocorreu nos bastidores da Lava Jato.

A INVESTIGAÇÃO OFICIAL

Sobre o ataque hacker, a PF tem 4 inquéritos em andamento, e a PGR também abriu um procedimento para acompanhar os federais.

Ontem, a Folha publicou reportagem sobre como funcionam ataques desse tipo e explicou que seriam relativamente baratos, o que gerava a preocupação de que fossem disseminados mais facilmente.

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Agora, O Globo vem com a teoria de que poderosos estariam por trás, pois “as suspeitas iniciais [na visão da PF de Moro] apontam para um mandante com capacidade financeira para bancar o esquema aparentemente sofisticado de ação.”

“Uma das hipóteses é a de utilização de equipamentos que custam entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões, segundo uma fonte da cúpula da PF ouvida pelo GLOBO. Há diversas empresas sediadas no leste europeu e no Oriente Médio que oferecem estes serviços por esses valores.”

A hipótese, contudo, não casa com a chacota do hacker que se passou pelo procurador Weitzel.

O ATAQUE PESSOAL DA GLOBO

Em outra frente, a Rede Globo divulgou uma nota à imprensa que leva a discussão com Glenn Greenwald – que tem criticado duramente a grande mídia pela cobertura acrítica da Lava Jato nos últimos anos – para o plano pessoal.

Em resposta a uma entrevista do editor do Intercept à Agência Pública, a emissora revelou o suposto bastidor de uma suposta tentativa de negociação de Greenwald para compartilhar o conteúdo do dossiê.

Globo acusou Greenwald de ter oferecido parceria na divulgação de uma “bomba” (ele não deu detalhes da pauta), mas antes queria saber se a emissora guardava contra ele alguma informação da época em que atuaram juntos no caso das invasões da NSA.

Segundo a nota, a aparição de nome de agentes americanos numa reportagem veiculada na Globo colocou a segurança de Greenwald em risco, porque o governo dos EUA poderia ter pedido sua prisão. Para evitar isso, a emissora admitiu sozinha a responsabilidade pela publicação da reportagem. Foi o que, segundo a nota, salvou Greenwald.

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O jornalista do Intercept ainda não se manifestou sobre a nota.

Leia a nota completa aqui.

A IRONIA DO DESTINO

Não deixa de ser irônico que Moro e a Lava Jato – que passaram cinco anos vazando delações premiadas (inclusive as que não estavam homologadas) e informações seletivas e, às vezes, não devidamente apuradas à imprensa – agora se escondam atrás do vazamento e de um caso de ataque hacking para tangenciar a discussão do mérito das acusações feitas pelo Intercept.

O site já divulgou 3 matérias e 1 editorial expondo provas (conversas em chats privados e grupos de procuradores) do conluio entre o ex-juiz e o Ministério Público.

Essas provas podem não servir para punir a força-tarefa e o hoje ministro da Justiça, mas servem, em tese, para derrubar sentenças. Como a do caso triplex, contra Lula.

Greenwald, na entrevista à Agência Pública, também indicou que a relação promíscua da Globo com a Lava Jato também seria exposta.

Cenas dos próximos capítulos.