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quinta-feira, 28 março, 2024

El Salvador: ‘violência oculta os reais avanços econômicos e sociais’

Adital

Sergio Ferrari

Com mais de 100 homicídios por cada 100 mil habitantes, em 2015, El Salvador é o país sem guerra mais violento do mundo. “É uma realidade que afeta toda a vida cotidiana e que gera uma alta tensão social. Resolver essa violência é, talvez, o principal desafio do atual governo da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN)” enfatiza Beat Schmid, ferrenho analista da dinâmica política e social dessa nação centro-americana.

Há 20 meses Beat Schmid, economista suíço, vive em El Salvador, onde colabora como consultor com o governo nacional na área de governabilidade. Muito antes, entre 1992 e 2004, já tinha trabalhado nesse país centro-americano na esfera da participação cidadã, da descentralização e da reconstrução posterior a catástrofes naturais. O atual é um momento essencial em seu périplo de quase 30 anos pela América Latina. Da Nicarágua, nos anos 1980, ao Uruguai, durante a primeira presidência de Tabaré Vázquez, chegando a Cuba, em 2005, para coordenar durante oito anos a Oxfam/Canadá e a MediCuba/Suíça.

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O economista suíço Beat Schmid fala sobre os desafios do governo diante da elevada violência em El Salvador.

Como se origina esse fenômeno que parece se sobrepor ao próprio Estado?

Foi sendo gestado nas últimas duas ou três décadas e tem a ver com gangues juvenis, que foram geradas nos Estados Unidos. Fundamentalmente, filhos de refugiados salvadoreños, que viveram em Los Angeles e se integraram a gangues lá, principalmente formadas por mexicanos. Era a população de mais abaixo e se organizaram como gangues para defenderem-se em uma sociedade que os rechaçava. Tornaram-se delinquentes. Alguns deles regressaram deportados a El Salvador. Paradoxicalmente, tinham ido muito pequenos, como filhos de refugiados, e voltaram convertidos em delinquentes. Agora, há duas principais gangues que competem entre si e que impactam em toda a sociedade.

Fala-se de um proceso de gestação de duas ou três décadas. Mas quem deve, agora, enfrentar o problema é o governo da FMLN…

Certamente. E foi se agravando, já que nem a sociedade nem o Estado deram respostas adequadas. As políticas exclusivamente repressivas dos governos da direita fracassaram e, por isso, este governo propõe uma abordagem integral, com ênfase na prevenção e na criação de oportunidades particularmente para jovens. As gangues se desenvolvem em bairros populares – 75 % da população residem em ciudades – onde as pessoas vivem em condições de grande marginalidade. Com estruturas familiares praticamente destruídas pela guerra passada, a violência atual e a migração muito forte. Nesse contexto, há jovens que pensam que a vida não vale nada. As tatuagens habituais marcam um quase não retorno à integração social, para essa parte de uma geração praticamente criminalizada. Então, se unem, se reforçam entre eles e começam a desenvolver a hegemonia social das gangues, que implica em proteger seu setor e exigir o pagamento de uma renda aos moradores, acumulando assim um poder econômico produto da extorsão. A população trata de se ajeitar com essas duas gangues para sobreviver. O Estado tem presença frágil nesses bairros. Em 2015, houve 60 policiais mortos pelas gangues. Saem a delinquir fora do seu setor e confrontam outro grupo. Uma espécie de guerra entre pobres. Os pobres são os mais afetados por essa cotidianeidade.

Com uma saída viável?

Vai ser um processo longo, que excede o tempo político do atual governo. Penso que a única forma de resolver esse drama é criar uma contra-hegemonia social. Oferecer possibilidades especialmente aos jovens, dar-lhes oportunidades de vida. De 6,4 milhões, que é a população total do país, há 10%, especialmente jovens, que não estudam nem trabalham. Quase 10 % da população, por outro lado, têm algum tipo de relação, contato, ou vivem em zonas com forte presença das gangues. A prevenção é uma política cara e com resultados apenas no médio e longo prazo, mas a repressão não é o único caminho, mas só o último e menos desejável. Adicionalmente, essa repressão significa lutar contra setores sociais baixos, o que é quase dramático para este governo, com ideais e propostas progressistas. As autoridades estão empenhadas em encontrar essas opções alternativas. As que requerem um grande investimento social, que não vai aportar frutos de imediato. Tudo isto em um momento de marcadas restrições econômico-orçamentárias.

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Membros de gangues são os maiores responsáveis pelo drama da violência no país centro-americano.

É exagerado afirmar que o futuro do governo e da governabilidade está ligado à resolução ou não do tema da violência?

Há, hoje, dois temas fundamentais. A insegurança, que é essencial. E o da renda e do emprego. A queda do preço do petróleo e uma certa reativação do mercado norte-americano geram a percepção de que a economia vai melhorar. O da segurança é mais complexo. É real que os grandes meios de informação ampliam os fatos criando uma percepção social desfavorável. E por isso o grande desafio governamental é também criar uma percepção de que esse problema pode ser resolvido. Do contrário, muitas das conquistas sociais objetivas ficam eclipsadas. Como as bolsas escolares para todos os alunos e alunas até o bacharelado; o programa de um computador para cada criança; os programas Casa Mulher, que beneficia milhares de mulheres em situação de opressão. E avanços econômicos reais: a autossuficiência em grãos básicos há seis anos; ter-se convertido El Salvador no país com maior crescimento das exportações na América Latina, em 2015; uma diminuição comprovada da desigualdade medida, sendo, hoje, o segundo país mais equitativo da América Latina; a expansão da saúde e educação públicas, ainda que também haja muito por fazer nessas e em outras áreas.

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