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quarta-feira, 27 março, 2024

Estudo alemão vê Brasil em rota cada vez menos democrática

O presidente Jair Bolsonaro e o premiê Narendra Modi. Brasil e Índia são apontados como exemplos negativos em estudo

Pesquisadores da Fundação Bertelsmann destacam ascensão do populismo de direita no Brasil. Relatório posiciona país ao lado da Hungria e da Índia como exemplo negativo de democracia que vem sofrendo abalos.

A continuidade da crise política brasileira, a polarização da sociedade, a fragmentação partidária, a persistência dos problemas econômicos e o radicalismo do presidente Jair Bolsonaro contribuíram para mais uma queda do Brasil no Índice de Transformação Bertelsmann (BTI), publicado a cada dois anos e que avalia a consolidação da democracia e da economia de mercado em países em desenvolvimento.

Os autores apontam o Brasil, ao lado da Hungria e da Índia, como um exemplo negativo de democracia outrora estável que vem sucumbindo ao desmantelamento do Estado de direito e das liberdades civis. “Exemplos disso são o nacionalismo hindu na Índia, o populismo de direita no Brasil ou o curso autoritário da Hungria, membro da União Europeia. Os desenvolvimentos nesses países são representativos da crescente polarização política que também está abalando as democracias consolidadas”, destacam os autores.

Segundo o ranking divulgado nesta quarta-feira (29/04) pela Fundação Bertelsmann, da Alemanha, a nota consolidada do Brasil no índice – que vai de 0 a 10 – retrocedeu de 7,3 para 7,2 entre 2018 e 2020. É a pior nota já concedida ao país desde o início da série, em 2006.

Em 2014, quando a crise econômica e política ainda não havia afetado tanto o país, a nota consolidada chegou a 8,0. Desde então, outros fatores, como o impeachment de Dilma Rousseff, a instabilidade do governo Michel Temer, a decadência econômica e a crescente desconfiança da população brasileira com o sistema democrático já haviam levado o Brasil a perder pontos em 2018.

No ranking mais recente, o Brasil acabou ultrapassado por países como Jamaica e Argentina e ficou empatado com Montenegro e a Macedônia do Norte. A queda só não foi maior porque outros países que estavam antes à frente do Brasil, como a Hungria, retrocederam ainda mais, e outras nações passaram a ser analisadas pelo índice.

A lista de 2020 inclui 137 países. A piora levou o Brasil a cair da 22ª posição para 23ª no ranking geral.

Quando analisada apenas a saúde democrática do país, a nota concedida ao Brasil decresceu de 7,7 em 2018 para 7,4. Em comparação com outros países da América Latina, nesse quesito, o Brasil aparece bem atrás de nações como Argentina (nota 8,2) e Uruguai (9,9). Em 2014, o indicador brasileiro de democracia alcançou sua nota mais alta no índice BTI: 8,2, ocupando a 17° posicao. Desde então, só decresceu.

Destaques sobre o Brasil

A análise da situação brasileira não cobriu boa parte do primeiro ano do governo Bolsonaro. O texto, por exemplo, deixa de fora marcos da administração, como a aprovação da reforma da Previdência, a queda de vários ministros, os seguidos choques com o Congresso e com o Judiciário, o crescente isolamento internacional do país e as intermináveis crises no interior do governo, além das ofensivas do governo contra adversários.

Algumas expectativas, como a de que o pais fosse voltar a um caminho sustentável de crescimento econômico, acabaram sendo atropeladas pela pandemia de covid-19 e a dificuldade do governo em propor e implementar reformas. O relatório ainda apontava que a nomeação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça em 2018 sinalizava que a questão do combate da corrupção seria importante para o governo.

Alguns trechos também envelheceram. “Ainda é muito cedo para julgar até que ponto Bolsonaro, como presidente, continuará promovendo divisões na sociedade brasileira”, destacaram os autores, sinalizando que a análise só levou em conta as primeiras semanas do governo em 2019.

Ainda assim, os autores expressam preocupação com as tendências autoritárias que o presidente demonstrava no início do ano passado. “Mesmo que apenas uma parte das medidas sociopolíticas anunciadas por Bolsonaro sejam implementadas, a agenda política do Brasil se tornará cada vez mais iliberal”, destacam os autores.

“O presidente de direita Jair Bolsonaro, que está no cargo desde janeiro de 2019, pressionou a polarização através de sua retórica excessiva contra a ‘esquerda’, mulheres, grupos LGBT e indígenas e afro-brasileiros. A eleição de Bolsonaro foi resultado da polarização social e, ao mesmo tempo, a alimentou.”

“Se levarmos em conta a retórica do novo presidente Bolsonaro a sério, não há mais consenso sobre democracia como objetivo estratégico e de longo prazo no Brasil. Bolsonaro falou a favor da tortura, glorificou nostalgicamente a ditadura militar brasileira (1964-1985) e causou indignação repetidamente com comentários iliberais, racistas, anti-mulheres e anti-gays”, aponta o texto.

Outros destaques

O índice também pintou um cenário nada positivo para outros países, apontando que padrões governamentais autoritários aumentaram continuamente na última década.

Dos 137 países examinados no índice de 2020, 63 são classificados como autocracias e 74 como democracias (54%). Em 2010, o percentual de países democráticos era de 57%.

Embora a queda no índice de democracias não seja tão expressiva, as avaliações da qualidade da democracia, economia de mercado e governança em todo o mundo caíram para o pior nível desde que a pesquisa é feita. Os autores citam a garantia do poder e o clientelismo como as causas da redução mundial da democracia, que intensificou a desigualdade econômica e contribuiu para a divisão da sociedade.

“O nacionalismo e as políticas clientelistas não são novidades, mas se tornaram socialmente aceitáveis em todo o mundo”, disse Brigitte Mohn, da diretoria da Fundação Bertelsmann. “Até países antigamente pioneiros em democracia e que ficam no meio da Europa, como Polônia e Hungria, estão agora entre os casos problemáticos em termos de estado de Direito e qualidade da democracia”, acrescentou.

A qualidade do governo caiu significativamente em 42 países nos últimos dez anos, mesmo em países populosos e economicamente importantes, como Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria. A Turquia foi pela primeira vez classificada como autocracia, devido a restrições maciças à liberdade de imprensa, desrespeito pelos direitos civis e abolição da separação de poderes.

As liberdades de expressão e de imprensa caíram em metade dos países examinados. Em cerca de um quinto dos países em desenvolvimento e em transição, a qualidade da democracia diminuiu ou o nível de repressão aumentou.

De acordo com os autores da pesquisa, um dos motivos para a fragilização das democracias é que os atores políticos são incapazes de resolver problemas ou se comprometer. A maioria dos governos não têm resposta para o fato de amplos setores da população serem excluídos econômica e socialmente. A pobreza e a desigualdade são comuns em 76 dos 137 países analisados, incluindo 46 dos 50 países africanos analisados.

Entre os 42 estados avaliados como “muito bem” ou “bem” governados, há apenas um país considerado como uma autocracia: Cingapura. Por outro lado, entre os 46 países com governança fraca ou fracassada, existem apenas cinco democracias: Bósnia e Herzegovina, Lesoto, Líbano, Nigéria e Hungria.

Mas há esperança de melhora. Entre os exemplos positivos apontados pelo estudo está o Equador, que, segundo os autores, superou um regime cada vez mais autoritário. Além disso, processos de democratização estão começando em lugares inesperados, como na Armênia e na Malásia. O estudo aponta ainda pontos positivos contra a tendência autoritária na Etiópia, na Argélia e no Sudão.

JPS/LE/ots

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