‘Para que Brasil recupere sua credibilidade internacional, é preciso restabelecer o mandato daquela que foi eleita democraticamente por 54 milhões de brasileiros’, diz ex-presidente a jornal francês
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estampa, nesta quarta-feira (13/07), a capa do jornal francês Libération. Uma longa entrevista conduzida pela correspondente do diário em São Paulo, Chantal Rayes, realizada no Instituto Lula, é a principal matéria da publicação, que ganhou na capa o título “Os pobres são a solução”. A entrevista trata do processo de impeachment de Dilma Rousseff, das investigações em torno da Petrobrás, dos Jogos Olímpicos e da possibilidade de Lula tentar voltar à Presidência nas eleições de 2018.
Para Lula, a crise econômica que atinge o Brasil não pode ser desassociada de uma crise econômica global. “A crise está em todos os lugares”, disse ele, elencando as dificuldades dos Estados Unidos de retomarem o crescimento econômico, o fato de a China ‘patinar’ e de a Europa não saber como lidar ainda com o plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido e com a questão dos refugiados. “Esses países, que sempre defenderam o livre-comércio, foram os primeiros, em 2009, a criar barreiras de comércio para lutar contra os efeitos da crise financeira”, afirmou.
Lula acredita, assim, que “a crise mundial é também de natureza moral, não somente econômica ou política”, citando, em seguida, as investigações da Lava Jato. O ex-presidente atribui aos governos do PT o fortalecimento da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União, além de ter ampliado a autonomia do Ministério Público, o que teria permitido a realização dessas investigações: “Minha única crítica é que a Justiça, algumas vezes, parece estar mais preocupada em criar notícias para a imprensa do que em realizar um inquérito corretamente. Mesmo se a pessoa é inocentada, ao final, pelos tribunais, ela acaba sendo condenada pela opinião pública”.
Lula é capa de edição do jornal Libération
Erros na economia
Lula criticou aspectos da política econômica da gestão Dilma. “Dilma reconhece que sua política de exoneração fiscal às empresas, que reduziu a arrecadação do Estado, foi longe demais. Entre 2011 e 2015, o Estado renunciou a cerca de 500 bilhões de reais. E, fato muito grave, sem exigir nada em troca do patronato”, explica.
Segundo o ex-presidente, a crise econômica que cercou o período da reeleição de Dilma fez o empresariado perder confiança, e os bancos a cortarem os empréstimos. “Para reequilibrar as contas, Dilma tentou reduzir as despesas, mas o Parlamento, ao contrário, aprovou leis para aumentá-las! O Parlamento parece ter apostado na crise, até que surgisse a ideia do golpe”.
O Libération perguntou, então, diretamente, se Michel Temer era um “golpista”. Para Lula, Temer “é um constitucionalista” e sabe que Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Além disso, como presidente interino, sua missão seria conduzir o ministério de Dilma, mas Temer age como se o processo de impeachment já houvesse acabado. “Ele trocou desde o ministro da Fazenda até o garçom que servia o café. É como se você me emprestasse sua casa nas férias e, na sua volta, eu a tivesse vendido. Como se Dilma nunca tivesse existido. Como se Temer não tivesse jamais feito parte do governo, considerando que ele foi seu vice-presidente por cinco anos”.
Lula diz que acredita na possibilidade de retorno de Dilma. “Se eu não acreditasse, não faria mais política. O processo permite seu retorno. Dilma depende somente de seis votos. Não é difícil de conseguir”, afirmou. Sobre como governar em caso de retorno, Lula completou: “A política é a arte do impossível. Eu acredito na democracia, na capacidade de persuasão. Para que o Brasil recupere sua credibilidade no mundo, é preciso restabelecer o mandato daquela que foi eleita democraticamente por 54 milhões de brasileiros”.
Para Lula, só a mobilização popular não garante a volta de Dilma. Ele citou o processo das Diretas-Já!, em 1983, quando milhões foram às ruas, mas acabaram derrotados no Parlamento. “É preciso conversar com os senadores, ver em que condições eles votariam pelo retorno de Dilma. Só ela pode falar com eles. Ela deve olhar nos olhos deles e dizer o que ela pretende fazer caso ela volte ao poder”.
Candidatura em 2018
Lula disse que pode se lançar candidato à Presidência em 2018, dependendo de sua condição de saúde e da situação política do país. “Eu conto com a emergência de jovens esperanças da política. Já fui presidente. Mas se existir o risco de colocarem em questão nossas polícias sociais, eu me reapresentarei.”
O ex-presidente afirmou ao Libé acreditar que esse risco existe. “O Brasil precisa compreender que os pobres são a solução dos nossos problemas econômicos. Se você der cem dólares a um pobre, ele não vai depositar no banco, não vai investir em bônus do Tesouro. Ele vai correr ao supermercado e comprar o que comer. É o que nós fizemos com a Bolsa Família, o crédito à agricultura familiar e ao programa do microempreendedor individual.”
Ricardo Stuckert / Instituto Lula
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A fala de Lula, que acabou destacada na capa do jornal, continua: “Quando colocamos o dinheiro na mão de um grande número de pessoas, nós reativamos o comércio, o que reativa a indústria, o que reativa o desenvolvimento. Não é preciso ser economista para saber essas coisas. Na verdade, os economistas são os que sabem menos disso. Eles se interessam mais sobre o que pensa o FMI ou o Banco Mundial. A crise não vai diminuir enquanto a gente não compreender que uma microeconomia forte é a base de uma macroeconomia com boa saúde. Mas, se a gente corta as despesas públicas, principalmente os gastos sociais, se reduzimos os salários, o país se enfraquece.”
Sobre as questões políticas, o ex-presidente reconheceu que o PT vive um momento difícil, mas avalia que essa crise do partido não beneficiou os adversários PSDB e PMDB. “O partido tem o dever de se explicar todos os dias, debater, ir à rua. O PT não pode se esconder.” Lula também disse que não sabe se pode ou não ser preso.
Política externa brasileira
Um dos temas tratados na entrevista ao Libé foi a política externa brasileira. Questionado sobre o fato de José Serra ter afirmado que a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU não ser uma prioridade do Brasil, Lula respondeu que a ordem política do pós-guerra não pode mais perdurar. “As instituições de Bretton Woods, o FMI, o Banco Mundial estão ultrapassados. Não há explicação geopolítica para que a América Latina, a África, a Índia, mas também o Japão e a Alemanha, não tenham assento no Conselho de Segurança.”
Na avaliação do ex-presidente, se esse conselho fosse mais representativo, não haveria a guerra do Iraque ou na Líbia e o Estado palestino já teria sido criado. “Tenho pena de ver o Brasil voltar hoje a ter esse complexo de inferioridade, ficar se perguntando o que pensa a Europa, os Estados Unidos, a China. Eu quero saber o que eles pensam, mas eu quero também que eles saibam o que eu penso. Quero ser tratado de igual para igual.”
Reprodução
Trecho da entrevista de sete páginas de Lula ao jornal francês Libération
Lula tratou também da atuação destacada do Brasil nas discussões sobre o aquecimento global e sobre a atuação do Brasil na criação de novas instituições, como o Banco dos Brics e a Unasul. Questionado sobre por que sua figura foi tratada de igual para igual por lideranças globais, Lula respondeu: “Eu representava algo novo na política internacional: era o único operário a chegar ao comando de um grande país. Todo mundo duvidava da minha capacidade de governar. Mas isso permitiu que eu me beneficiasse de uma grande solidariedade por parte de dirigentes de todo o planeta. De modo que eu rapidamente expliquei a Bush que meu inimigo não era Saddam Hussein, mas a fome no meu pais, que esse era o inimigo que eu queria vencer. Depois disso, muitos dirigente quiseram me ajudar. As pessoas não gostam dos que não respeitam a si mesmos, os lambe-botas.”
Fonte: Opera Mundi