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sexta-feira, 19 abril, 2024

Ex-diplomata iraniano: “O povo está acostumado a restrições e não considera a situação pior”

Mehdi Agha Mohammad Zanjani defende a memória do general Soleimani 

Zanjani, que viveu por oito anos no Brasil, analisa os últimos acontecimentos

Por Paulo Roberto Tavares

O ex-diplomata iraniano Mehdi Agha Mohammad Zanjani fala sobre os últimos acontecimentos no Oriente Médio e tensão entre os Estados Unidos e o Irã após a execução do general Soleimani. Natural de Teerã, a capital, ele faz um relado do dia a dia em sua cidade natal, de onde concedeu entrevista ao Correio do Povo. Zanjani, que morou por oito anos no Brasil, também fala das perspectivas para um futuro próximo

Correio do Povo: Qual a importância do general Soleimani para o Irã? O trabalho do oficial terá continuidade?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: 
O general Ghassem Soleimani foi o general mais importante do mundo nas últimas duas décadas. Mas entre o povo iraniano, ele é tido como herói nacional, que mudou muitas equações regionais nos últimos anos, fortalecendo o núcleo da resistência contra o Daesh (Estado Islâmico), diversificando o movimento de forças populares, cujo resultado foi o fim deste flagelo em países como Síria e Iraque. Sem dúvida, ele foi a pessoa mais poderosa do Oriente Médio. Na opinião do povo iraniano, independentemente da sua visão política, religiosa e étnica, Ghassem Soleimani desempenhou papel crucial no mundo muçulmano, um mito que conseguiu quebrar a hegemonia dos poderosos, criando um modelo e padrão na resistência dos povos na região perante os invasores, fortificando a identidade e autoestima dos povos no sentido de participar na tomada de decisões nos seus países, como exemplo são as Forças de Mobilização Populares, no Iraque, ou a Força de Defesa Nacional Síria e até os movimentos populares no Iêmen. O povo iraniano deve a sua segurança e estabilidade a seu general no comando das Forças de Al-Quds. Foi ele que articulou a operação contra o terrorismo regional, erradicando o problema pela raiz fora das fronteiras do Irã e barrando a entrada do terrorismo e os movimentos desestabilizadores. Hoje, o Irã é considerado a ilha mais segura e menos conflitosa internamente no Oriente Médio, isto se deve muito a Soleimani, uma personagem instrumental para o alargamento da presença do Irã na região, como um autor importante que os Estados Unidos e os inimigos regionais do Irã — Israel, por exemplo — tentam combater há anos. Ele recebeu um funeral de acordo com essa imagem de herói, cortejos funerários com participações em massa de milhões de pessoas em várias cidades.

CP: Analistas ocidentais afirmaram que Soleimani só perderia em popularidade para o aiatolá Khomeini. É correto?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: O Irã tem o sistema de República baseado na divisão dos três poderes independentes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Também temos o líder supremo, que de acordo com a Constituição, é o líder espiritual e comandante máximo das forças armadas. Isto quer dizer que hierarquizar a popularidade de estadistas pelo primeiro ou segundo lugares não funciona no Irã. No modo geral, Soleimani podia ser mencionado como a figura na hierarquia militar mais popular do Irã. Ele era a peça chave em desenvolver da política pacifista iraniana no Oriente Médio. Soleimani não era só general, era popular pela sua personalidade, dedicação, simplicidade, inteligência, sendo grande estrategista. Era também um diplomata na medida em que assentou no Oriente Médio uma influência iraniana que apertou laços com a Síria, onde ajudou o governo de Bashar al-Assad a combater o Daesh. Ele formulou as principais estratégias dos últimos anos, incluindo a virada na guerra na Síria e a luta iraquiana contra o Daesh. E ainda estabeleceu ampla rede de aliados e agentes, criando o Núcleo da Resistência agindo por vezes de maneira pragmática contra o terrorismo e o extremismo na região. Numa pesquisa ocidental, em 2017, fez dele “uma das 100 pessoas mais influentes do mundo”, e é daqui que vem a comoção iraniana perante a morte de Ghassem Soleimani. A sua morte é um evento global.

Correio do Povo: Como está a população de Teerã após as retaliações do Irã contra os Estados Unidos? O movimento na cidade continua o mesmo?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: 
Jubiloso, muito contente e satisfeito. Aliás foi uma das exigências do povo as retaliações e uma resposta contundente e severa vingança. Quando foi anunciado oficialmente o ataque de mísseis a base militar norte-americana de Al-Asad, mesmo que fosse de madrugada, as pessoas tinham saído à rua para festejar e muitas fizeram oração de bênção, gritando Allah-u-Akbar (Deus é Grande) ao subir nos telhados dos prédios e, no dia seguinte, distribuindo doces.

Correio do Povo: As pessoas estão estocando alimentos na eventualidade de um ataque americano?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: Somos um povo que há 40 anos, desde a vitória da Revolução Islâmica (1979), sofre sanções unilaterais dos Estados Unidos e de outros países. O povo está acostumado a restrições e não considera a atual situação pior do que a que vivia. A vida corre com muita normalidade e não falta alimentos e mantimentos básicos. O governo desenvolveu uma política de subsídios para as camadas mais vulneráveis, que recebem mensalmente ajuda em dinheiro e cesta básica. Temos inflação alta, mas segundo especialistas e economistas, a situação degradante, em alguns casos específicos, inclusive na produção nacional e no campo empresarial, se deve a má gestão dos governantes. Como ponto final, aprendemos a conviver com sanções e, em alguns casos, driblá-las. A cada ano que passa a dependência da economia ao petróleo tem diminuído. Nós desenvolvemos um plano econômico chamado “Economia da Resistência”, pelo qual é proibido a importação dos mesmos produtos que o país fabrica em nível doméstico, e o líder supremo zela pessoalmente e com muito rigor pelo desdobramento desta política.

Correio do Povo: Trump anunciou novas sanções contra o Irã. Isto prejudicará a economia e o cotidiano das pessoas?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: 
Estamos acostumados a este tipo de ameaças e restrições. Não posso dizer que estas sanções não causem dificuldades, inclusive no campo de economia, saúde e medicamentos específicos, além de modernizações de certos equipamentos hospitalares e de transporte.

Correio do Povo: Como está a relação com os aliados, como a Rússia, por exemplo?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: Temos boas relações em todos os campos, político, econômico e cultural, com os países amigos. Atualmente se desenvolve também uma política monetária conjunta com alguns países, de apoio a laços comerciais e investimentos baseados nas moedas nacionais, rejeitando a dependência à moeda norte-americana. Um dos pilares da nossa política externa é o desenvolvimento de relações com países vizinhos. Ultimamente o Irã se empenha muito na distensão regional através de criação de grupos dos países influentes regionalmente, inclusive a Reunião de Asatana sobre a Síria que promove reuniões de altas autoridades, cuja finalidade é encorajar a pacificação entre grupos de oposição na Síria. A Rússia é aliado estratégico do Irã, temos muitos projetos comuns em nível econômico e político, com na questão da Síria e no desenvolvimento da nossa usina nuclear na cidade costeira de Bushehr.

Correio do Povo: O senhor acredita que o Irã terá a hegemonia política na região?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: A nossa política regional nunca foi hegemônica, mas baseado pela relação amigável, justa, em que o seu fruto seja para todos. O grande problema da nossa região é a presença das forças intervencionistas, inclusive Estados Unidos e a Inglaterra, e Israel, que é a causa principal de discórdias e conflitos na região.

Correio do Povo: Na sua opinião, qual seria o motivo do assassinato do general?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: 
Um desgosto crônico. O general Soliemani, nesses últimos anos, foi o principal obstáculo e resistência ao desenvolvimento das políticas hegemônicas dos Estados Unidos na região. Ele sempre foi alvo da política norte-americana de eliminação de líderes inimigos. Formulou as principais estratégias dos últimos anos, incluindo a virada na guerra na Síria e a luta iraquiana contra o Daesh acabando com o governo autointitulado Estado Islâmico.

Correio do Povo: É possível projetar um fim para essas discórdias? De que forma?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: 
Pouco provável, existe muita desconfiança. Enquanto os EUA estiverem presentes na nossa região e imporem políticas unilaterais e hegemônicas e aplicarem restrição a países soberanos e independentes como o Irã, normalizar as relações bilaterais não seria viável.

Correio do Povo: A escalada da violência é inevitável?
Mehdi Agha Mohammad Zanjani: 
Se os Estados Unidos continuarem com as suas políticas hostis contra o Irã, provocando países da região contra o nosso país e levando adiante este tipo de idiotices, sim.

Fonte: Correio do Povo

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