Esquecer é um erro, apagar a memória é um erro ainda maior. Todos sofreremos com isso. Mas não podemos condenar esta Europa por tomar uma decisão, que está em profunda consonância com o seu íntimo ser. Um perfeito vazio de ideias, valores, de existência. Tal como a celebração escolhida, esta Europa representa a mais superficial das superficialidades.
Daí que a mudança, pela autocracia de Bruxelas, do 8 de maio “Dia da Vitória” para “Dia da Europa” coincida, precisamente, com um período histórico em que nada há a celebrar relativamente à Europa. Muito pelo contrário. Se o Dia da Vitória celebra, de alguma forma, as forças do bem sobre o mal… não me ocorre nada de bom que justifique celebração nos tempos que correm. Daí que a mudança faça todo o sentido! Constitui um retrato trágico da nossa existência atual.
A mudança de nome é tão acertada que corre o risco de simbolizar, em si, toda a desgraça por que estamos a passar, em especial, no que se designa por ocidente coletivo. Afinal, tudo o que significa a Europa de hoje, conspurca inexoravelmente toda a carga simbólica e ideológica representadas no Dia da Vitória. Nem por mais um dia, esta Europa, poderia celebrar o dia da Vitória. Não seria acertado. Para nossa imensa desgraça e tragédia, nada do que se tornou o ocidente coletivo se encontra representado no dia da Vitória.
O Dia da Vitória representa, primeiro que tudo, a luta contra o nazi-fascismo. Uma luta que os apoiantes, financiadores e instigadores, mais ou menos ocultos, do nazismo e do fascismo pressupunham não ser possível de ser ganha, em especial pela URSS. A URSS tratava-se do país, que por excelência, não poderia viver lado a lado com a ameaça fascista. Daí a URSS constituir o tão desejado prémio da ofensiva nazi-fascista. Como prova a história ocidental, principalmente nas colónias, praticar o fascismo e a tirania não era algo com que o bloco imperialista anglo-saxónico, francês, português, belga ou espanhol, não pudesse conviver. Perguntem aos povos colonizados como foram – e são – tão “bem” tratados pelas potências ocidentais e eles dir-vos-ão o que significa o “Dia da Europa”.
Ora, a esta luz, e descontando a hipocrisia do pseudo antifascismo caviar, poderá a Europa atual rever-se numa vitória antifascista? Jamais. Como disse Marx, “a história repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa”. Edmund Burke disse também que “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. Se não honrar o Dia da Vitória, deturpar a sua memória e significado profundos, implica o esquecimento da história, o apoio da UE ao regime brutal de Zelensky representa a farsa – a tragédia foi nos anos 30 – e a repetição da história.
A verdade é que, muitos anos de CIA nos manuais escolares ucranianos, produziram o esquecimento propício ao erro, tornando possível o nascimento e tomada do poder (golpe de Maidan) pela força, por parte de uma oligarquia profundamente reacionária, que tiraniza, em nome da ideologia neonazista de Bandera, um povo que havia votado para a paz e desde sempre se manifestou, nas sondagens de opinião, em oposição à adesão à OTAN. Uma UE que apoia um regime brutal que ilegalizou mais de uma dezena de partidos do centro e da esquerda; que persegue a religião e pratica o terrorismo sobre a sua população e sobre as populações dos outros países que se lhe opõem (não, não é só na Rússia) … Uma UE que apoia uma bárbara e corrupta oligarquia, como sendo “democracia”, não pode, não deve e não deveria permitir-se a celebrar o Dia da Vitória.
Mas o Dia da Vitória também representa a vitória sobre o imperialismo nazi-fascista. Como poderia a UE, totalmente submetida a Washington, apoiante da teoria da “contenção da China” apenas por razões relacionadas com a manutenção de uma profundamente injusta hegemonia mundial… Uma UE seguidora das sanções unilaterais que visam punir os povos pelas suas escolhas soberanas e praticante do confisco de bens de estados que se defendem da pilhagem… Como poderia, neste quadro de apoio ao bloco imperialista anglo-saxónico, a UE celebrar um dia que nasceu da luta anti-imperialista, que celebra a libertação dos povos, não apenas europeus, mas do mundo inteiro?
O Dia da vitória significa também a vitória da igualdade e amizade entre os povos, quer os libertados, os aprisionados e massacrados, quer os ameaçados, sem distinção de credos, etnias ou ideologias. A própria noção de aliados representa a ultrapassagem das diferenças entre ideologias (capitalista e socialista) em nome de um bem comum. Será que a UE representa isto? A UE de hoje assume um discurso absolutamente xenófobo contra o povo russo, não apenas perseguindo a sua cultura, cerceando as suas propriedades, mas também classificando de forma pejorativa tudo o que o que representa o mundo russo. Incluindo a história gloriosa deste povo face ao nazi-fascismo. O comportamento da UE nada difere do que faria um regime fascista em relação a um qualquer povo que considerasse menor e susceptível de invasão. Mais uma razão para a UE se afastar do dia da Vitória.
Afinal a mesma UE que diaboliza o povo russo por querer defender os seus irmãos do Donbass e Crimeia, é a mesma UE que celebra a criação do estado de Israel, calando a ocupação bárbara e genocida do povo palestino. A UE que tenta – sem conseguir – isolar a Rússia e Bielorússia, é a mesma que integra Israel nos seus interesses econômicos, a mesma que tão bem conviveu com as invasões do Iraque e do Afeganistão, ou com a destruição da Iugoslávia e o ataque à Sérvia. A UE que defende a inviolável e incondicional “integridade territorial da Ucrânia”, é a mesma que convive, de forma efusiva, com a secessão autocrática do Kosovo ou com a ocupação da Síria pelos EUA. Esta foi a UE que ajudou a destruir a Líbia, a Síria e mantém amordaçados, ao dólar e às sanções dos EUA, cerca de cinco dezenas de países pobres. Esta UE não tem qualquer motivo para celebrar o dia da Vitória.
O dia da Vitória significa também o esforço, tantas vezes doloroso, pela paz. O julgamento do nazismo, não foi um julgamento do povo alemão. Hoje a UE julga o povo russo como um todo, punindo-o pelas suas escolhas, pela defesa do que considera ser certo. Hoje, a UE, incapaz de uma visão construtiva, conciliadora, diplomática, incentiva a guerra, a derrota total do inimigo, nem que isso represente a aniquilação total do povo ucraniano. No tempo que vivemos, a UE é incapaz de qualquer compromisso em nome do maior interesse de todos os povos: a paz. Nenhum povo quer guerra, nenhum povo a escolhe. Por isso mesmo, uma UE que responde aos interesses da oligarquia, autocrática e sem freio democrático algum, apenas pode distanciar-se da celebração do Dia da Vitória.
Por fim, o dia da Vitória representa também a oportunidade de um mundo novo, de um mundo melhor, de uma vida melhor. Será que é isso que nos promete a UE, hoje? Se do ponto de vista democrático, os estados membro foram extirpados de qualquer soberania que possa representar e materializar a escolha livre dos seus povos, do ponto de vista econômico esta autocracia europeia representa a sublimação da ignorância, do preconceito, da charlatanice e da hipocrisia.
Esta é a UE que desvia cerca 2 bilhões de euros destinados à construção de estradas nos países mais pobres da UE, para a compra de munições para a matança. É também a mesma que comprou milhões de vacinas sem sequer dar a conhecer os seus contratos, é a mesma que, acusando outros de autoritarismo, obriga os estados membros a apertados procedimentos de contratação pública.
Esta UE vende-nos a inevitabilidade da austeridade, impondo e uniformizando o neoliberalismo em todos os estados que a compõem. Não nos prometem nenhum mundo melhor, apenas a pior versão do que já temos hoje. No discurso europeu quotidiano, em vez de esperança, apenas se transmite o medo, o ódio, a ameaça, numa lógica esquizofrénica de quem vê inimigos em toda a parte.
Se Kennedy, no desejo genuíno de paz reconhecia que “nunca nenhum país pagou um preço tão alto pela guerra como a URSS”, a classe política aristocrata formada na escola neoliberal que é a Ivy League, apenas quer apagar essa parte da história e privar os jovens da memória história de que necessitam para nunca mais cometerem o mesmo erro.
Se a experiência histórica nos permite, enquanto povos, evoluir, o que a UE faz hoje é negar essa possibilidade de evolução, tudo em nome da mesquinhez, arruaça, ignorância e intolerância. Esta UE nega às novas gerações um futuro melhor… Tal como o fascismo escondia a verdade, tentando manter os povos na ignorância e assim submetidos a uma repetida e redutora existência, a UE fecha-nos no seu quintal reacionário, devidamente guardados pelas agências de “inteligência”, criando a ideia de que o que nos oferece é único e valioso.
Não, esta UE não é minimamente digna de celebrar o dia da vitória. Este apenas pode ser celebrado de cabeça arejada, coração e braços abertos. Uma Europa de costas voltadas para o mundo, zangada por este não lhe obedecer como o fez nos últimos 500 anos, não lhe resta, senão, celebrar o Dia da Europa.
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