Ilustração: Guri
Manfredo de Oliveira
Difícil é negar que estamos vivenciando um processo de desconstrução dos direitos sociais proclamados pela constituição de 1988.
Como reage a população? Para além do caso de alguns movimentos sociais, há informação do que realmente acontece? Para muitos, isto é impossível porque um elemento fundamental nesta conjuntura é um “pacto de desinformação” para que não se possa perceber o que ocorre. Fala-se de “terrorismo ideológico”, condição necessária para garantir a hegemonia cultural de uma pequena minoria, menor de 1% da população, que somente assim pode receber a legitimação para configurar um mundo que assegure a efetivação de seus interesses econômicos.
Guilherme Delgado, economista do Ipea, chama atenção a dois eventos do ano passado que nos ajudam a compreender melhor esta situação. O primeiro foi uma reportagem publicada no jornal “O Estado de São Paulo” com o título: “Lava-Jato investiga 13 bancos por lavagem de dinheiro”. Esta reportagem é para ele um exemplo de informação jornalística honesta: parte-se do fato apresentado no que foi objetivamente apurado, ouvem-se objetivamente as partes acusadas no relatório etc. Os bancos preferiram não falar invocando sigilo bancário ou simplesmente declaram sua honestidade. Tudo isso foi enviado aos operadores da Lava-Jato. O jornal não voltou ao assunto e não houve qualquer repercussão na mídia. A Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz Sergio Moro não emitiram qualquer comentário sobre o assunto.
O outro evento é exatamente o oposto: apareceu quase todos os dias na mídia com enorme cobertura a repetição sistemática de suspeitas levantadas. Esta repetição com larga cobertura tinha objetivo claro: produzir na população uma espécie de “síndrome de suspeição”. Tratava-se das especulações a respeito de apartamento de Lula na praia e de um sítio em Atibaia. Aqui concorreram articuladamente Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário e uma certa mídia que assim abandonou o jornalismo veraz e fidedigno para assumir tácita ou
ostensivamente o papel de partido político em campanha eleitoral. Uma investigação factual séria é transformada em verdadeira orquestração de caça às bruxas.
Em primeiro lugar, esta situação contribui fortemente para baixar o nível intelectual do debate político. Mas certamente levanta a questão central da informação necessária para a efetivação de uma verdadeira democracia e o papel fundamental que a mídia exerce neste processo. Jessé Souza levanta a respeito desta situação perguntas muito pertinentes. Como é possível convencer a população de que os recursos e o trabalho suado dos 99% que não são endinheirados devem ir para o bolso do 1% mais rico? Como a elite do dinheiro consegue comprar o monopólio não só econômico, mas também cultural, social e político de modo a legitimar o assalto à riqueza coletiva? Como é possível transformar pessoas inteligentes em imbecis capazes de agir contra si mesmos sem perceber? Como tantos são iludidos por tão poucos? A compreensão dos mecanismos da sociedade é extremamente difícil e se faz necessário que se construa a impressão de que tudo é transparente e óbvio e que se construa uma legitimação aceitável.
*Manfredo Araújo de Oliveira é professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Fonte: O Povo
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