29.5 C
Brasília
sexta-feira, 6 dezembro, 2024

DEZ LIÇÕES PARA SUBVERTER A DEMOCRACIA, POR SERGIO MORO

O “método Sérgio Moro” coloca em xeque as conquistas democráticas em um país ainda assombrado pela memória do regime de exceção da Ditadura Militar.

O método Sérgio Moro.

Deflagrada há dois anos, a Operação Lava Jato tem desrespeitado, sistematicamente, a Constitução de 88. Apenas os militares, na Ditadura, com o AI nº 5, tiveram poder para desrespeitar, de forma tão escancarada, o texto da Carta Magna.

Para os defensores do juiz Sérgio Moro, a justificativa obedece ao clássico raciocínio autoritário de que “os fins justificam os meios”, um jargão atribuído pelo PIG (Partido da Imprensa Golpista) como sendo uma prática utilizada pela esquerda mundial. No entanto, ela vem sendo praticada pela Justiça Federal do Paraná, com apoio incondicional do condomínio golpista.

Para os defensores da legalidade, os métodos do juiz Sérgio Moro colocam em xeque as conquistas democráticas em um país ainda assombrado pela memória do regime de exceção da Ditadura, e contribuem de forma decisiva para o golpe em curso contra o governo da presidenta Dilma Rousseff.

Confira aqui a lista das principais subversões do Juiz Sérgio Moro:

1 – Delações premiadas no atacado

A delação premiada é um instrumento novo no arcabouço jurídico brasileiro, jamais usado com a intensidade vista na Lava Jato. Juristas das mais diversas áreas e tendências ideológicas são praticamente unânimes em afirmar que o instrumento não pode ser usado no atacado, sob pena de subverter as garantias constitucionais, suprimindo-as.

A delação premiada não tem finalidade de punição simplesmente, mas de buscar a correção de atos ilegais. Mas, a forma como ela vem sendo utilizada demonstra a única intenção de punir. Em outubro do ano passado, durante seminário da OAB, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião Reis, resumiu o problema:

“A delação está sendo banalizada. Tem mais colaborador do que réus na Lava Jato”, afirmou. Para o magistrado, da forma com que vem sendo utilizado, o instrumento gera seletividade nas condenações. “O Estado está abrindo mão do direito de punir em troca da condenação de três, quatro pessoas”, denunciou.

Pesquisa da Consultor Jurídico mostrou que todas as 23 delações firmadas por Moro até aquela data violavam a Constituição e/ou as leis penais. Em vários depoimentos forçados, chamados de acordos de delação, os “delatores” ficam impedidos de recorrer das sentenças condenatórias, que lhes forem impostas.

Essa verdadeira subversão constitucional ocorre pela exigência de renúncia de direitos indisponíveis, como o amplo direito de defesa.

É preciso esclarecer que mesmo um delator, posteriormente condenado, poderá entender que o que lhe foi concedido como “benefício” viola o princípio da proporcionalidade: ou se delata e se prova de imediato os atos e agentes ilegais, ou o delator aponta os atos como indícios, mas a prova precisará ser buscada em investigação.

Neste caso, quem demonstrou cabalmente as provas deveria receber um benefício maior do que quem apenas apontou os indícios. Caberia, portanto, discutir a sentença a partir do princípio da proporcionalidade. O Tribunal, por exemplo, poderia ampliar os benefícios.

As delações, tal como os depoimentos colhidos no período da ditadura, vedam completamente aos réus a possibilidade de impetração de habeas corpus, além de todo e qualquer recurso contra a senteça. %u228Há, inclusive, denúncias de que as delações estejam sendo utilizadas como instrumento para que réus mantidos encarcerados, algumas vezes em situações precárias, possam ter acesso à liberdade, por prazos até aqui indefinidos.

No entendimento de um membro do MP, que bem ilustra a subversão da garantia constitucional da dignidade humana e presunção da inocência que assola a Lava Jato, “passarinho para cantar precisa estar preso”. Estranhamente, são postos em liberdade “condicional” colaboradores que fazem a delação premiada. É evidente que a prisão preventiva não é preventiva, mas uma prisão para delação.

2 – Prender para delatar

O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600 mil encarcerados, dos quais cerca de 25% ainda não foram sequer a julgamento. Entre eles, estão as vítimas da prisão preventiva, que a midiática Lava Jato teima em banalizar para dar aos “midiotas” a falsa sensação de que “algo muito profundo está mudando no país da corrupção”. Os juristas alegam que a prisão preventiva deveria ser a exceção. Não a regra. “Ninguém será preso antes do trânsito em julgado”. E que seu uso indiscriminado cobrará um alto preço da democracia.

No dia 11/3, um grupo de mais de 200 promotores e procuradores publicaram um manifesto criticando o excesso de prisões preventivas, requisitadas pelo Ministério Público e concedidas pelo judiciário. No documento, eles afirmam que “a banalização da prisão preventiva – aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito”. As manifestações contra a prática têm sido recorrentes entre juristas e operadores do Direito ainda não contaminados pela “Doutrina Moro”.

No artigo “Prende e solta”, publicado na Folha em 9/3/2015, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello já alertava para o problema. “A prisão preventiva talvez amenize consciências ante a morosidade da Justiça, dando-se uma esperança vã aos cidadãos, como se fosse panaceia perante esse mal maior que é a impunidade. A exceção virou regra, implementando-se, com automaticidade e, portanto, à margem da regência legal, esse ato de constrição maior que é a prisão. (…) Justiça não é sinônimo de justiçamento. A sociedade não convive com o atropelo a normas reinantes”, alertou o ministro.

As críticas também se devem ao fato de que a ânsia de Moro por prender e punir só atinge um lado do espectro ideológico. Enquanto a cunhada do ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, foi presa por engano ao ser confundida com outra pessoa em uma imagem de câmera de uma agência bancária, a mulher e a filha do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, continuam livres, leves e soltas, apesar de existirem provas eloquentes de que possuem contas clandestinas no exterior.

3 – Conduções coercitivas?

No dia 4/3, o país quase entrou em convulsão social depois que Moro determinou a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Lava Jato, no episódio que chegou a ser classificado por juristas como “sequestro”.

Não foi a primeira vez que o juiz se valeu do expediente, tão pouco a última. A cada nova fase da operação, os mandatos de condução coercitiva saem em dezenas da caneta de Moro, mesmo sem a intimação prévia do investigado, em clara violação da lei. Cento e tantas pessoas já foram submetidas à condução coercitiva, apesar de terem colaborado com as investigações.

O sequestro do ex-presidente Lula tem um peso simbólico especial. Maior líder político do Brasil, admirado e respeitado internacionalmente, ele jamais se negou a colaborar com a Lava Jato. Pelo contrário. Por três vezes, se apresentou voluntariamente à PF para prestar os esclarecimentos demandados por Moro.

Certamente, trata-se do único caso em que a condução coercitiva não foi determinada, pelo menos, com clareza. O juiz Moro não determinou expressamente que o ex-presidente fosse conduzido coercitivamente em direção a algum lugar.

Além disso, aeroporto é um lugar para se embarcar em um avião, não para prestar depoimento. Ainda mais em um espaço não atribuído à Polícia Federal, mas sob jurisdição da Força Aérea Brasileira, o que, aliás, provocou a intervenção do oficial comandante daquele posto, impedindo que o ex-presidente fosse embarcado num avião da PF que o aguardava ali para este fim, conforme denunciou, com exclusividade, a Carta Maior

O desrespeito ao ex-presidente e à legislação foi tão flagrante que até mesmo o ministro Marco Aurélio de Mello, que não mantém nenhum relacionamento ou simpatia por Lula, contestou Moro publicamente. “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado?”, questionou.

Professor da PUC-SP, o constitucionalista Pedro Serrano classificou a ação contra Lula como a maior ilegalidade já cometida em relação a um ex-presidente da República desde João Goulart. “Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva sem que tenha havido antes a convocação”, disse.

4 – Autorização e divulgação de grampo ilegal

No dia 16/3, o Brasil que assistiu ao Jornal Nacional ficou chocado com o teor da conversa telefônica mantida entre Lula e Dilma, na qual, segundo o maior telejornal da mídia golpista, os dois tramavam para manter o ex-presidente fora das grades da Lava Jato. A conversa, como quase tudo na vida, admitia várias outras interpretações possíveis, como deixou claro a presidenta Dilma Rousseff. Mas isso não interessava à narrativa criada por Moro e a mídia que o serve.

O mais preocupante, porém, é que era uma conversa privada envolvendo a principal mandatária da República que, por previsão constitucional e legal, não pode ter suas comunicações privadas violadas e divulgadas sem autorização do STF, até mesmo por razões de segurança nacional. Para agravar o quadro, tratava-se de grampo inconstitucional e ilegal: o próprio Moro havia mandado a PF suspendê-lo às 11h12 e a gravação fora feita às 13h32. Mas o juiz se fez de morto e com clara intenção de subverter a Constituição e a lei, divulgou a conversa para a mídia três horas depois, naquela já considerada a operação de escuta telefônica mais ágil e ilegal da história do país.

Os áudios que inundaram a mídia dali para frente deixaram claro que Lula não era o único alvo das escutas. Foram vazadas conversas pessoais e sem peso para as investigações de sua mulher, Marisa, com seu filho, Lulinha. Também foram grampeados celulares de pessoas que sequer são investigadas pela Lava Jato, como o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, no maior Big Brother jurídico de que se tem notícia no país.

5 – Violação do direito de defesa

São várias as formas com que a condução da Lava Jato viola o direito de defesa dos réus. A primeira a ser apontada pelos juristas, ainda no início da operação, está prevista em vários dos acordos de delação premiada já selados: por determinação do juiz Moro, os advogados de defesa ficam proibidos de ter acesso às transcrições dos depoimentos do delator, o que viola o princípio do contraditório e o direito à ampla defesa.

A mais recente e a que mais perplexidade causou foi a autorização do juiz para que a PF operasse escutas nos telefones do escritório de advogados que atendem o ex-presidente Lula. Todos os 25 advogados da equipe tiveram suas ligações grampeadas durante 30 dias, o que violou não apenas o direito ao sigilo do ex-presidente, como também dos demais 300 clientes do escritório. Em nota, o advogados denunciaram que a prática configura “um grave atentado às garantias constitucionais da inviolabilidade das comunicações telefônicas e da ampla defesa”.

6 – Carimbo de sigilo partidarizado

O mesmo Moro que divulgou a conversa privada da presidenta da república sem sequer pedir autorização ao STF, sob a alegação de que o conteúdo era de interesse público, colocou sob sigilo a chamada “Lista da Odebrechet”, o documento encontrado na última fase da operação que lista a relação de políticos que supostamente recebiam propina da empreiteira. A lista contém 200 nomes de políticos de 18 partidos. Lá estão os tucanos Aécio Neves e José Serra, assim como o peemedebista Eduardo Cunha. Não constam, porém, nem Lula e nem Dilma. Mas isso, claro, o juiz justiceiro cuidou de deixar sob sigilo. E o Jornal Nacional não mencionou.

7 – Vazamentos seletivos

Não se pode acusar Moro de responsabilidade pelos vazamentos seletivos de documentos da Lava Jato que, há dois anos, abastecem o noticiário com informações desfavoráveis a um campo político em detrimento do outro. Não há provas suficientes para isso. A não ser que se lance mão da Teoria do Domínio do Fato, que tanto sucesso tem feito nas acusações contra petistas.

Certo, nesta história, só mesmo o fato de que o juiz justiceiro nada fez para impedi-los, pelo menos enquanto eles desfavoreciam apenas ao governo federal e seu núcleo. A única vez em que ele falou em investigar o vazamento de informações referentes à Lava Jato foi quando suspeitou que Lula soube que a PF iria a sua casa com antecedência.

Parece que, quando os vazamentos se viraram contra o juiz justiceiro, Moro até se lembrou de que são ilegais.

8 – Atuação política escancarada

Moro tomou posição escancarada como força de oposição ao governo da presidenta Dilma quando, no dia 13/3, após as manifestações golpistas que tomaram conta do país, enviou um email à jornalista Cristiana Lobo, comentarista da Globo News, pedindo que as forças políticas do país “ouçam a voz das ruas”. “O juiz Sérgio Moro perdeu de vista os limites e responsabilidade da magistratura e se deixou influir pela publicidade”, avaliou o professor emérito da USP e jurista Dalmo Dallari.

Antes disso, o juiz já havia dado provas de sua atuação partidarizada. No dia 9/3, proferiu uma palestra sobre a Lava Jato para a Lide Consultoria, cujo coordenador nacional, João Dória, é pré-candidato pelo PSDB à Prefeitura de São Paulo. Ao apresentá-lo ao público, Dória convidou os presentes a aderirem aos protestos pelo impeachment de 13/3. No dia 18/3, quando as mesmas ruas foram tomadas por brasileiros que defendem a democracia, o juiz justiceiro não trocou correspondência com jornalistas da mídia golpista e não elogiou a manifestação democrática.

Governador do Maranhão, o advogado e jurista Flávio Dino, que se demitiu do cargo de juiz federal para abraçar a carreira política, criticou a atuação política de Moro durante encontro dos Juristas pela Legalidade e pela Democracia com a presidenta Dilma, em 22/3. “O poder judiciário não pode mandar carta convocando para passeata. Não cabe ao poder judiciário fazer esse tipo de coisa. (…) Não usem a toga para fazer política, porque isso acaba por destruir o poder judiciário”, cobrou.

9 – Discurso de ódio

Muitos os intelectuais brasileiros têm acusado Moro de adotar uma estratégia discursiva autoritária para justificar a forma com que vem conduzindo Operação Lava Jato, um dos principais pilares do golpe em curso no país. Amplificado pela mídia e pela oposição golpista, o discurso de ódio seletivo contra a corrupção de apenas um espectro ideológico tem suscitado a violência.

São inúmeros os casos de pessoas agredidas por usarem roupas vermelhas, a cor identificada com a esquerda. Inclusive, cinco mães com bebês de colo. Há relatos de patrões que demitiram ou ameaçaram de demissão trabalhadores petistas e até de uma médica que se negou a atender o filho de uma ex-vereadora do partido em Porto Alegre (RS).

Segundo Flávio Dino, o discurso do combate à corrupção do qual Moro se serve é adotado pela elite golpista brasileira desde os anos 1950 para esconder os verdadeiros problemas do país e respaldar as rupturas da ordem democrática. “O que se segue a isto é o que estamos assistindo: o crescimento dramático de posições de corte fascista em nosso país, representadas pela violência, por grupos inorgânicos sem líderes, em busca de um ‘duce’, um ‘füher’, um protetor. Ontem, as Forças Armadas. Hoje, a toga supostamente imparcial e democrática”, explicou.

10 – Redução das garantias individuais

Muitos juristas avaliam que a subversão incorporada por Moro à investigação criminal, à instrução processual e aos julgamentos da Lava Jato têm reduzido drasticamente as garantias individuais no país, o que preocupa os defensores da democracia.

Ao comentar as práticas da Lava Jato em debate no Senado, o juiz Rubens Casara, especialista em direito processual penal, alertou que tanto no fascismo clássico italiano quanto no nazismo alemão e no stalinismo soviético a presunção de inocência também foi relativizada.

Elmir Duclerc Ramalho Junior, promotor na Bahia e professor de direito processual penal, reforçou: “há uma tendência autoritária perigosa que lembra, sim, períodos autoritários da história da humanidade”.

Fonte: Carta Maior

ÚLTIMAS NOTÍCIAS