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Redação
Equipe da Sputnik Brasil
Vem uma nova crise econômica por aí, apontam relatórios do FMI e do Banco Mundial. O risco crescente de recessão global é impulsionado pelo conflito ucraniano, mas também pelas decisões de alguns países da União Europeia (UE). Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas explicam como a UE conduziu o mundo à beira do colapso.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial alertaram, na última segunda-feira (10), sobre o risco crescente de uma recessão global, impulsionada por diversos fatores, como a crise inflacionária na zona euro,
ainda distante de um arrefecimento. Além disso, é iminente o aumento das tensões no conflito ucraniano após o
atentado à Ponte da Crimeia, no último sábado (8).
O Kremlin considerou o incidente o cruzamento de uma linha vermelha por parte de Kiev. O presidente russo, Vladimir Putin,
afirmou que há muito tempo o governo de Kiev “usa métodos terroristas” e que, em caso de novos ataques no território da Rússia, a resposta à Ucrânia será dura e “corresponderá ao nível das ameaças”.
Se a situação calamitosa não foi o suficiente para o retorno das conversas por um acordo de paz, a deterioração econômica poderia forçar um consenso sobre a importância de se voltar à mesa de negociações? Além do conflito, quais são os desafios para a retomada do crescimento da economia global?
Para encontrar as respostas, a Sputnik Brasil conversou com Juliana Inhasz, coordenadora do curso de graduação em economia do Insper, e com o especialista em relações internacionais Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Ambos apontaram que é notório que uma escalada entre Rússia e Ucrânia pode deixar o mercado mais pessimista, principalmente a curto prazo, com a inflação permanecendo alta, principalmente na própria Europa. Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira acrescentou que é importante compreender que “a Europa está se aproximando do inverno, e uma grande incógnita é como os governos vão reagir à população se ela continuar a pressionar os governantes pelo aumento de custos”.
“Eles mudarão de posição em relação à guerra, continuarão a apoiar a Ucrânia?”, questionou.
Para Juliana Inhasz, o fornecimento de energia à Europa “está muito comprometido” e a incerteza faz com que as commodities fiquem cada vez mais caras. Para ela, “a Europa fica em risco de um desabastecimento de energia por conta do gás”. De acordo com a especialista, os mercados que mais sofreram e continuam sofrendo são os de energia e de alimentos, principalmente por conta das pautas agrícolas.
“No setor de alimentos, não só pela produção local, mas também por conta da participação evidente que esses países têm no comércio e na produção de fertilizantes, que são fundamentais para o setor de alimentos”, comentou.
Nesse sentido, ela aponta que “os auxílios europeus à economia ucraniana podem diminuir”, pois a Europa entra em um momento muito delicado, “de economias que retrocedem e andam para trás. E no momento em que você tiver que escolher entre a sua economia, o seu povo e o outro povo, você vai escolher, obviamente, o seu”.
Diante desse cenário, é natural que alguns países busquem soluções pacíficas para o conflito. Atualmente a Europa, em especial, nas últimas semanas, Berlim, Paris e Praga, se tornou palco de manifestações populares que pediam o fim das sanções sobre a economia russa, um apelo cívico contra a política inflacionária que elevou os custos de vida no continente.
“Os ataques às infraestruturas tanto russa quanto ucraniana afetam a economia da Europa na medida em que eles afetam a capacidade de produção desses países. […] Independentemente de quem ‘ganhe o conflito’ [Rússia ou Ucrânia], ninguém sai ganhando de fato; todo mundo perdeu”, disse Juliana Inhasz.
O Banco Central Europeu (BCE) está sob pressão com a inflação em mais de quatro vezes sua meta de 2%, tendo atingido um recorde de 9,1% no mês passado. Os preços do gás no continente dispararam até 30%, alimentando temores de escassez e reforçando as expectativas de uma recessão e um inverno duros, à medida que empresas e famílias são atingidas pelos preços altíssimos da energia.
A pesquisa Índices de Gerente de Compras (PMI, na sigla em inglês), da S&P Global, visto como um guia da saúde econômica no continente, registrou o menor patamar para a zona euro em 18 meses: de 48,9 em agosto, ante 49,9 em julho, abaixo de uma estimativa preliminar de 49,2. Leituras abaixo de 50 indicam contração.
A atividade de serviços na Alemanha, a maior economia da Europa, contraiu pelo segundo mês consecutivo em agosto, com a demanda doméstica sob pressão da inflação crescente. É notório que a economia do país deve contrair por três trimestres consecutivos a partir deste.
Na França, segunda maior economia da zona euro, o setor de serviços perdeu mais força e as perspectivas são sombrias. Já a economia do Reino Unido encerrou agosto
em uma base muito mais fraca do que se pensava anteriormente.
Todas as três economias apresentam inflação recorde.
Juliana Inhasz entende que, por essa crise que se aproxima, é provável haver uma “diminuição nos auxílios [da Europa a Kiev]. Pode ser que a gente comece a enxergar o futuro como um arrefecimento de fato desse conflito”.
“As forças de resistência ucranianas vão ficando cada vez mais rarefeitas, porque é impossível que a Ucrânia consiga permanecer nesse conflito de uma forma firme, sólida. [A Ucrânia] só consegue estabelecer resistência a partir do momento que você tem ajuda de outros países, que fornecem alimentos, remédios e tantas outras coisas que você precisa, inclusive armamentos, para continuar no conflito”, disse.
Para ela, o conflito pode até se encerrar e as economias podem voltar a produzir, “mas não voltarão a produzir como antes”. Segundo a economista, “a produção menor vai fazer com que a gente tenha uma Europa menos abastecida”.
Na avaliação de Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, “falta um papel mais ativo da China em fazer a mediação”, que poderia se apresentar como ator mediador e desempenhar um papel de neutralidade que não pode ser esperado por parte de países ocidentais.
Para ele, entretanto, “a China faz um cálculo errado”, pois quer “provocar o Ocidente indiretamente via Rússia”. O especialista entende que “a deterioração econômica só vai forçar a uma negociação com a participação de Pequim se a crise chegar à China, na Ásia, onde os índices de inflação continuam baixos”.
“Além do conflito, nós temos outros problemas relacionados à economia global, a própria questão da transição energética, a recuperação das cadeias globais de valor no pós-pandemia, tudo isso adiciona problemas. Sem falar, claro, na instabilidade política de alguns países, como o próprio Brasil”, concluiu.