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sexta-feira, 19 abril, 2024

Eleição na França, no Rio de Janeiro e o futuro do dólar estadunidense

Pedro Augusto Pinho*

O prezado leitor estará certamente se perguntando: que conexão o autor encontrará em assuntos tão díspares? Na realidade, desde quando entendemos o que é sistema, aprendendo a teoria dos sistemas gerais (Ludwig von Bertalanffy) e a matemática da comunicação (Claude Shannon), o mundo ficou muito mais claro e compreensível; basta saber o fio que deve ser puxado. Neste caso, o fio é o poder financeiro e contra quem ele se contrapõe.

O poder financeiro, dominante no mundo de hoje – século XXI – no Ocidente, é decorrente, mas diferente, daquele que por séculos dominou e ainda domina a Inglaterra, atualmente Reino Unido (UK). A grande diferença não foi a incorporação do que podemos designar “capital industrial”, oriundo principalmente dos Estados Unidos da América (EUA), porém do ingresso dos capitais marginais, ou seja, daqueles que as legislações nacionais e internacionais consideram crime: tráfico de pessoas e de órgãos humanos, contrabando de armas, tráfico de drogas e outras maneiras ilícitas de auferir recursos.

Este capital financeiro apátrida, pois está sediado em paraísos fiscais, espalhados pelo mundo, de um bairro (City) no centro de Londres (UK) ou de estado dos EUA (Delaware) a remotas ilhas (Ilhas Pitcairn e a Ilha Palau) no Oceano Pacífico, é administrado por empresas que se denominam “gestoras de ativos”.

Este contexto financeiro obteve suas vitórias em 1989, com a promulgação do seu decálogo (qualquer semelhança com a religião católica não é mera coincidência), o Consenso de Washington (novembro de 1989), e, em 1991, com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), exatos dois anos após o Consenso (!), 8 de novembro de 1991, na realidade uma imposição.

Não tomarei o precioso tempo do leitor com fatos sabidos e sobejamente bem analisados, como no magnífico trabalho do embaixador Paulo Nogueira Batista (“O Consenso de Washington –

A visão neoliberal dos problemas latino-americanos”, 1994, professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17973/material/Consenso%20de%20Washington.pdf).

Ainda no âmbito das identidades, perguntaria ao culto leitor: qual o maior inimigo de sua tranquilidade e bem estar neste 2022? Fosse um classe média do Leblon ou de Ipanema, no Rio de Janeiro, a resposta seria: “os moradores de rua”, que abundam nas calçadas destes bairros, ao desabrigo e com fome, pois o neoliberalismo não os vê como seres humanos, e seus prepostos nos governos como cidadãos.

Tratemos da eleição francesa.

Eric Hobsbawm e Terence Ranger coordenaram (1983) instigantes trabalhos que só lhes faltam mais ampla universalidade, porque todos colaboradores são professores em instituições de língua inglesa: UK e EUA: “A Invenção das Tradições”. Na orelha da edição brasileira pela Editora Paz & Terra, o intelectual Antonio Callado sutilmente faz esta crítica: a Alemanha, França, outros países não teriam inventado igualmente suas tradições?

No caso francês, a emergência revolucionária popular progressista é destas tradições criadas, ainda que seus exemplos nem sempre caminhem no sentido do progresso e da cidadania, como maio de 1968.

Esta eleição para presidente da França é verdadeiro “estudo de caso” da desinformação, construída por interesses antinacionais e repetida por todos os matizes ideológicos: a democracia contra o autoritarismo.

O que mais afeta os franceses? Um pouco de conhecimento e perspicácia responderia: estar governado pelo interesse do capital apátrida e por funcionário do Banco Rothschild, desta família especuladora com ativos financeiros desde o século XVIII.

É o financismo, o neoliberalismo, travestido de suas inúmeras máscaras e fantasias – ambientalismo, feminismo, identitarismo, democracia – que provoca o desemprego, os salários sucessivamente menores, o fim dos direitos trabalhistas, previdenciários, sociais e do próprio estado nacional.

Porém as mídias, eletrônicas, impressas, audiovisuais, uníssonas colocam o debate eleitoral entre a democracia, um tipo falso de esquerda, e a direita, sempre autoritária, quiçá fascista. Ou seja, entre Macron (empregado dos Rothschild) e Marine Le Pen, que promete a soberania monetária aos franceses, saindo do euro.

E nisto está seu grande crime, o nacionalismo, e traz a questão do futuro do dólar estadunidense (USD). Qual deveria ser a postura do terceiro candidato em votação, que se apresenta como arauto e defensor da “França Insubmissa”? Uma França submetida aos capitais apátridas ou tendo sua soberania monetária?

Aí, caros leitores, se tem a questão que não está apenas em votação na França, mas, igualmente, ainda que guardadas as devidas proporções, na eleição para o Governo de Estado do Rio de Janeiro.

Aprofundemos um pouco mais esta questão, pois iremos contra o poder da pedagogia colonial, de muita corrupção, chantagem e suborno, levar uma discussão sem preconceitos, com a seriedade e profundidade exigidas pelas consequências do voto para populações ocidentais.

Emmanuel Macron teve 27,8% dos votos, Marine Le Pen 23,1% e Jean-Luc Mélenchon 22%. Claramente os franceses se pronunciaram contra o euro, a União Europeia, talvez até contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN): 45,1 x 27,8.

Vamos especular. As projeções para o segundo turno indicam que os votos dados a Mélenchon fluirão mais fortemente para os nulos e abstenções, seguidos para Macron e, num terceiro bloco, quase iguais aos para Macron, para Le Pen. Macron receberá, no entanto, quase a totalidade daqueles que foram depositados em Valérie Pécresse (4,8%), Yannick Jadot (4,6%) e Anne Hidalgo (1,7%). Porém Le Pen receberia quase todos do 4º colocado, Éric Zemmour, 7,1%, e os 3,1% de Jean Lassalle (6º colocado). Valendo esta estatística, teríamos no segundo turno algo em torno de 44,9% para Macron e 38,3% para Le Pen, restando 16,8% para surpresas. Ou seja, as finanças apátridas continuariam no poder pela incapacidade das esquerdas (Mélenchon, Roussel, Hidalgo) entenderem qual o atual e mais forte inimigo do povo e da soberania nacional, em outras palavras, que as antigas dicotomias já não prevalecem.

Os dados disponíveis mostram claramente que os partidos socialista e comunista, que foram importantes forças políticas na França, perderam a conexão com o povo. A análise dos votos por região mostra que Mélenchon foi o principal depositário destes votos, tendo se sagrado vencedor na Região Parisiense, que ainda recentemente elegeu a socialista Hidalgo. A soma dos votos do Partido Comunista com os do Partido Socialista foi 4%.

Examinando o quadro político do Estado do Rio de Janeiro.

Sob certo aspecto, principalmente no que diz respeito às esquerdas, a situação fluminense é bastante semelhante à francesa. Mas aqui está uma população que, mesmo tendo sido a mais politizada do Brasil, não se equivale a de um povo que mantém os coletes amarelos (gilets jaunes), desde 2018, nas ruas e estradas, por toda França, mobilizados principalmente pelas questões da energia e tributárias, e demonstrando suas conexões com os empregos e salários.

Em 14 de abril de 2022, oito potenciais candidatos se apresentavam para governar o Estado do Rio de Janeiro (RJ). Para não hierarquizar por critérios de algum modo político suas apresentações, usarei a da idade, ordem cronológica igualitária.

Coronel Emir Laranjeira, 75 anos, disputará pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB); Cyro Garcia, 67 anos, pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU); Marcelo Freixo, 54 anos, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB); Eduardo Serra, 52 anos, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB); Felipe Santa Cruz, 49 anos, pelo Partido Social Democrático (PSD); Rodrigo Neves, 46 anos, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT); Cláudio Castro, 42 anos, pelo Partido Liberal (PL); e Paulo Gamine, 38 anos, pelo Partido Novo (Novo). Certamente haverá, até a formalidade das aprovações partidárias, maior número de candidatos e mesmo eventual substituição destes aqui relacionados.

São 32 os partidos políticos registrados nesta data no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais 24 com representantes na Câmara dos Deputados e 16, a metade, no Senado.

O “Congresso em Foco”, em 2019, classificou 28 partidos como sendo 14 de direita, nove de esquerda e cinco de centros. Os não avaliados foram: PCB, PCO, PSTU e o novato Unidade Popular (UP), todos, nestes três grupos do Congresso em Foco, seriam colocados na esquerda. Em síntese, a direita apresenta-se com 14 partidos, a esquerda com 13, e o centro, muitas vezes qualificado como direita envergonhada, com cinco. Pode-se concluir que, no mínimo, ainda faltam candidatos à direita para eleição de Governador do RJ. Mas será verdade?

De todos estes potenciais candidatos, apenas um, representando o PDT, partido fundado por Leonel Brizola, Rodrigo Neves, ex-prefeito, por duas vezes, de Niterói, poderia ser avaliado como antineoliberal, contra o domínio do capital financeiro na política brasileira. Os demais – quer pelas próprias ações e omissões passadas, pelas orientações partidárias, pelos pronunciamentos de seus líderes e pelas votações onde esta questão estava claramente exposta: privatizações, reformas do estado, privilégios para o sistema financeiro e rentistas – agiram como desejado pelas empresas “gestores de ativos”.

Busquemos entender a questão do dólar estadunidense.

Sua era foi curta, bem inferior à da libra inglesa. Já em 1978, na série cômica da BBC Radio4, “The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy”, o criador do enredo, Douglas Adams (1952-2001), ironizava aqueles “pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, que faziam com que as pessoas se sentissem infelizes”. Na realidade, a vida do USD começa nos Acordos de Bretton Woods (22 de julho de 1944) e termina em 15 de agosto de 1971, com a Ordem Executiva 11.615, emitida pelo presidente dos EUA, Richard Nixon (20 de janeiro de 1969 a 9 de agosto de 1974).

A partir daí ficou cada vez mais dependente do comércio internacional de petróleo, que as denominadas crises nos anos 1970-1980, o fizeram grande derrotado. O político, economista e filósofo estadunidense Lyndon LaRouche (1922-2019) escreveu na Executive Intelligence Review (vol. 24, nº 51, 19/12/1997) (traduzido por Gildo Magalhães e Yara Nogueira Müller, com revisão de Geraldo Luís Lino, para o Movimento de Solidariedade Ibero-Americano, RJ, 1999, sob título “O Governo Mundial”): “em fevereiro de 1997, este autor divulgou uma série de advertências, de que 1997 seria um ano de grave crise financeira internacional. Foi indicado o quarto trimestre de 1997 como limite extremo para a irrupção desta crise, alertando as pessoas para que trocassem investimentos financeiros especulativos, como fundos futuros e mutuais, por títulos de longo prazo do Tesouro e posse física de ouro, mesmo que as perdas nominais decorrentes fossem esperadas no curto e médio prazos”.

Em 1997 ocorre a “A Crise dos Gigantes Asiáticos”. Em julho a moeda tailandesa se desvalorizou. Logo depois caíram as de Malásia, Indonésia e Filipinas, repercutindo também em Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul. O efeito desses recuos arrastou as outras economias da região, convertendo-se na primeira crise em escala global após o Consenso de Washington. O Fundo Monetário Internacional (FMI) elaborou pacotes de resgate para salvar as economias mais atingidas e promoveu reformas estruturais, com privatizações e encolhimento dos Estados Nacionais.

Temos também alertado nossos leitores, desde 2015, para o tsunami que envolve a falta de lastro para a enorme quantidade de derivativos e outros papeis, como as hipotecas de 2008, que inevitavelmente arrastará o USD.

O Schiller Institute, think tank político e econômico, com sede na Alemanha, fundado e dirigido por Helga Zepp-LaRouche, viúva de Lyndon La Rouche, divulgou um alerta reproduzido pelo jornal Monitor Mercantil, 02/03/2022, na coluna Fatos & Comentários, de Marcos de Oliveira: “Uma bolha especulativa de quase US$ 2 quadrilhões em derivativos e dívidas já estoura. Um processo hiperinflacionário foi desencadeado globalmente, com o consequente colapso das economias físicas das nações ocidentais”, e adiciona “A City de Londres e Wall Street, os proprietários desse sistema falido, estão desesperados para destruir qualquer alternativa funcional a seu sistema – como a aliança da Rússia e da China em torno da Iniciativa Cinturão e Rota (Nova Rota da Seda), que agora incorpora quase 150 nações – e o establishment financeiro declarou abertamente que é isso o que está em jogo”.

Fecham-se assim as conexões entre as eleições na França, no Estado do Rio de Janeiro e o fim do USD como moeda global. Poderíamos acrescentar a atual guerra que a OTAN empreende na Ucrânia cujo sentido também envolve o poder do dólar estadunidense e, consequentemente, o geopolítico dos EUA.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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