Por Martha Andrés Román
Washington, (Prensa Latina) Os incidentes de saúde reportados por diplomatas estadunidenses em Cuba geram teorias acreditáveis ou disparatadas, mas, em uma coisa coincidem muitas fontes: o tema ficou como anel no dedo para quem rejeita a aproximação bilateral.
Desde que em agosto passado se difundiu na mídia norte-americana a notícia que com o tempo ganhou cores até de ficção científica, o governo do país caribenho reiterou seu apelo a Washington para não politizar o assunto.
Tamanhas petições foram ignoradas. No fim de setembro o Departamento de Estado decidiu retirar mais da metade do pessoal de sua embaixada em Havana, deteve a emissão de vistos na ilha, lançou uma advertência de viagens aos norte-americanos, e ordenou a saída de 15 diplomatas cubanos desta capital.
Esses passos, conforme justificou a administração de Donald Trump, procuram garantir a segurança dos estadunidenses e respondem também à falta de ações por parte de Cuba para proteger aos funcionários, face às reiteradas garantias de Havana de que cumpre rigorosamente com a Convenção de Viena.
O chefe de gabinete do mandatário, John Kelly, ontem ao falar sobre esta questão na Casa Branca, limitou-se a dizer que Cuba pôde ter impedido os incidentes que Washington qualifica como ‘ataques’, embora reconhece que as pesquisas não tiveram concludentes resultados.
Após dois meses de este assunto começar a ocupar manchetes, há muitas coisas que continuam desconhecidas, como quais são as 22 pessoas afetadas conforme o Departamento de Estado ou o que pôde ter provocado os sintomas de saúde que se reportam.
Inúmeros meios norte-americanos continuam abordando o tema desde a narrativa de que na nação caribenha ocorreram ataques acústicos contra os membros do serviço exterior norte-americano, e aceitam o termo embora a ciência sugerir o contrário.
Em dias passados a Agência Associated Press difundiu um áudio que supostamente tinha sido gravado por alguns dos empregados da embaixada americana em Havana, sobre o qual disse que não está esclarecido se tiver uma relação direta com os danos aduzidos.
Diversos peritos na matéria assinalam que não se sabe da existência de um dispositivo sônico capaz de provocar os padecimentos descritos pela entidade federal – como perda auditiva, enjôos, dor de cabeça, fadiga-, e questionam uma e outra vez o emprego midiático do conceito de ataques acústicos.
O jornal britânico ‘The Guardian’, por sua vez, referiu a neurologistas que consideram que a avalanche de misteriosas doenças poderia ter sido causada por uma forma de ‘histeria maciça’.
Embora os peritos advertissem que não é possível um diagnóstico adequado sem muita mais informação e acesso às 22 vítimas mencionadas pelo Departamento de Estado, estimaram que devesse se considerar a possibilidade de um transtorno funcional devido a um problema no funcionamento do sistema nervoso.
‘Desde um ponto de vista objetivo, é mais como uma histeria maciça que outra coisa qualquer’, manifestou à publicação, Mark Hallett diretor da seção de controle do motor humano do Instituto Nacional de Transtornos Neurológicos e Acidentes Cerebrovasculares dos Estados Unidos.
A ‘histeria maciça’ é o termo popular para os brotos entre grupos de pessoas que são parcial ou totalmente psicossomáticos. ‘É importante assinalar que os sintomas como este não são voluntários. Não são sinal de fraqueza na personalidade de um indivíduo’, manifestou o especialista.
Há um grande número de pessoas com queixas relativamente fracas, houve uma exploração de possíveis causas para isto e não se encontrou nada, e a noção de algum feixe sonoro é relativamente absurda, acrescentou.
Conforme ‘The Guardian’, quando pesquisou sobre a possibilidade de transtornos funcionais, um porta-voz do Departamento de Estado lhe reiterou que não têm respostas definitivas sobre a causa ou a fonte dos ‘ataques’, sobre os quais dizem manter uma pesquisa agressiva.
Entre tantos aspectos ainda ignorados, o que sim se conhece é que o governo norte-americano se aproveitou do acontecido para promover uma reversão a cada vez mais evidente do processo de normalização das relações entre ambos os países.
Não sabemos quem, como ou o quê, mas este giro dos acontecimentos foi aproveitado pelo senador Marco Rubio e o presidente Trump, manifestou para Prensa Latina, Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação sobre Cuba no Arquivo de Segurança Nacional da Universidade ‘George Washington’.
O pesquisador, um dos autores do livro ‘Diplomacia encubierta con Cuba: historia de las negociaciones secretas entre Washington y La Habana’ (Diplomacia encoberta com Cuba: história das negociações secretas entre Washington e Havana), considerou que a questão serve a ambas as figuras para sua agenda de recuar a reconciliação iniciada sob o ex-presidente Barack Obama.
De igual jeito opinam os professores Lisa Diedrich e Benjamin Tausig, da Universidade Estatal de Nova York no Stony Brook, considerando que a resposta de Washington é apenas o último exemplo da forma em que Trump tratou que aproveitar ameaças para inspirar medo e avançar na sua agenda.
Em um artigo publicado em ‘The New York Times’ intitulado ‘Sons misteriosos e doenças aterradoras como ferramentas políticas de Trump para Cuba, recordam que o presidente republicano assinalou durante muito tempo seu desejo de reverter o processo de normalização bilateral.
Por isso, assinalaram, não é raro que sua administração tenha começado a fazer isso com a retirada de mais da metade dos empregados da Embaixada dos Estados Unidos em Havana.
Segundo Diedrich e Tausig afirmam, não só se desconhece a causa dos incidentes (se houver), mas também não se ofereceu evidência de um ataque deliberado.
‘Trump como candidato e presidente explorou mais uma vez temores de ameaças ocultas vagamente definidas como uma justificação para a política’ advertiram.