Juca Varella / Agência Brasil
Lula em discurso na avenida Paulista, em São Paulo, na sexta-feira 18
Protestos foram puxados por sindicatos e movimentos sociais, que se opõem ao impeachment, mas também contestam a política econômica de Dilma
por Rodrigo Martins e Miguel Martins — Carta Capital
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Em ato contra o impeachment de Dilma Rousseff na noite desta sexta-feira 18, diante de uma Avenida Paulista tomada por milhares de manifestantes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou a oposição de não aceitar o resultado das urnas em 2014 e de instilar o ódio na sociedade. “Democracia é acatar o voto da maioria”, destacou.
“Quando a presidenta Dilma ganhou, eles [da oposição], que se dizem pessoas evoluídas e estudadas, não aceitaram o resultado e faz um ano e três meses que estão atrapalhando a presidenta”, afirmou Lula, recém-nomeado ministro da Casa Civil. “Eu acho muito engraçado que essa semana inteira alguns setores ficaram dizendo que nós somos os violentos. E tem gente que prega a violência contra nós 24 horas por dia.”
Lula relembrou as ocasiões em que disputou eleições e saiu derrotado. “Em nenhum momento eu fui pra rua protestar contra quem ganhou”, diz. Apesar do áspero tom do discurso, embalado pelos gritos de “não vai ter golpe” da multidão, o ex-presidente enfatizou várias vezes ser preciso respeitar as divergências políticas.
“Esse País tem que ter uma sociedade harmônica. Democracia é a convivência da diversidade. Eu quero que a gente aprenda a conviver de forma civilizada com as nossas diferenças.”
“Eu virei outra vez ‘Lulinha paz e amor’. Não vou lá para brigar, vou lá (no ministério da Casa Civil) para ajudar a companheira Dilma a fazer as coisas que ela precisa fazer por esse País”.
Ao término do discurso de cerca de 30 minutos, centenas de manifestantes se voltaram para a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que apoia os protestos pró-impeachment, ao berros: “Golpistas! Golpistas!”. Cinegrafistas de emissoras de tevê estavam posicionados na marquise do prédio, e também foram alvos de vaias, sobretudo os da Rede Globo.
O protesto em “defesa da democracia” e “contra o golpe” reuniu mais de 300 mil pessoas na região da Paulista, segundo o cálculo dos organizadores. A Polícia Militar ainda não divulgou uma estimativa. O Instituto DataFolha fala em 95 mil manifestantes. Os atos em defesa do governo se multiplicaram em todos os Estados e no Distrito Federal.
Antes de confirmar presença na manifestação da Paulista, Lula consultou petistas e líderes de movimentos sociais. Havia o temor de confrontos, caso os grupos a favor e contra o governo viessem a se encontrar. O ex-presidente cedeu, porém, ao argumento de que o ato seria decisivo para fazer um contraponto à mobilização pró-impeachment.
Pela manhã, a Polícia Militar dispersou, com bombas de gás e jatos d’ água, um grupo favorável ao impeachment de Dilma que permanecia acampado em frente à sede da Fiesp, a menos de um quarteirão do Masp, onde estava montado o palanque principal do ato pró-governo.
Reação à ofensiva conservadora
O ato foi convocado pela Frente Brasil Popular, que reúne mais de 60 organizações sindicais, movimentos sociais e entidades estudantis, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).
“Este é um ato de todas as entidades brasileiras, de homens e mulheres que defendem a democracia, que defendem o direito de expressão, as liberdades individuais. Que não defendem o ódio, que não constroem o ódio na sociedade. Não é um ato de única classe social e não é um ato de uma única etnia. É um ato de todos os brasileiros e brasileiras”, discursou o presidente da CUT, Vagner Freitas.
Ato contra
Ato contra o impeachment teve apoio a Lula no Rio de Janeiro
Em entrevista a CartaCapital na quarta-feira 16, Freitas observou que há uma onda conservadora muito forte, que não tolera divergências. “Os recentes ataques a sedes de partidos e entidades de esquerda lembram muito o cenário do golpe de 1964 ou pós AI-5, em 1968”, disse. “Quem sofre as consequências de tudo isso é o trabalhador, pois essa turma sempre defendeu o desmonte dos direitos trabalhistas”.
De acordo com o dirigente sindical, o clima de intolerância e a judicialização da política ameaçam o sistema democrático.
“Tenho muitas divergências com os políticos do PSDB, mas ver Aécio Neves e Geraldo Alckmin serem vaiados nas manifestações do dia 13, enquanto Bolsonaro era aplaudido e o juiz Sérgio Moro era endeusado, é ruim para a democracia”, avalia Freitas. “Corremos o risco de viver num regime de exceção, no qual o Judiciário extrapola seus poderes e se fortalece às custas da criminalização da política e dos partidos”.
Lava Jato e judicialização da política
Carina Vitral, presidente da UNE, enfatiza que o combate à corrupção é “fundamental”, mas a sociedade não pode fechar os olhos para os “abusos” da Lava Jato. “As investigações visam atingir um único grupo político. Os vazamentos seletivos e a condução coercitiva de Lula, sem qualquer base jurídica, apenas alimentam as desconfianças de um complô jurídico-midiático para derrubar um governo eleito”, disse à CartaCapital.
A líder estudantil também se ressente do clima de intolerância política, e queixa-se dos atos de vandalismo praticados contra a sede da UNE no sábado 12. “O último ataque contra nossa sede ocorreu em 1º de abril de 1964. O primeiro ato da ditadura foi invadir e incendiar o prédio da UNE, na Praia do Flamengo 132”, rememora. “Atos de violência contra entidades políticas tornaram-se recorrentes de um ano para cá, o que só reforça a importância de a esquerda se unir e resistir à escalada do ódio”.
Apesar de reconhecer o crescimento das mobilizações pró-impeachment neste ano, Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, avalia que a maior parte da população não incorporou o “discurso raivoso” da direita, e haverá uma forte reação popular ao “golpe”.
“Vimos uma mobilização maior da direita, mas as manifestações continuam bastante elitizadas. O povão não foi para as ruas, não incorporou esse discurso raivoso, mesmo após semanas de intensos ataques ao governo e ao PT na grande mídia, que inclusive ajuda a convocar os atos pró-impeachment”, disse Conceição, na quarta 16.
“Tivemos uma trajetória diferente. Iniciamos 2015 de forma tímida, mas encerramos o ano com uma baita mobilização popular e a criação de duas frentes de enfrentamento ao golpe. A resistência está crescendo.”
Rejeição ao impeachment, mas também à austeridade fiscal
A Frente Povo Sem Medo, a congregar sindicatos e entidades mais críticos ao governo, não participou da organização dos atos nesta sexta-feira 18, embora parcela expressiva de sua militância tenha aderido.
As duas frentes estarão unidas no dia 31 de março com uma pauta mais ampla, a incluir a oposição ao impeachment de Dilma, mas que também contesta a política de austeridade fiscal do governo e propostas que ameaçam os direitos dos trabalhadores, como a Reforma da Previdência.
“Hoje, demonstramos de forma categórica nas ruas que haverá resistência ao golpe. Eu não estou aqui para defender esse governo, mas para resistir a essa escalada golpista que ameaça a democracia e as liberdades individuais”, discursou Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), no ato da Paulista.
Na quarta-feira 16, em entrevista a CartaCapital, Boulos afirmou que o governo é indefensável do ponto de vista político, por ter assumido a pauta da direita. Ponderou, porém, que os movimentos sociais precisam se unir e ter um posicionamento claro contra a ofensiva conservadora, que cria um clima de caça às bruxas à esquerda como um todo.
“Temos hoje, no Brasil, a direita venezuelana, tão raivosa quanto, e um governo covarde. O MTST não tem nenhuma ligação com o PT, mas não temos a ilusão de que essa onda é só contra eles. Esse antipetismo raivoso busca aniquilar tudo que seja de esquerda, não é à toa que essa turma ataca o PT por aquilo que ele não é: bolivariano, comunista etc”.
Atos em todo o País
Em Brasília, a manifestação se concentrou em frente ao Museu da República, no início da Esplanada dos Ministérios. Políticos como o ex-ministro Gilberto Carvalho e deputados do PT e da base aliada fizeram discursos e dividem o carro de som com artistas locais, que apresentaram músicas intercaladas com palavras de ordem. Manifestantes de movimentos sociais também discursaram e pediram mudanças nas políticas do governo.
Em Salvador, os manifestantes se reuniram no Campo Grande, em um ato que superou o pró-impeachment realizado em 13 de março. Nesta sexta-feira, foram 70 mil pessoas à manifestação segundo a Polícia Militar, enquanto no domingo foram estimadas 20 mil pessoas. Na capital baiana, houve críticas ao juiz Sérgio Moro e à tentativa de destituir Dilma.
No Rio de Janeiro, os manifestantes se concentraram na Praça XV, no centro do Rio, e levaram inúmeras faixas e bandeiras com mensagens de diversos setores da sociedade. Muitas defendem a permanência da presidenta Dilma Rousseff e dão apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Ministro Lula estamos com você”, dizia uma delas.
Ato em Porto Alegre
Ato em Porto Alegre: ao menos dez mil pessoas compareceram
No Recife, a concentração ocorreu na área central da cidade, mas os manifestantes caminharam cerca de três quilômetros até a Praça da Independência, no bairro da Boa Vista. Políticos como o vice-prefeito da cidade, Luciano Siqueira (PCdoB), a deputada estadual Teresa Leitão (PT), a vereadora Marília Arraes (PT) e o vice-líder do governo na Câmara, Sílvio Costa (PTdoB-PE), estiveram no ato. Os manifestantes exibiram bandeiras em defesa de programas sociais do PT e também com críticas ao juíz federal Sérgio Moro.
Em Porto Alegre, o ato reuniu ao menos dez mil pessoas, segundo a Brigada Militar. A manifestação começou na Esquina Democrática e teve uma caminhada em direção ao Largo Zumbi dos Palmares.
Em Belo Horizonte, a praça da Estação foi o ponto de encontro dos manifestantes. Se reuniram 100 mil pessoas segundo os organizadores e 18 mil de acordo com a Polícia Militar. Entre os diversos cantos entoados, estava o “Direita recua, o povo tá na rua”.
Em Fortaleza, a manifestação começou na Praça do Ferreira, no centro da cidade, e contou com a presença de 7 mil pessoas, segundo a PM. O Movimento Juristas pela Legalidade e pela Democracia aproveitou o ato para se manifestar contra a decisão da OAB-CE de apoiar o impeachment.