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quinta-feira, 6 novembro, 2025

Costa Rica, entre a biodiversidade e a “bioinsegurança”

Fotos de Lesyani Sobrado

San José (Prensa Latina) A Costa Rica, nação identificada à primeira vista pela publicidade turística como detentora de 5% a 6,5% da biodiversidade mundial, também assume o triste sinal de ser uma das mais inseguras.

Por Antonio Paneque Brizuela

Correspondente-chefe na Costa Rica

Outrora um estado proeminente após a decisão oficial de abolir o exército em 1948, sua força policial, agora igualmente deficiente, revela cada vez mais sua incapacidade de combater o crescente tráfico de drogas e sua consequente taxa de criminalidade, que neste ano já ultrapassou 600 homicídios, incluindo feminicídios recordes e outros crimes que afugentam os visitantes.

Turismo e insegurança, claro, revelam ângulos opostos do conflito, já que o primeiro representa oito por cento do Produto Interno Bruto (PIB) e gera milhares de empregos, enquanto a segunda tende a reduzir o número de visitantes e a renda desse setor.

Especialistas e autoridades de todos os setores concordam que o tráfico de drogas é a principal causa de assassinatos, pois une gangues criminosas, resultando em acertos de contas, vinganças e recrutamento (ou recrutamento forçado) de jovens para o negócio.

Esta última explicação fica incompleta se ignorarmos outra realidade, talvez mais objetiva: a má situação econômica e social, que determina a criminalidade em qualquer país.

A INSEGURANÇA AFETA TODA A SOCIEDADE

Uma interpretação mais realista do assunto é oferecida pelo intelectual e jornalista costarriquenho Rafa Ugalde, que afirma que essa situação nacional “tem profundas raízes socioeconômicas, consequência das políticas neoliberais em toda a América Latina”.

A chamada insegurança — disse o analista à Prensa Latina — “afeta toda a sociedade depois que milhares de jovens ficaram sem educação pública, enquanto centenas de milhares de mães não têm mais acesso a creches estatais onde podem deixar seus filhos e contribuir para sua subsistência diária.

“Adquirir uma casa digna”, enfatizou Ugalde, “é um sonho, e cada vez mais pessoas estão vivendo em favelas porque o direito humano à moradia digna se tornou um negócio sustentável para os bancos”.

Esses últimos argumentos são apoiados por um estudo da Universidade da Costa Rica (UCR), que mostra que o país enfrenta uma escassez de moradias de cerca de 145.000 casas, enquanto a oferta de títulos habitacionais para essas unidades está diminuindo e a disponibilidade de crédito para sua construção permanece inalterada.

“O acesso a um lugar adequado para viver é uma das maiores dívidas sociais do Estado centro-americano”, acrescenta o estudo “Avaliação da Situação e Tendências do Setor de Habitação e Assentamentos Humanos 2024: Avanços, Obstáculos e Desafios”.

As raízes formativas da origem deste flagelo alegado por Ugalde tornam-se objetivas com outra notícia, desta vez do programa Estado Nación, afirmando que “nos últimos anos, o investimento social em educação, medido como porcentagem do PIB, conheceu sua pior queda”.

Um relatório daquela instituição, representativa de todas as universidades locais, intitulado “Investimento está em queda livre e programas sociais estão em risco”, revela que essa redução, atribuída a decisões políticas, “representa um retrocesso de duas décadas no financiamento educacional”.

Mas o acadêmico costarriquenho olha ainda mais longe em busca das origens da situação da criminalidade em seu país e a relaciona ao que acontece em outros países, “como Equador, Colômbia ou Peru, com tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e ganhos ilícitos”.

“Então, essa violência aqui e ali”, afirma Ugalde, “terá que ser agradecida ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e aos nossos neoliberais inescrupulosos”.

O POVO TICO, A PRINCIPAL VÍTIMA

Enquanto isso, a principal vítima da insegurança no país, com seus mortos, feridos, mutilados, lutos e luto familiar, continua sendo a população, que 56% identifica esse problema como o mais grave do país, segundo a última pesquisa do Instituto de Estudos Sociais da População da UNA.

Por sua vez, o vice-diretor da Agência de Investigação Judicial (OIJ), Michael Soto, acredita que a atual onda de violência é causada principalmente por disputas territoriais envolvendo gangues criminosas associadas ao tráfico de drogas.

“Os confrontos”, afirma ele, “entre pelo menos seis desses grupos criminosos, que disputam áreas de influência ligadas ao tráfico de drogas, microtráfico e tráfico intermediário, estão impulsionando os atuais homicídios na capital, San José, e em outras partes do país.

Tiroteios entre gangues, que ocorrem principalmente no sul da capital, resultam em crimes como as oito mortes e 10 feridos registrados em um fim de semana recente, além de acertos de contas, resultando em inúmeras vítimas colaterais, disse o funcionário do OIJ.

“Essas vítimas”, explica ele, “resultam de ataques com armas de fogo e facas durante massacres virtuais entre essas gangues armadas de drogas, devido a divisões internas, traições e alianças rompidas, que desencadeiam muitos dos episódios violentos”.

O criminologista e ex-chefe do OIJ, Gerardo Castaing, por outro lado, alertou sobre o contexto social e estrutural “que permite que o crime avance mais rápido do que a capacidade da polícia”.

ATAQUES A POLICIAIS UNIFORMIZADOS E CORRUPÇÃO POLICIAL

Enquanto escrevemos estas linhas, um programa de televisão da Costa Rica está relatando um tiroteio que deixou cinco pessoas feridas em um centro recreativo.

Reportagens televisivas, principalmente as do programa “Alerta 8” do canal (a maioria com vídeos legítimos), refletem episódios sangrentos dessa tragédia, que substituem o melhor (ou o pior) dos thrillers clássicos do cinema americano.

Um deles descreveu quatro indivíduos responsáveis ​​por um ataque à polícia, no qual os atiradores usaram fuzis de assalto AK-47 e AR-15 contra suas vítimas, dois deles policiais, um dos quais ficou mortalmente ferido.

Outras seções do “Alerta 8” relataram o assassinato a tiros de uma mulher grávida e seu filho de 11 anos, que lutaram para salvar a mãe; e detalharam as mortes de três advogados que defendiam traficantes de drogas em questão de meses.

Outros meios de comunicação da Costa Rica estão publicando notícias como a de alguns dias atrás sobre o envolvimento de policiais e outras autoridades em uma quadrilha de 10 narcotraficantes condenados a 321 anos de prisão, segundo o jornal CR Hoy.com.

O grupo criminoso também incluía agentes de trânsito e funcionários de outros órgãos de segurança envolvidos em homicídios, violações da Lei de Substâncias Psicotrópicas, posse ilegal de armas e associação criminosa.

A célula do traficante conhecido como “Diablo”, principal foragido da Justiça do país, operava na Zona Norte e era composta por pelo menos 16 integrantes. Eles foram presos em dezembro de 2023 e usavam dois resorts turísticos para armazenar drogas e se esconder.

O crescente aumento do tráfico de drogas e suas consequências são, há muito tempo, alvo de críticas de legisladores, lideranças comunitárias, sindicatos e órgãos reguladores, como a Controladoria-Geral da União, a Ouvidoria-Geral da União, além de representantes de organizações não governamentais e organismos internacionais.

A preocupação internacional com esses atos criminosos também está surgindo em grandes países emissores de turismo, como o Canadá, cujo governo emitiu um alerta pedindo que seus cidadãos tomem precauções durante suas visitas à Costa Rica.

E eles estavam certos: o canadense Christopher Dier foi assassinado em julho durante um assalto enquanto caminhava com sua esposa, enquanto em 7 de agosto, o americano Jonathan Cuthbert foi vítima de um assalto em sua casa.

A ameaça à população costarriquenha devido à posse de armas de fogo por criminosos aumentou com a captura de cerca de 5.000 pessoas neste ano, de acordo com o Ministério da Segurança Pública.

Algo nada incomum hoje em dia, mas lamentável neste país da América Central, antes conhecido como “A Suíça da América Central”, onde agora é comum a mídia noticiar, a qualquer hora do dia, tiroteios, esfaqueamentos (e acidentes de trânsito por estupro) resultando em inúmeras mortes e ferimentos.

Tudo isso é imerecido por esse povo nobre, trabalhador e ético, defensor de tradições históricas, heroicas e democráticas, justamente sob cuja proteção dispensaram as forças armadas de que tanto necessitam para se defender do narcotráfico, ao qual as instituições atribuem o aumento da criminalidade.

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