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quinta-feira, 28 março, 2024

DOCUMENTANDO OS ESTADOS UNIDOS NO GOLPE DE 2016 – PARTE 1

 

por Carlos Coimbra

O presente faz parte de uma série de três artigos sobre documentos secretos vazados ou documentos públicos que indicam uma presença cada vez mais forte dos Estados Unidos no cenário político brasileiro após o anúncio das reservas de petróleo na camada pré-sal pela Petrobras em 2007.

Por mais que estes artigos se assemelhem a teoria da conspiração, eles não são. Pois não vêm de suposições ou imaginação do autor. Documentos antigos e nem tão antigos, demonstram que no passado os Estados Unidos da América participaram de diversos golpes ao redor do mundo. Incluindo o apoio a ditaduras sanguinárias para manter os seus interesses geopolíticos.

O exemplo mais prático e clássico vem da abertura pública de documentos antigos da CIA e de outros departamentos dos EUA que atestam a participação do governo Lyndon Johnson no Golpe Militar de 1964. Estes documentos desclassificados estão na página do Arquivo Nacional de Segurança dos Estados Unidos (em inglês):

https://nsarchive2.gwu.edu//NSAEBB/NSAEBB118/index.htm

Ali são listados alguns telegramas entre Johnson, CIA e o embaixador estadunidense no Brasil, Lincoln Gordon. Num deles, datado de 27 de março de 1964, Gordon textualmente diz:

“Se a nossa influência deve ser usada para ajudar a evitar um grande desastre aqui – o que poderia fazer do Brasil a China dos anos 1960 – é aqui que tanto eu como todos os meus assessores seniores acreditamos que nosso apoio deve ser colocado, (…) que medidas sejam tomadas o mais rapidamente possível para se preparar para uma entrega clandestina de armas de origem não americana, a ser disponibilizada aos apoiadores de Castello Branco em São Paulo.”

(Telegrama de Lincoln Gordon, embaixador dos EUA no Brasil, à Casa Branca e à CIA, 27/03/1964)

A operação acima descrita foi denominada “Operação Brother Sam” e contou com apoio logístico e militar por parte dos EUA para que o golpe de 1964 fosse bem sucedido.

Do ponto de vista de comunicação diplomática ou mesmo secreta, os telegramas são um dos principais meios de contato entre os diversos atores que compõem um diálogo internacional.

Nos dias de hoje é correto afirmar que não é preciso esperar décadas até a desclassificação de documentos diplomáticos secretos. Atualmente há uma organização que se encarrega de vazar milhares de telegramas confidenciais a partir de fontes governamentais anônimas. Essa organização se chama WikiLeaks. Não é à toa que seu fundador, Julian Assange, está escondido na Embaixada do Equador em Londres, na iminência de ser preso por autoridades do mundo ocidental, sob alegações claramente falsas criadas com o único propósito de extraditá-lo para os EUA.

Assim, uma ótima medida para entender o papel dos EUA no Golpe de 2016, é juntar as peças do quebra-cabeça a partir de telegramas confidenciais.

Abaixo, a primeira parte de uma lista de documentos, incluindo os telegramas acima mencionados, que podem ser acessados por qualquer pessoa e que oferecem pistas sobre o que levou os EUA a mais uma vez se intrometer criticamente no cenário político brasileiro. Esse é um recorte particular de algo muito mais amplo e portanto os leitores podem investigar o problema atacando a partir de outros documentos além dos expostos abaixo.

Documento no 1: Petrobras anuncia campos de pré-sal (2007)

Documento público da Petrobras enviado à Bovespa:

http://siteempresas.bovespa.com.br/consbov/ArquivosExibe.asp?site=&protocolo=140478

A primeira descoberta de petróleo na camada de pré-sal ocorreu em território brasileiro, em área oceânica considerada zona econômica exclusiva do Brasil. Pesquisas da Petrobras neste tema ocorrem desde a década de 1970. Em 2006, a Petrobras revela ter encontrado fortes indícios de petróleo na camada pré-sal, e entre 2007 e 2008 ela consegue recolher pequenas quantidades de petróleo leve na chamada camada sub-sal.

O documento acima, datado de 08 de novembro de 2007, assinado por Almir Guilherme Barbassa, Diretor Financeiro da Petrobras, expõe a descoberta de grande quantidade de petróleo no campo de pré-sal de Tupi. Segundo o texto,

“uma companhia brasileira de energia com atuação internacional, comunica que concluiu a análise dos testes de formação do segundo poço (1-RJS-646) na área denominada Tupi, no bloco BM-S-11, localizado na bacia de Santos, e estima o volume recuperável de óleo leve de 28º API, em 5 a 8 bilhões de barris de petróleo e gás natural. A Petrobras é operadora da área e detém 65%, a empresa britânica BG Group detém 25% e a portuguesa Petrogal – Galp Energia, 10%.”

Em 2008, a Petrobras começa a extrair petróleo de boa qualidade em quantidades consideráveis, o que torna a empresa extremamente rentável. Note que nenhuma empresa dos Estados Unidos operava em Tupi à época da descoberta.

Documento no 2: Sérgio Moro realiza treinamento no Departamento de Estado dos EUA (2007)

Documento público – Curriculum Lattes do CNPq informado pelo próprio Sérgio Moro:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8747305D4

Ao contrário do que muitos acreditam, não há indícios documentais de que o juiz Sérgio Moro tenha recebido treinamento direto da CIA. No entanto, houve algo quase equivalente. Ele por duas vezes fez sim cursos nos Estados Unidos em grandes institutos. No primeiro deles, em 1997, Moro realizou um treinamento por 30 dias na Harvard Law School. Um pouco depois, se tornou o principal juiz no bilionário caso de desvios e lavagem de dinheiro que envolveu o banco Banestado (Paraná).

O treinamento mais importante, no entanto, ocorreu em 2007, quando Moro foi bolsista no Departamento de Estado dos Estados Unidos. Ali, ele participou como convidado do renomado “International Visitor Leadership Program”, programa de intercâmbio dos EUA dedicado à iniciação de líderes estrangeiros sobre cultura, diplomacia e interesses geopolíticos dos Estados Unidos. O programa foi fundado por Nelson Rockfeller em 1940 (vide a página oficial aqui: https://eca.state.gov/ivlp). Lê-se no Currículo Lattes do juiz Moro:

“Sergio Fernando Moro, Juiz Federal da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, especializada em crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e praticados por grupos criminosos organizados. (…) Participou do International Visitors Program organizado em 2007 pelo Departamento de Estado norte-americano com visitas a agências e instituições dos EUA encarregadas da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro.”

Ao que parece, o treinamento acima rendeu ótimos frutos, já que Moro se transformou da noite para o dia em uma espécie de referência para os americanos no combate a crimes financeiros. Vide, por exemplo, o que Lisa Kubiske, diplomata assistente da Embaixada dos EUA em Brasília em 2009, relatou em telegrama vazado pelo WikiLeaks sobre o juiz. No telegrama (datado de 30 de outubro de 2009), ela expõe que Moro se envolveu como um dos instrutores principais de uma conferência/curso promovido pelo Departamento de Estado dos EUA no Rio de Janeiro (a conferência foi uma das ações do chamado “Projeto PONTES”). Kubiske relata que um dos focos do curso foi promover técnicas de interrogatório e delação premiada, deixando claro que um dos principais objetivos era naturalizar o conceito de que a luta contra a corrupção deveria ser encarada como “guerra ao terrorismo”.

Documento sensível – íntegra do telegrama vazado pelo WikiLeaks (em inglês):

https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html

A ideia de tratar operações financeiras ilícitas como “terrorismo” é calculadamente repetida no telegrama. Ali Kubiske começa resumindo o treinamento da seguinte forma:

“Os participantes [juízes e procuradores] elogiaram o fato de que o treinamento era multijurisdicional, prático e incluía demonstrações reais (por exemplo, como preparar uma testemunha para testemunhar e o exame direto de testemunhas). O treinamento futuro deve se basear em áreas como forças-tarefa contra crimes financeiros, que podem ser a melhor maneira de combater o terrorismo no Brasil.”

A atuação de Moro é assim relatada por Kubiske:

“O coordenador de contraterrorismo do Departamento de Estado [dos EUA], Shari Villarossa, abriu a conferência com uma nota endereçada à relação entre crimes financeiros e terrorismo. (…) Em seguida, a conferência prosseguiu com uma apresentação do (…) juiz federal brasileiro Sergio Moro que discutiu as 15 questões mais comuns vistas por ele em casos de lavagem de dinheiro em tribunais brasileiros. (…) Ao final (…) uma hora foi destinada a cada apresentador para responder perguntas adicionais ou deixar que os participantes levantassem tópicos relevantes. Essa parte do curso foi particularmente animada, resultando em discussões sobre uma miríade de tópicos assim como sugestões dos brasileiros de como trabalhar melhor com os Estados Unidos.”

(Uma pequena observação: após deixar a Embaixada dos EUA no Brasil, Lisa Kubiske se tornou Embaixadora dos EUA em Honduras, praticamente concomitantemente ao golpe contra o presidente Manuel Zelaya, época em que Hillary Clinton era Secretária de Estado do Governo Barack Obama.)

Documento no 3: Estados Unidos reativam a 4a Frota (2008)

Documento público da Marinha dos EUA (em inglês):

http://www.navy.mil/submit/display.asp?story_id=36606

 Isso por si só nada indica. No entanto, os diplomatas e autoridades brasileiras foram surpreendidos com a reativação, em 2008, da chamada “4a Frota”, que é um comando naval encarregado do Caribe, América Central e América do Sul. Anteriormente, o comando havia terminado suas operações em 1950. Em 24 de abril de 2008, o então chefe de Operações Navais (CNO), Almirante Gary Roughead, anunciou o restabelecimento da 4a Frota. Quase três meses depois, em 12 de julho de 2008, ela foi oficialmente restabelecida durante uma cerimônia na Estação Naval de Mayport, na Flórida.

Uma longa discussão sobre o assunto ocorreu no Senado brasileiro e em encontros do Mercosul durante aquele ano, em que o próprio Presidente Lula aponta o anúncio da Frota como uma ameaça à soberania nacional. Em particular, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, questionou o Embaixador americano sobre as reais intenções da Frota. Tudo isso é relatado pelo próprio Embaixador Clifford Sobel no seguinte telegrama confidencial endereçado à CIA (em inglês):

https://wikileaks.org/plusd/cables/08BRASILIA943_a.html

Diz Sobel explicitamente neste telegrama:

 “O presidente Lula sugeriu que a reativação [da 4a Frota] ocorreu devido às recentes descobertas brasileiras de petróleo no mar e afirmou que ele já havia instruído o chanceler Amorim a solicitar explicações da secretária Rice. (…) Em 03 de julho, o chanceler Amorim solicitou ao embaixador Sobel que se reunisse com ele para buscar esclarecimentos sobre a 4a Frota. Amorim disse que o presidente Lula pediu a ele que contatasse a secretária Rice, o que ele estava fazendo por intermédio do embaixador. Amorim ressaltou as preocupações do Brasil em relação à 4a Frota, examinando as sensibilidades do Brasil em relação às intrusões na soberania do país.”

Por mais que a 4a Frota possa não representar um perigo real, elencar sua reativação é importante elemento para entender o papel dos EUA no Golpe de 2016. Tanto porque o fato causou à época um certo frenesi diplomático entre Brasil e EUA (como visto no telegrama), quanto por cumprir o seu papel militar de intimidação pela força.

Documento no 4: José Serra se envolve em conversas sobre o pré-sal com a Chevron e outras petrolíferas internacionais (2009)

Telegrama confidencial vazado pelo WikiLeaks (em inglês):

https://wikileaks.org/plusd/cables/09RIODEJANEIRO369_a.html

Em 02 de dezembro de 2009, Dennis Hearne, do consulado americano no Rio de Janeiro, envia telegrama confidencial ao Secretário de Estado dos Estados Unidos. Hearne reporta que a executiva da Chevron responsável por relações governamentais, Patricia Pradal (também à frente do conselho do Instituto Brasileiro de Petróleo – IBP), estava extremamente preocupada com o anúncio sobre a lei de partilha do pré-sal, na qual a Petrobras entraria como majoritária na exploração do petróleo. Ao que parece, ela estava irritada com o PSDB por esperar que este partido fosse mais enérgico em se opor à aprovação da lei.

Hearne ainda descreve explicitamente a participação de José Serra, pré-candidato do PSDB à presidência da República, em conversas com a Chevron e outras petrolíferas estrangeiras, dando-lhes informações sobre a lei de partilha e sua provável queda futura. No telegrama, Hearne diz textualmente:

 “De acordo com Pradal, o provável candidato do PSDB à presidência em 2010, José Serra, se opôs à estrutura, mas parecia não ter senso de urgência sobre o assunto. Ela o citou dizendo aos representantes da indústria: ‘Deixa esses caras (do PT) fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta’.”

Documento no 5: Chevron pressiona “Econoff” para que Thomas Shannon seja nomeado novo embaixador dos EUA no Brasil (2009)

Telegrama vazado pelo WikiLeaks (em inglês):

https://wikileaks.org/plusd/cables/09RIODEJANEIRO369_a.html

Uma vez que a Chevron não se deu por satisfeita com a iniciativa pouco convincente do governador José Serra, Dennis Hearne, no telegrama de 02 de dezembro de 2009 relata que não só a executiva da Chevron (Patricia Pradal), como também a executiva da Exxon Mobil (Carla Lacerda) fariam pressão no Congresso Brasileiro. De forma geral fica relativamente claro que a indicação de um novo nome para a Embaixada dos EUA no Brasil parece algo muito positivo. Nesse sentido, Thomas Shannon acabara de ser escolhido Embaixador dos EUA no Brasil. Assim relata Hearne:

 “Lacerda, da Exxon, também afirmou que a indústria planejava fazer uma ofensiva homem a homem no Senado [brasileiro], e para não dar sorte ao azar, a Exxon agirá por conta própria para realizar esforços de lobby. Pradal enfatizou as expectativas do IBP e da Chevron de que o embaixador designado Shannon poderia ter um impacto significativo nesse debate, e perguntou ao Econoff em várias ocasiões quando se daria a confirmação no Congresso [dos EUA].”

“Econoff” é uma designação recorrente em telegramas diplomáticos confidenciais, termo que descreve a relação de altos executivos da indústria com oficiais do alto staff do governo americano ou elementos da indústria que tenham alto peso nas decisões econômicas e na política exterior dos EUA. O termo veio a público de forma reincidente a partir dos anos 2008-2009, quando o WikiLeaks começou a divulgar uma grande quantidade de telegramas comprometedores das Embaixadas dos EUA (o caso ficou conhecido como CableGate). “Econoff” aparece frequentemente em conversas sobre recursos energéticos de países em desenvolvimento (como Irã, Venezuela e Brasil). Logicamente, “Econoff” deve ser uma redução da palavra “Economy Office” (escritório de economia) ou correlato.

Documento no 6: Thomas Shannon assume a Embaixada dos EUA no Brasil (2010)

Telegrama confidencial do Embaixador Shannon relatando sua posse (em inglês):

https://wikileaks.org/plusd/cables/10BRASILIA43_a.html

No documento, datado de 09 de fevereiro de 2010 e endereçado à Secretária de Estado Hillary Clinton, Shannon expressa que apresentou suas credenciais a Lula em 04 de fevereiro de 2010.

Thomas Shannon aparece em vários documentos do WikiLeaks. Nada indica, por exemplo, que tenha sido nem artífice e nem participante decisivo do Golpe de 2016. Entretanto, sua trajetória sui generis causa certa estranheza: entre 2005 e 2009 ele fez parte do alto staff do Departamento de Estado dos EUA (como Secretário Assistente) sob o governo Bush; após se licenciar, assumiu a Embaixada no Brasil entre fevereiro de 2010 e setembro de 2013 sob o governo Obama; logo depois voltou para os EUA para se tornar Conselheiro do Departamento de Estado (de outubro de 2013 a dezembro de 2016) sob Obama; e depois atuou em 2017 como Secretário de Estado já no governo Trump.

Pois bem, em 2009 Hillary Clinton assumiu como Secretária de Estado e enviou Shannon ao Brasil. A estranheza vem do fato de Obama e Hillary escolherem a dedo o seu Embaixador no Brasil dentre os componentes de alto staff do Departamento de Estado. Sem contar a já relatada pressão das petrolíferas sobre o assunto. Shannon voltou aos EUA no final de 2013 com assento garantido no Departamento de Estado como conselheiro especial.

Foi durante o seu ofício de Embaixador dos EUA no Brasil que estourou por exemplo o caso das escutas telefônicas reveladas por Edward Snowden. Em junho de 2013 (na mesma época em que ocorreram as famosas Marchas de Junho), Snowden entregou ao jornal britânico The Guardian documentos secretos da National Security Agency (NSA) que mostravam que o gabinete de Dilma Rousseff estava grampeado e que a Petrobras estava sendo vigiada (maiores detalhes sobre isso serão discutidos na Parte 3 do presente artigo).

Thomas Shannon, em sua trajetória diplomática, sempre aparece como uma figura carismática e apagador de incêndios. Por exemplo, antes de assumir a Embaixada dos EUA no Brasil, Shannon foi Secretário de Estado Assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidental. Nessa época, se tornou relativamente bem visto pelos presidentes dos países da América do Sul. Aparece em visitas constantes ao Brasil, Bolívia e Venezuela, tendo boa interlocução com Lula, Morales e Chavez. Por outro lado, como já relatado, as corporações do petróleo queriam Shannon como embaixador no Brasil por acreditar que o mesmo poderia influir decisivamente na lei de partilha do pré-sal em favor das empresas americanas.

Documento no 7: Temer, Fortes, Jobim e Jucá, informantes dos Estados Unidos (2006-2010)

Os trechos dos telegramas confidenciais abaixo, enviados por diplomatas ou embaixadores dos Estados Unidos, falam por si mesmos.

Michel Temer:

Telegrama 1 de conteúdo sensível vazado pelo WikiLeaks, datado de 11/01/2006:

https://wikileaks.org/plusd/cables/06SAOPAULO30_a.html

Telegrama 2 de conteúdo sensível vazado pelo WikiLeaks, datado de 21/06/2006:

https://wikileaks.org/plusd/cables/06SAOPAULO689_a.html

Nos dois casos acima, Michel Temer, à época deputado federal e presidente do PMDB, relata informações privilegiadas sobre o contexto político do Brasil ao Cônsul Geral dos EUA em São Paulo, Christopher McMullen. No telegrama de junho de 2006, endereçado à Secretária de Estado, Condoleezza Rice, é dito textualmente por McMullen que:

“Ele [Michel Temer] confirmou que seu próprio partido não terá candidato a presidente e não se aliará ao Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula ou ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), pelo menos não antes do segundo turno. No entanto, o PMDB vencerá as eleições para governador em pelo menos dez e possivelmente em até quinze estados, e terá novamente o maior bloco no Senado e na Câmara dos Deputados, de modo que [diz Temer] ‘quem ganhar a eleição presidencial terá que vir até nós para fazer qualquer coisa’.”

É bem conhecido de todos que Michel Temer, como cacique do PMDB, tinha relações estreitas com o Deputado Eduardo Cunha, Presidente da Câmara entre 2015 e 2016. Quando Dilma Rousseff assumiu o seu segundo mandato frente à presidência em 2015, Michel Temer era o seu vice, Eduardo Cunha paralisou as atividades do congresso e colocou em pauta, no fim daquele mesmo ano, o impeachment de Dilma baseado nas duvidosas “pedaladas fiscais”. Uma vez consolidado o impeachment em 2016, Michel Temer assume a presidência do Brasil.

O próprio marketeiro pessoal de Michel Temer, Elsinho Mouco, revelou, em 2017, em entrevista ao Estadão, que dinheiro de doação da JBS (via Joesley Batista) foi usado por Michel Temer para derrubar Dilma Rousseff. Na entrevista, Elsinho diz que

“no auge do movimento ‘Fora Dilma’, Joesley se ofereceu para pagar por um serviço de monitoramento de redes sociais que nortearia a estratégia do PMDB de blindagem a Temer. Na ocasião, foi incisivo: ‘Vamos derrubar essa mulher’.”

A entrevista completa encontra-se aqui:

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,publicitario-liga-joesley-a-impeachment,70001825160

Heráclito Fortes, Nelson Jobim e o G-8 do impeachment:

Documento: Telegrama confidencial enviado à Secretária de Estado vazado pelo WikiLeaks:

https://wikileaks.org/plusd/cables/08BRASILIA523_a.html

Entre 2007 e 2008, o senador Heráclito Fortes aparece frequentemente em telegramas confidenciais dando informações à Embaixada dos EUA em Brasília. Por exemplo, em telegrama confidencial datado de 18 de abril de 2008, endereçado à Secretária de Estado, Condoleezza Rice, o Embaixador Clifford Sobel relata uma conversa com Fortes sobre possíveis forças terroristas de esquerda no Brasil:

“O presidente do Comitê de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Heraclito Fortes (estritamente protegido) (Partido Democratas, oposição; do Piauí) disse ao embaixador Sobel em 28 de março que ele está profundamente preocupado com os sinais de terroristas no Brasil. (…) Fortes faz parte de um número modesto de legisladores que estão prestando atenção ao que consideram ameaças emergentes à segurança brasileira.”

Note que Sobel frisa que o nome “Heraclito Fortes” deve ser “estritamente protegido”.

Outro nome que surge em muitos documentos é o de Nelson Jobim. Jobim foi Ministro da Defesa tanto no governo Lula (2007-2010) quanto no primeiro governo Dilma (2011). Neste último caso, são bem conhecidos os atritos entre Jobim e Dilma que levaram à sua demissão do cargo.

Na verdade, a carreira pregressa de Jobim, sempre filiado ao PMDB, é extensa. Atuou como Ministro da Justiça de FHC, foi indicado ao STF e ali se aposentou como Presidente em 2006.

A partir de 2007, como Ministro da Defesa, Jobim surge como um personagem-chave. O Embaixador Clifford Sobel (no Brasil entre 2006 e 2009) constantemente relata em seus telegramas que, durante o governo Lula, o Itamaraty estava infestado de diplomatas nacionalistas que não facilitavam os interesses norte-americanos. Sobel viu, no entanto, em Jobim uma janela. Fica claro nos documentos que Jobim se esforça em defender os interesses militares do Brasil. O telegrama é confidencial e datado de 31 de março de 2008:

https://wikileaks.org/plusd/cables/08BRASILIA429_a.html

Um telegrama enviado pela diplomata encarregada da Embaixada, Lisa Kubiske, à Secretária Hillary Clinton é o que tem um conteúdo mais revelador, em que Jobim revela os planos do Ministério da Defesa sobre a fronteira brasileira com a Colômbia e a Venezuela. Abaixo vai um trecho:

 “Falando sobre questões de segurança regional, Jobim reconheceu que há a presença das FARC na Venezuela e sugeriu a construção da confiança Colômbia-Equador ao longo de suas fronteiras e um possível acordo de monitoramento de fronteira para combater o fluxo de drogas entre a Colômbia e o Brasil. (…) A declaração pública do assessor presidencial de política externa, Marco Aurelio Garcia, apenas dois dias depois, para monitorar as atividades de fronteira como forma de reduzir as tensões entre a Colômbia e a Venezuela, mostra a influência de Jobim.”

O telegrama completo encontra-se aqui:

https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1315_a.html

Os telegramas acima expostos servem como pano de fundo internacional para as manobras internas construídas por Heráclito Fortes para derrubar Dilma Rousseff em 2016. Heráclito deu uma entrevista ao Estadão em 16 de abril de 2016, revelando que durante um ano promoveu jantares em sua casa, com o intuito de planejar o impeachment de Dilma Rousseff.

Nos jantares, Nelson Jobim ofereceu uma espécie de curso sobre impeachment, revelando quais as melhores estratégias para alcançar a retirada de Dilma. Fortes falou ao Estadão que os jantares estavam sempre cheios, com a presença frequente do senador José Serra. A lista de participantes do jantar coincide com a lista de políticos nomeados por Michel Temer para compor o seu Ministério.

A entrevista completa de Heráclito Fortes ao Estadão encontra-se aqui:

http://politica…com.br/noticias/geral,g-8-do-impeachment-teve-reunioes-durante-um-ano,10000026435

Romero Jucá

Documento: Telegrama confidencial vazado pelo Wikileaks:

https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1127_a.html

O telegrama acima revela que Romero Jucá foi outro elemento-chave que manteve constante contato com a Embaixada dos EUA. O telegrama confidencial, enviado por Kubiske à Secretária Hillary Clinton em 10 de setembro de 2009, revela os planos de Jucá e do PMDB em relação às eleições de 2010. Eis aqui um trecho:

 “O senador Juca, respondendo pelo PMDB, disse que o PT e o PMDB vão cooperar em nível nacional com Dilma, mesmo que os acordos não sejam alcançados em nível estadual. Ele passou cinco minutos reclamando da fraqueza de Dilma como candidata. O senador Juca admitiu com mais franqueza que seu partido estava dividido entre a lealdade a Dilma, a Serra e a seu favorito pessoal, Aécio Neves do PSDB, que ele gostaria de atrair para o PMDB como candidato à presidência.”

Nunca é demais relembrar que Romero Jucá foi um dos grandes “profetas” do impeachment. Sua conversa vazada com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, se tornou praticamente um hit do golpismo à brasileira:

MACHADO – Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].

JUCÁ – Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. ‘Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

MACHADO – É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

JUCÁ – Com o Supremo, com tudo.

MACHADO – Com tudo, aí parava tudo.

JUCÁ – É. Delimitava onde está, pront

Carlos H. Coimbra-Araújo é professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná na área de física e aproveitamento de energia. Autor, entre outros, do artigo “Energy-Environmental Implications Of Shale Gas Exploration In Paraná Hydrological Basin, Brazil” (Renewable and Sustainable Energy Reviews), publicado pela Editora Elsevier.

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