É de rebentar a rir até não podermos mais! Já passei a fase do choro, da raiva e da depressão. Desta feita, a estratégia a utilizar só pode ser a da ridicularização.
Não sei o que é mais ridículo, se o tempo de antena que a imprensa corporativa do atlântico norte dá ao Fórum Económico Mundial, que de “mundial” tem muito pouco, não passando de uma feira das vaidades da vassalagem mais rica do império, ou se, o facto de desfilarem notícias, comentadores da ordem e eloquentes conclusões sobre as “preocupações” e “soluções” manifestadas pela aristocracia multimilionária e seus capatazes. Ao mesmo tempo, tentam fazer-nos acreditar que uma gente que vive absolutamente à margem das dificuldades do comum dos mortais e da esmagadora maioria da humanidade, quer, de facto, salvar o mundo. É de doidos!
Ouvir o milionário John Kerry, do clã Clinton, ex-candidato a presidente dizer “é o que somos”, a propósito de poderem ridicularizar o facto de gente como ele querer um mundo melhor, salvar o planeta, entre outros objetivos nada consonantes com a sua prática política; Mario Centeno (ex chefe do Eurogrupo) dizer qualquer coisa como, afinal “isto (referindo-se à economia) pode não correr assim tão mal”; o mentor Schwab dizer que Davos tem “um espírito positivo”… É melhor do que assistir aos melhores filmes dos Monty Python. Uma comédia sem fim, regada com vinhos, whiskys (será que podem comer caviar?) que custam mais do que um trabalhador médio ganha num ano.
Uma das questões fundamentais, jamais colocadas pelos mesmos órgãos que nos querem fazer acreditar nos nobres objetivos de Davos, consiste em perguntar “afinal, para que humanidade se dirigem as reflexões desta gente”? É que, partindo dos temas que ocupam a agenda da edição deste ano e da lista de “convidados” e principais oradores, imediatamente percebemos que a “humanidade” a que se dirigem, não é a mesma que povoa este imenso planeta, mas apenas uma minúscula parcela.
O conflito no leste europeu dominou a maioria das intervenções. Ora, acreditar que, para a maioria da humanidade esse conflito tem importância, é viver numa bolha fechada e absolutamente opaca. Uma rápida busca pelos principais órgãos de comunicação dos países do sul global (85% da humanidade) e todos percebemos que o conflito em causa não apenas não está nas prioridades do dia, como nem sequer das do ano. Simplesmente, quase não se fala do assunto e quando se fala, nem sempre o fazem em termos que agradem à elite que domina as nossas vidas e que nos condena, todos os dias, a uma vida pior.
Os “iluminados” que falam em Davos, falam por quem, afinal? Em jactos pessoais ou institucionais, que poluem numa viagem o que um automóvel de um trabalhador polui em anos, a Davos, vão os representantes, capatazes (CEO, CFO, CTO…) daquela percentagem de seres “excepcionais” que se apropriaram de 63% da riqueza produzida desde 2000, em plena pandemia de Covid, enquanto os salários dos trabalhadores europeus estão estagnados há 20 anos e os dos americanos há 50. E é a Oxfam, financiada em parte pela NED (o que quer dizer CIA), que o vem dizer, no seu último relatório. É também a mesma Oxfam que vem dizer que 50% da riqueza está concentrada nas mãos desse 1% da população. Os tais que adoram Davos.
E o autismo é de tal ordem que temos de ouvir a anglo-germânica Ursula Von der Lata gabar-se que a UE “aplicou as mais fortes sanções, fazendo o regime de Moscovo enfrentar 10 anos de regressão económica e falta de tecnologias críticas na sua indústria. Mas, afinal, de que mundo fala ela? Estará a Europa, por si governada por procuração passada por Washington, em condições de se gabar de tal coisa. Estará a situação económica da Europa melhor do que a do país que ela acusa de ter pela frente “10 anos de retrocesso económico”? Esse país que, apesar das piores sanções da história do imperialismo, teve apenas uma quebra de 2,1% do PIB e uma inflação de 11%, prevendo para o ano crescimento e uma inflação de 3 a 4%. Estará a UE em condições de poder regozijar-se com tal realidade? Afinal, como está a economia da UE?
Não estará a indústria da UE, por causa das sanções arquitetadas pelos seus mestres, a enfrentar insolvências e deslocalizações? Não está a Alemanha a colocar empresas em lay-off para poder fazer face à falta de gás e aos elevadíssimos preços que, por causa das suas políticas, triplicaram? Não estará a inflação da UE a galopar, o desemprego a aumentar e a economia a retrair-se? Não estará isto tudo a acontecer quando a UE sanciona, ao invés de ser sancionada? Não representará, esta realidade, um falhanço total das ações da Comissão Europeia na proteção do seu espaço? Para país mais sancionado da história, não poderá o maior país do mundo regozijar-se, por oposição, não apenas pela capacidade de resistir ao maior ataque económico e militar desde a segunda guerra, mas, e apesar disso, conseguir diversificar mercados, fornecedores e até aumentar a produção em áreas chave? O que diz isto de uns e outros?
Poderá um europeu médio, nos dias de hoje, dizer que nada mudou nas suas vidas, nos últimos anos, como nós vimos acontecer com transeuntes entrevistados nas ruas de Moscovo, no programa de Tucker Carlson? Deveria dar o que pensar. E o que diz isto de Úrsula e das suas gentes? Do seu autismo, arrogância, autocracia e falso triunfalismo?
Diz Úrsula que “existem nações a observar com muita atenção o conflito” e que “não se pode permitir que achem que podem invadir quando quiserem”, e por isso, qual louca a lembrar o papel de Jack Nicholson em Voando sobre um ninho de cucos, “tem de ser punida”! Afinal de que nações fala? Não serão nações que, ao contrário das suas, nunca invadiram qualquer país, pelo menos nos últimos séculos? E como se arroga ela de um qualquer direito universal a punir nações inteiras? Afinal, quais são as nações que invadem a seu bel prazer, se não as que a suportam? Eis o caricato da questão: é que ela parece mesmo acreditar nas suas próprias mentiras! E isso é trágico, porque por muito louca que a achemos, ela, uma corrupta empedernida, contra a qual estão investigações em curso do próprio Tribunal de Contas europeu, manda nas nossas vidas, fazendo-o sem qualquer escrutínio ou avaliação!
Ficasse o discurso por aqui e já não seria mau. Mas quando vamos para o dualismo maniqueísta das “democracias” contra as “autocracias”, está tudo arrumado. Eu gostaria de saber qual foi o processo de consulta utilizado para o povo europeu se pronunciar sobre a necessidade de embarcarmos nesta guerra – sim, porque somos parte desta guerra – e de nos sujeitarmos ao ricochete das sanções, trocando uma dependência de gás barato, por uma de gás três vezes mais caro e de pior qualidade. Alguém colocou esta questão aos povos? Se pretendiam pagar mais caras as suas casas, energia, alimentação e outros bens essenciais, como resultado da guerra económica movida? Ou, ao contrário, o que é veiculado na imprensa corporativa do Atlântico Norte, não será que isto tudo acontece “por causa da guerra”, nunca expondo quais os mecanismos através dos quais a “guerra” nos afetam?
Será democracia, uma elite, tomar todas as decisões, para mais uma elite não eleita, baseando-se na manipulação que faz através de órgãos de comunicação totalmente arregimentados, incapazes de uma mensagem dissonante e, mesmo quando a apresentam, logo a enquadram com o necessário comentador que tem a função de “explicar” ao público expectador como a enquadrar na narrativa oficial fornecida?
Como podem admirar-se, os poderes instituídos, da enorme crise que os grupos económicos que exploram a atividade de imprensa atravessam? Em Portugal, desde 2017, os principais grupos deram 191 milhões de euros em prejuízos. Porque será?
Imaginem um qualquer trabalhador, ou estudante, abaixo dos 50 anos, com estudos, capacidade de pesquisa de informação, conhecimentos informáticos suficientes para contornar os condicionamentos do Google e outros motores de busca da Califórnia e uma rede de amigos, de todo o mundo, com quem se relaciona em plataformas de comunicação. Esta pessoa, habituada a receber, procurar e pesquisar a informação que pretende, ao contrário do expectador tradicional acima dos 50 que se habituou apenas a receber, seja através da TV, da imprensa escrita ou das sugestões do Google e plataformas sociais da Califórnia, que funcionam num circuito fechado em conexão com as primeiras, olha para notícias como “Moscovo bombardeia central nuclear de Zaporízia”, isto depois de os mesmos terem noticiado que essas mesmas forças tinham controlado a central logo nos primeiros dias da operação, ou “Moscovo pode ter rebentado o NordStream”.
Se formos para outras áreas, somos confrontados com contradições como as que se têm visto aquando das manifestações violentas no Irão, que os porta vozes atlantistas apoiam sem excepção, mas que, quando as manifestações violentas acontecem na Europa, nos EUA ou, em países nos quais perpetram golpes institucionais, como o Peru ou a Bolívia, nesses casos condenam a violência, apelando à “ordem democrática”. Isto já para não falar do apagamento da Palestina, cuja repressão e genocídio acontece há mais de 70 anos, ou as guerras de agressão contra inúmeras nações, cujas consequências devastadoras para as respectivas populações nunca são apontadas como “crimes de guerra”.
Perante tanto brincar com a nossa inteligência e tão descarada hipocrisia, não admira a crescente desconfiança na imprensa corporativa do Atlântico Norte e a sua identificação como braço armado comunicacional da elite autocrática e neofeudal da classe rentista que se formou com a financeirização da atividade económica mundial.
BRASIL RECUA
Mas o circo de Davos significa muito mais. Quem olhar atentamente, não deixa de identificar a desgraça da vida de muitos que aí desfilam. Fernando Haddad, ministro de Lula, disse em Davos, numa mensagem muito pouco velada aos seus interlocutores a norte da América, que o Brasil pretende adiar a conferência dos BRICS de 2024 para 2025, pois, segundo as suas palavras, como têm de organizar o G20, não querem fazer coincidir dois eventos desta magnitude num mesmo ano [NR]. Esta posição levantou suspeitas entre alguns parceiros BRIC, sobretudo, após o que sucedeu em 8 de janeiro no seu país e após o mais que certo envolvimento das agências de segurança imperiais na sua organização e financiamento. Para muitos, o 8 de janeiro, foi um sério aviso a Lula: “ou te alinhas”; ou “descarrilas de vez”. Pouco dada a comédias como as de Davos, a Casa Branca passa as suas mensagens através de atos sempre caracterizados por enorme contundência: “é só estalar os dedos e já foste”!
Esta ação de Haddad mostra bem o que é Davos realmente. Um desfile de prestação de juramentos de vassalagem, mesmo que envergonhados e habilidosos, aos poderes de facto, em oposição frontal aos crescentes espaços de verdadeira cooperação internacional, despidos de o tradicional dividir para reinar do imperialismo ocidental, como é o caso dos BRICS. Como em qualquer cerimónia de juramento real, há sempre que contar com os tradicionais e imprescindíveis bobos da corte. Afinal, quem, no meio de tanta miséria, nos faria rir, senão as Ursulas deste mundo? Não obstante, está ação de Haddad, não deixa de nos trazer uma certa sensação de negritude… E não é de humor negro! É que a sujeição de muitos quadros do PT à doutrina identitária neoliberal, que celebra a liberdade individual enquanto oprime a coletiva, o que, por sua vez, impede a primeira… não tem nada de engraçado. É uma tragédia para a América Latina.
Daí que a grande ironia que Davos nos traz, e que quem o notícia é incapaz de nos contar, é que, em Davos, programa-se, não a “salvação do mundo” e muito menos a sua libertação, mas a sua continuada e renovada submissão aos interesses que até aqui o trouxeram.
Davos é como um qualquer circo… Como em qualquer circo, no meio de todo o espetáculo, é na parte dos palhaços que mais rimos, e é também nesta que melhor percebemos o que o circo é! Entretenimento!
O entretenimento esconde as condições nefastas em que o circo opera! E quem melhor do que os palhaços, para o disfarçar perante as crianças?
Eis Davos no seu esplendor!
21/janeiro/2023
[NR] Tudo indica que o governo Biden está a apresentar a fatura pelo seu apoio à candidatura de Lula no Brasil — está fatura consiste em fazer com que o Brasil deixe cair o BRICS, apesar de ter sido um dos seus fundadores. Em contrapartida o governo Biden acena-lhe com uma eventual entrada na OCDE, o que amarraria o país a tratados que só interessam às multinacionais. O comparecimento do Sr. Haddad e de uma ministra brasileira ao Fórum de Davos é por si só um facto significativo desta tendência lesiva à soberania nacional.
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