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sexta-feira, 7 novembro, 2025

Decisão contra o ex-presidente Uribe, um ponto de virada na história colombiana

Bogotá (Prensa Latina) A pena de 12 anos imposta ao ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) marcou uma virada na história da Colômbia.

Por Ivette Fernández

Correspondente-chefe na Colômbia

A sentença proferida pela primeira vez contra um ex-chefe de Estado, talvez o mais poderoso do último quarto de século, marca um precedente judicial nunca antes visto no país.

A sentença proferida pela juíza Sandra Heredia em 1º de agosto contra o ex-presidente, um veredito de culpa por corrupção de testemunhas e fraude processual em um caso que começou há mais de duas décadas e envolveu inúmeras reviravoltas no sistema jurídico, também abriu outro capítulo na longa saga.

A equipe jurídica do homem agora condenado recorrerá ao Tribunal Superior de Bogotá, onde três juízes analisarão o caso em apelação antes de manter ou reverter a sentença inicial, que inclui uma multa de aproximadamente US$ 840.000 na taxa de câmbio atual e a proibição de ocupar cargos públicos por oito anos e quatro meses.

Enquanto isso, alguns jornalistas, incluindo Daniel Coronell, afirmam que a decisão “desencadeará uma reação brutal de seus aliados em todos os setores, na Colômbia e no exterior”.

Coronell acredita que “a juíza Sandra Heredia, o senador Iván Cepeda, as vítimas conhecidas, seus advogados, testemunhas contrárias ao ex-presidente e também os jornalistas que noticiaram o caso inicialmente serão alvos de uma campanha de extermínio moral”.

O próprio Cepeda, que é credenciado como autor, alertou anteriormente sobre as pressões que começaram a aparecer quando a conclusão foi conhecida.

“O infame lobby realizado nos Estados Unidos pelos representantes do réu condenado, Álvaro Uribe, busca não apenas enfraquecer o judiciário, mas também impor sanções a todos os colombianos caso não consigam restaurar sua impunidade. É, sem dúvida, traição”, escreveu o legislador.

Os avisos não são surpreendentes, especialmente dadas as reações que a decisão provocou entre certos congressistas em Washington.

O senador republicano da Flórida, Rick Scott, por exemplo, fez ameaças contra a Colômbia, alegando que a decisão foi uma manobra do presidente Gustavo Petro para atacar um oponente político.

“Gustavo deveria considerar isso um lembrete de que os aliados dos Estados Unidos e da Colômbia estão observando”, escreveu ele nas redes sociais, referindo-se à sua própria mensagem.

O senador Mario Díaz-Balart, por sua vez, afirmou que “Petro e seus aliados devem deixar claro que os Estados Unidos e os parceiros da democracia colombiana estão acompanhando de perto o desenvolvimento desses eventos injustos”.

Embora os comentários dos legisladores mencionados sejam eloquentes, a declaração do Secretário de Estado Marco Rubio aumentou o atrito nas relações já tensas entre os dois países.

Em resposta às denúncias de uma suposta manipulação do sistema de justiça em relação a Uribe, o presidente colombiano considerou que Rubio estava adotando posições intervencionistas.

“Interferir nos assuntos judiciais de outro país é interferir na soberania nacional. O mundo deve respeitar os juízes colombianos; muitos foram assassinados por ajudar o mundo”, escreveu ele em X.

UM CASO DE LONGA DATA

O caso contra Uribe começou em fevereiro de 2012, quando ele apresentou uma queixa à Suprema Corte por calúnia e fraude processual contra Iván Cepeda, que havia se envolvido em uma investigação para determinar os vínculos do ex-presidente com a ascensão do paramilitarismo no país.

Paradoxalmente, seis anos depois, uma câmara da Suprema Corte não encontrou nada incriminador contra Cepeda e, em vez disso, decidiu a favor de que o ex-presidente fosse eventualmente investigado, pois acreditava-se que havia evidências de que ele poderia ter infringido a lei.

O caso então foi para a Câmara Especial de Investigação da Suprema Corte, que emitiu uma ordem de prisão domiciliar em agosto de 2020 com base em evidências de que Uribe havia subornado testemunhas e cometido fraude processual.

Foi depois desse incidente que o político renunciou ao seu privilégio no Senado para evitar ser julgado pela Suprema Corte e o caso ser encaminhado aos tribunais comuns.

Após esse incidente, pelo menos três pedidos de preclusão foram negados, e uma acusação foi finalmente emitida em abril de 2024.

O julgamento, que só começou em fevereiro deste ano, convocou dezenas de testemunhas.

Algumas das testemunhas citadas pelo Ministério Público afirmaram que Uribe tinha vínculos com a ascensão de forças paramilitares que, segundo dados da Comissão da Verdade, foram responsáveis por mais de 200.000 mortes e mais de 60.000 desaparecimentos forçados na Colômbia entre a última década do século passado e a primeira deste.

Considerando a extensão do caso, o jurista Rodrigo Uprimny considerou que a condenação “não é uma conspiração de um governo de esquerda, aliado a um promotor e juiz supostamente radicais, como sugeriram aliados do ex-presidente”.

Pelo contrário, ele disse, “eles foram juízes e magistrados independentes que, resistindo à pressão, tentaram tomar suas decisões com base nos fatos e na lei, conforme apropriado”.

Ele acrescentou que Uribe “teve garantias judiciais para contestar quaisquer erros, incluindo a possibilidade de apelar de sua condenação perante o tribunal e possivelmente recorrer em cassação”.

OUTROS SINAIS

O caso não deixou ninguém indiferente na Colômbia.

Não demorou muito para que analistas afirmassem que membros do grupo político do ex-presidente, o partido Centro Democrático, que ele mesmo fundou em 2013, buscariam se apresentar como vítimas de perseguição por pertencerem à ala oposicionista em busca de ganhos eleitorais.

Enquanto isso, alguns continuam insatisfeitos porque a condenação ainda pode ser anulada em segunda instância e porque acreditam que Uribe não foi julgado por outras acusações mais graves.

O ex-chefe de Estado já se envolveu em outros escândalos e processos judiciais, como os massacres de El Aro e La Granja, ocorridos entre 1996 e 1997, quando era governador do departamento de Antioquia.

Em 2015, a Procuradoria-Geral da República, em conexão com esses eventos, solicitou que a Suprema Corte investigasse Uribe porque, como líder local, ele “facilitou o trabalho dos paramilitares” que participaram dos massacres de camponeses.

Ele já havia sido acusado de grampos ilegais e vigilância contra defensores dos direitos humanos, organizações não governamentais, líderes políticos e jornalistas entre 2002 e 2009.

O ex-presidente negou envolvimento nos eventos descritos acima e também se considera inocente das acusações pelas quais agora foi condenado.

Segundo o Juiz Heredia, o Ministério Público provou de forma convincente que Uribe pediu ao advogado Diego Cadena que procurasse ex-paramilitares para distorcer os fatos no tribunal com declarações falsas e desacreditar o senador Cepeda, em troca de benefícios materiais e legais.

Ele acrescentou que o cumprimento dos 12 anos de prisão domiciliar deve começar imediatamente para tentar evitar uma possível evasão da pena. “Sua presunção de inocência já foi afastada em primeira instância”, enfatizou.

Por enquanto, Uribe é culpado aos olhos da justiça e o primeiro ex-presidente da história colombiana a ser punido por um tribunal.

Agora, resta aguardar a decisão em segunda instância, num caso também assombrado pelo espectro da prescrição, prevista para meados de outubro.

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