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sexta-feira, 29 março, 2024

Deitado eternamente, como pode o Brasil ir pra frente

Pedro Pinho*

O mais grave problema que o Brasil precisa enfrentar é a pedagogia colonial.

Enquanto o povo não entender esta questão, continuar imaginando que suas opções são da escolha entre a esquerda e a direita, ou entre os honestos e os corruptos, ou quem tem ou não tem dinheiro para investir, continuaremos deitados em berços que nada têm de esplêndidos, pois estão no chão das ruas, onde os melhores ficam debaixo das marquises, ou nas margens de estradas.

Aqueles que não completaram 50 anos, já nasceram no período da decadência econômica e social. Os mais afortunados ainda tiveram os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), ou o que deles restaram no Rio de Janeiro, pois construídos apenas nos governos de Leonel Brizola. Esta obra pública prolongou um pouco os “trinta anos gloriosos”.

Esta expressão “trinta anos gloriosos”, ou, simplesmente, os “trinta gloriosos” foi cunhada pela Associação Francesa de Economia Política para designar o período que vai do fim da II Grande Guerra até 1975, quando as “crises do petróleo” impuseram novos objetivos à política econômica.
Recordemos, brevemente, aqueles anos.

Após a II Grande Guerra, a Europa destruída, um cenário de muita miséria e fome pelo mundo, as nações colonizadas em processo de libertação, de descolonização, a maior nação do planeta, em território, adotando o socialismo marxista como filosofia de governo, houve um consenso entre todas as nações da necessidade de serem criadas instituições que canalizassem os recursos existentes para o desenvolvimento econômico, tecnológico, e para criação de emprego e uma sociedade de bem-estar.

Deste entendimento surgiram os “Acordos de Bretton Woods”, reunindo 45 países no estado de New Hampshire, nos Estados Unidos da América (EUA), e, com eles, a criação do Banco Mundial (inicialmente Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do estabelecimento do dólar como moeda internacional de trocas, lastreado no ouro (uma onça troy = 31,104 gramas = US$ 35,00).

Estes acordos duraram 27 anos. Foram rompidos unilateralmente pelos EUA, em 15 de agosto de 1971, sob a alegação de haver pressão dos países sobre o ouro e, consequentemente, de inflação no dólar.

Ao lado destes fatos, corria, desde a I Grande Guerra, a disputa entre as finanças, cuja condução ainda era da aristocracia inglesa, e o industrialismo, que tinha dois grandes polos: o capitalista, nos EUA, e o socialista, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Mas usando de astúcia sem moral, sem escrúpulo, as finanças se fingiam solidárias ao capitalismo industrial, pela compreensível oposição ao socialismo.

As “crises do petróleo” foram uma criação, no sentido artístico de invenção, das finanças para torpedear “os trinta gloriosos”. Porém soube, espertamente, unir interesses diversos, como: (1) dos países árabes e outros produtores que mantinham o barril de petróleo no mesmo preço de venda (em moeda constante) desde 1926; (2) das empresas que vislumbraram a existência de petróleo no Mar do Norte, onde o custo de produção era bem superior aos então praticados, (3) do financiamento para pesquisas em exploração e produção, com novas tecnologias (sísmica de maior resolução, equipamentos marítimos de perfuração, instalações com novas necessidades de segurança operacional para produção e escoamento no mar e outras), e (4) da propaganda, de interesse financeiro, da imprescindibilidade do controle do consumo, cujo ganho era direcionado para a indústria produtora de bens, em razão da finitude dos insumos e da proteção ambiental.

O aumento do preço do petróleo, o principal, mais barato e mais versátil insumo energético e base de imensa cadeia de produtos petroquímicos foi fatal para o equilíbrio daquela sociedade industrial e de consumo.

Deste modo, a partir dos anos 1970 tem início o fim dos anos gloriosos e o início do domínio financeiro. Nos anos 1980, as finanças tomam o governo no Reino Unido e nos EUA e promovem as desregulações financeiras, como solução para “manutenção do crescimento econômico” e para maior “liberdade empresarial”, que, divulgavam, combateria o desenvolvimento tecnológico soviético, especialmente o espacial e militar.

Porém o que foi mais danoso para o Brasil e para todo o mundo, foi que as finanças, para divulgarem e conquistarem políticos, intelectuais, comunicadores, líderes de diversos segmentos, inclusive religiosos, além de adquirem quase todos maiores veículos de comunicação, em vários países, entraram também, fortemente, com prêmios, financiamentos, recursos nas academias, nos ambientes das ideias, patrocinando projetos, pesquisas, publicações que lhes fossem favoráveis em todas as áreas de conhecimento.

Um exemplo disto foi a edição do livro “Limites do Crescimento”, em 1972, que ameaçava a população mundial com seu crescimento consumista, considerando os recursos naturais limitados. Uma bomba preste a explodir. Criaram o Clube de Roma para dar continuidade a este terrorismo. Os autores deste livro foram os então desconhecidos Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III.

Outra arma das finanças foi a corrupção política, praticada na burocracia da URSS que levou ao fim esta União de Repúblicas, seu esfacelamento, divulgada pelo mundo como o fim do comunismo e “da história”.

Chegamos então na década de 1990 que promove não apenas uma reversão na economia mundial, mas introduz na cultura popular e mesmo em parcela da cultura erudita o que podemos denominar da inversão de valores. O mais grave e mais profundamente danoso socialmente foi a depreciação do trabalho substituído pela esperteza, a labuta intelectual e física pelas artimanhas da especulação.

A pedagogia colonial que sempre foi usada para garantir um poder, veja-se o do catolicismo na Idade Média, passou a desenvolver o anti-humanismo, a astúcia no lugar do esforço construtivo, a fraude e o embuste no lugar da verdade, o ardil no lugar da dignidade, enfim o clima ideal para que as finanças assimilassem e passassem a agir em proveito do capital das drogas, dos contrabandos de pessoas, órgãos humanos e armas, das prostituições e, amplamente, da corrupção, em todo sentido.

O prezado leitor verá que, entre 1990 e 2000, o número de paraísos fiscais mais do que decuplicou e se espalhou pelo mundo. Estes capitais anônimos e apátridas passaram a dominar a economia globalizada.

Os países que, por circunstâncias especiais, próprias de condições naturais e históricas dos seus nacionalismos, escaparam deste domínio, passaram a ser referidos pelos neoliberais, com a mesma desfaçatez com que realizam seus ilícitos e imorais negócios, como ditaduras, governos terroristas, que maltratam e matam seu próprio povo: Rússia, Irã, Venezuela, Coreia do Norte e, com grande destaque no momento que atinge alto nível econômico, tecnológico e elimina a miséria na maior população do planeta, a China.

Vamos tratar do que realmente nos importa: o Brasil.

A América Latina, onde estamos inseridos, apresenta, já na geografia, diferenças profundas que se verificam em países territorialmente pequenos, como o Equador, onde se encontram os ambientes da selva amazônica, dos Andes e de praia semelhante ao nordeste brasileiro. Imagine o continental território brasileiro!

Não bastasse a complexa geografia, tivemos a desdita da colonização por sociedades castigadas pela pedagogia colonial, como todas as outras europeias, acrescentadas pelo obscurantismo da inquisição religiosa.

Assim, no caso brasileiro, que não difere de toda América Latina, a ocupação colonial se deu na busca por metais preciosos: ouro e prata. O que fez da costa atlântica menos atrativa que os Andes, do Chile à Colômbia, e o planalto mexicano. Portugal só inicia a ocupação administrativa do Brasil meio século após a descoberta.

Também a população que ocupava a “América Portuguesa” não atingira o nível civilizatório dos Astecas, Maias e Incas.

O maior intérprete do Brasil, o antropólogo Darcy Ribeiro, nos seus “Estudos de Antropologia da Civilização”, focados no Brasil, mostra as distintas resultantes do encontro da economia capitalista com as populações brasileiras, algumas ainda no estágio coletor-caçador.

Disto resultou uma situação nova, especificamente brasileira, mas que encontra parciais exemplos na formação social latino-americana. A queda demográfica da mão de obra nas populações originárias, a necessidade da importação de mão de obra, mesmo para as atividades extrativas minerais e, posteriormente, para agricultura colonial, trazendo africanos de diferentes raízes culturais, aqui se deu, em condições únicas, com os colonizadores ibéricos, a formação de uma etnia própria, de mesmo idioma e de exclusiva aculturação.

O poeta mineiro João Salomé Queiroga (1810-1878) sintetizou esta cultura nacional brasileira, referindo-se a suas quadrinhas e romance, “escrevo em nosso idioma, que é luso-bundo-guarani”.

Mas, para um país de imensa riqueza natural, mineral, aquífera, territorial, um povo congregando culturas numa formação única e, importantíssimo, com a relevante condição integradora, era indispensável a baixa estima. Um exemplo nos traz a crítica do pedagogo baiano Manoel Olympio Rodrigues da Costa (1841-1891), em sua “Conferência Pedagógica” (1872):

“qual de nós não tem se embasbacado diante do mais insignificante produto de arte, para bradar, cheio de pasmo imbecil: isto é arte de inglês?!”.

No Brasil, as discriminações e o racismo chegaram importados pela pedagogia colonial, como estão vindo agora, com o neoliberalismo financeiro, os identitarismos, encontradiços nas palavras do megaespeculador George Soros a propor investir US$ 1 bilhão, “para combater os ditadores atuais e em gestação”, e “a mudança climática” (Exame, janeiro/2020).

A situação nacional, nesta terceira década de século XXI, é particularmente inquietante. Leiamos as manchetes e noticiários do fim de semana – 11,12 e 13 de setembro de 2021 – do Monitor Mercantil: (1) “Em uma década, o Brasil se tornou dependente de commodities”. Em 2018-2019, 12 países da América do Sul tinham dependência de 60% de suas economias na exportação de commodities. O Brasil, que era independente no biênio 2008-2009, passou, neste biênio analisado pela UNCTAD (organismo das Nações Unidas para comércio e desenvolvimento), a depender em 56,5%. (2) E, com maior dependência da moeda estrangeira, “Inflação já afeta alimentação do brasileiro”. Na reportagem, o professor Guilherme Mello, da Universidade de Campinas, explica que “a desvalorização cambial no governo Bolsonaro” tornou “mais severa” a inflação.(3) Mas há aspectos não econômicos. “Desembargador: Em vários julgamentos do STF o Direito passou longe”. Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) critica a submissão do Poder Judiciário a interesses diversos da garantia dos direitos, “cicatrizes do processo de impeachment de 2016”. (4) o colunista Marcos de Oliveira, comenta a carta levada pelo ex-presidente Temer para assinatura do atual Jair Bolsonaro, com a questão: que pressão obrigou a este humilhante desfecho do 7 de setembro? “Pode-se pensar nas Forças Armadas, Judiciário, e mercado financeiro. Provavelmente, os 3”. Uma nau sem rumo, concluímos.

Não são poucas as mazelas provocadas pela pedagogia colonial. Urge o estudo aprofundado do Brasil, desde o mais elementar aprendizado infantil até pelos titulares de todos os órgãos públicos, para combater eficazmente a pedagogia colonial, com a construção da cidadania, própria de nossa cultura convergente e humanitária, do falar luso-bundo-guarani, de nossa riqueza natural incomparável, de nossa capacidade de acolhimento das diferenças e aceitação das divergências. Este o verdadeiro Brasil, sem os ódios importados, com as segregações racial, econômica e ideológica, e os comportamentos marginais, pregados pela pedagogia colonial.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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