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terça-feira, 16 abril, 2024

Curdistão Iraquiano: mosca para as aranhas regionais Turquia, Iraque, Irã

Presidente Tayyip Erdogan da Turquia, ao lado de seu contraparte iraniano Hassan Rouhani durante conferência conjunta de imprensa em Teerã, 4/10/2017. Foto: Murat Cetinmuhurdar / Palácio Presidencial Palace (via Reuters)

Pepe Escobar, Asia Times
O presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia acaba de visitar Teerã e reuniu-se com o presidente Hassan Rouhani e com o Supremo Líder Aiatolá Khamenei.
É movimento geopolítico de alta importância, por todos os ângulos que se examine. Irã e Turquia são ambos parte das conversações de Astana que visam a concluir de vez a guerra na Síria. Os dois países são vistos por Pequim como nodos chaves da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE). Os dois são observadores – e em breve serão membros plenos – da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Os dois podem em breve ser incorporados ao conceito BRICS-Plus [deve-se dizer RICS-Plus, porque o Brasil, sob golpe de estado, não tem governo confiável para acordos]. E Irã e Turquia são dois nodos chaves na integração da Eurásia.
Inevitavelmente, contudo, a reunião foi eclipsada pelo referendum do dia 25 de setembro, convocado pelo Governo Regional Curdo (GRC) no Iraque.
Na conferência de imprensa, lado a lado, Erdogan-Rouhani pareceram estar em perfeita sintonia.
Erdogan: “Nenhum país, exceto Israel, reconheceu [o referendum]. Referendum realizado com o Mossad sentado ao lado não tem legitimidade.”
Rouhani: “Turquia, Irã e Iraque não têm escolha que não seja tomar medidas sérias e necessárias para proteger seus objetivos estratégicos na região. E é preciso compensar as decisões erradas tomadas por alguns líderes nessa região.”
Será isso? Não. Como em Twin Peaks: “as corujas não são o que parecem”. Jogo de sombras em pleno andamento.
Caia fora. Nada para ver aqui
Primeiro de tudo, há o Iraque, ameaçado de amputação. O primeiro-ministro Haider al-Abadi Abadi não tem dúvida e diz a quem queira ouviu que o esperto capo tribal nunca eleito do GRC Masoud Barzani vai fazer gorar o referendum. Barzani, por sua vez, diz que a ânsia de independência sempre perdurará e é assunto a ser negociado com Bagdá.
Histeria à parte, não haverá qualquer invasão iraquiana. No pé em que estão as coisas, o cenário realista de pior dos casos é funcionários da alfândega do Iraque plantados nas fronteiras do GRC com os dois países, Turquia e Irã. Quanto à possiblidade de o GRC anular o referendum em Kirkuk, província rica em petróleo, que os curdos de fato anexaram, exigiria diplomacia interestelar.
Ainda assim, no caso ultra extremo de Bagdá ser forçada a intervir para recuperar Kirkuk, pode agora contar com o possível apoio do Corpo dos Guardas Revolucionários Iranianos (ing. IRGC).
Bagdá desconfia seriamente que o referendum jamais aconteceria sem luz verde de Washington. Afinal, a balcanização é proposta extremamente sedutora para grande parte do estado profundo nos EUA.
O jogo de Washington é muito escorregadio. O governo Trump, via o secretário Tillerson, declarou oficialmente “ilegítimo” o referendum. A razão principal, nunca declarada, porém, é que o referendum parece fortalecer (e fortalece, necessariamente) o Irã, novo membro do eixo do mal.
Barzani, enquanto isso, não parece interessado em desaparecer tão cedo – ou em morrer, como seu rival Jalal Talabani. Assim sendo, o que fazer?
Comecemos pelo Irã. Teerã é aliada histórica dos curdos iraquianos. Jogo duro, portanto, é não-não, mesmo considerando que os curdos do Irã – que hoje absolutamente não são separatistas como o GRC – podem começar a ter ideias.
Como Asia Times foi informada, houve uma reunião crucial semana passada da comissão de segurança nacional e política externa do Parlamento do Irã, da qual participou Ali Shamkhani, secretário do poderoso Supremo Conselho de Segurança Nacional (ing. SNSC). Na agenda: não reconhecer o referendum; preocupações com a integridade territorial do Iraque; o pesadelo de a Peshmerga curda iraniana ser instrumentalizada pela CIA.
Atualmente, Governo Regional Curdo está em total confusão. Não há Parlamente operante e, dos políticos hoje no poder, nenhum foi eleito. Teerã está preocupado com que, no contexto desse vácuo, a serventia do GRC como Cavalo de Troia pode ser aprofundada e ampliada por uma aliança EUA-Israel-Casa de Saud.
Mesmo assim, a última coisa de que Teerã necessita é mais outra guerra, com o efeito colateral não desejado de destruir as boas relações de hoje com seu aliado regional curdo, a União Patriótica do Curdistão [ing. Patriotic Union of Curdistão (PUK)].
A posição oficial do Ministério de Relações Exteriores do Irã é que, desde que a coisa fique limitada a um referendum simbólico – sem qualquer movimento prático na direção da independência –, Teerã pode suportar.
As aranhas combaterão umas contra as outras?
A intersecção de Irã e Turquia também se amplia. Na reunião deles frente à frente, o Supremo Líder Khamenei enfatizou a relevância de melhores relações econômicas, enquanto Erdogan enfatizava a necessidade de uma aliança política forte Irã-Turquia. O quanto se pode confiar em que o hiper volátil Erdogan vá manter a palavra é questão em aberto.
E isso nos leva de volta à questão dos curdos sírios. E de o que a Turquia pode estar querendo fazer nos dois países, Síria e Iraque.
Teerã e Ankara têm-se mantido em campos obcecadamente opostos durante os seis anos de guerra na Síria, e só convergem, digamos assim, nas negociações de Astana, de desconflitação, promovidas por Moscou.
Teerã é parte dos “4+1” (Rússia, Síria, Irã, Iraque, plus Hezbollah) que apoiam integralmente as milícias xiitas na Síria (assim como as Unidades de Mobilização Popular [ing. Popular Mobilization Units, PMUs], no Iraque). A Turquia foi aliada de ambos, Qatar e Arábia Saudita, e completamente engajada em manter abertas sua fronteiras para os jihadistas da Frente al-Nusra (al-Qaeda) e do Estado Islâmico, vista como instrumental para a mudança de regime em Damasco.
Por outro lado, é fácil esquecer que mesmo quando Ankara denunciava Teerã como “estado patrocinador de terrorismo”, no auge da guerra na Síria, os dois países mantiveram suas relações diplomáticas. Ainda mais importante, a libertação de Aleppo pelo Exército Árabe Sírio (EAS) só aconteceu, com a relativa rapidez que se viu, porque Ankara ordenou que seu ‘representantes’ em solo recuassem.
Ankara foi forçada a aceitar que Moscou dirija o show na Síria. Assim como os turcos podem discordar do enviado especial do presidente Putin à Síria, Alexander Lavrentiev (não será tolerado nenhum Exército Nacional Sírio “rebelde moderado”), o primeiro-ministro turco Binali Yildirim admitiu publicamente que Moscou, Teerã e Ankara estão envolvidas conjuntamente na operação de demarcar nova zona de desescalada na cidade crucial de Afrin. Com isso, torna-se mais difícil para os curdos sírios promover sua agenda de independência – algo que serve muito bem aos interesses de Ankara.
Quanto ao Iraque, é virtualmente certo que Ankara não imporá sanções econômicas sérias a Erbil. Só ladram, não mordem.
Assim sendo, no pé em que estão as coisas, temos Bagdá, Teerã e Ankara razoavelmente alinhadas – não só na Síria mas também no Iraque. Por quanto tempo as coisas perdurarão como estão no ninho da aranha regional, ninguém sabe.*****

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