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Foto: Mladen Antonov / AFP)
Foi uma Copa do Mundo de espetáculos e disputas arrepiantes, de emoções incontidas dentro de campo e nas arquibancadas, nas ruas. Lágrimas em rostos de todas as idades, etnias e origens.
Porque diante da deusa bola todos são iguais, do mesmo tamanho, humanos. E pequeninos perante o mistério do inesperado, do desconhecido. As surpresas, a cada jogo, parecem não ter fim.
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Como as bonecas ‘matrioskas’, regalos russos, que se multiplicam quando se abrem, maravilhosas.
Foto: Shaun Boterill
Uma França misturada
Nessa Copa, em gramados da Rússia, nascia para o mundo da bola um craque, quase menino, chamado Mbappé – Kylian Mbappé Lottin, filho de mãe argelina e pai camaronense, veio ao mundo no dia 20 de dezembro de 1998. Um artilheiro, forte e veloz, Campeão do Mundo pela França. Foi aí que os franceses inventaram: “Liberté, egalité, Mbappé!’, hino dos ‘Les Bleus’ nas arquibancadas. Mas, talvez, o jogador que mais tenha simbolizado, encarnado o futebol envolvente, bonito e objetivo da França Campeã em 2018 tenha sido o meio-campista Pogbá. Negão como Mbappé. Um príncipe em campo, quase brasileiro, um misto de Didi, Ademir da Guia, Falcão, Zidane … elegante, esbelto, cabeça erguida, passadas largas, com ampla visão de campo, pura inteligência e técnica, líder, força pura.
Sim, a despeito de Mbappé, do croata Modric (vice-campeão do mundo) ter sido agraciado pela FIFA como o Craque da Copa… ninguém encantou tanto como Pogba, pelo seu futebol bailado, belo, arte, poesia.
Diga-se mais e em alto timbre, que aquela França campeã em terras russas nada tinha mais a ver com a França branca e arrogante de Napoleão ou De Gaule. Era uma França em campo predominantemente negra, miscigenada, com jogadores de pele escura e origem africana, árabe, de migrantes trabalhadores e aventureiros. Outros tempos, uma seleção do mundo, bleu, blanc, rouge. Oui.
Foto: Joe Klamar/AFP
Neymarite dolorosa
Para nós, brasileiros, ficou sendo a Copa das presepadas de Neymar. Pena.
Em 2018, na Rússia, como já em 2014 no Brasil, padecíamos de uma incurável moléstia, a ‘neymardependência’ crônica. Ele resolveria tudo. Foi assim na fracassada ‘era Tite’: “É Neymar e mais 10 em campo”, repetia.
Celebridade, influencer, um corte estiloso de cabelo para cada jogo, sobrancelhas no risco, tatuagens pelo corpo inteiro, caras & bocas … Só que, em campo, nosso ‘atleta’, o camisa 10, estava em fase de recuperação após uma lesão grave, uma fratura no pé, fruto de seu jeito vaidoso, bonito e individualista de jogar, retendo demais a bola, chamando o adversário para o drible, provocando e tentando desestabilizar o inimigo, enraivando-o, afeito a um corpo-a-corpo nem sempre vantajoso. Então baleado, pé e tornozelo doloridos, ele, o ‘garoto mimado’ do grupo, buscou um jeito de evitar ou de se prevenir de novas lesões, adotando estripulias espalhafatosas, quedas e rolamentos cinematográficos a cada choque, cada contato mais brusco com o adversário. Presepadas. Ele oferecia o corpo e se atirava no chão, aos berros – ouvíveis até cá no hemisfério sul brasílico – rolando e rolando pelo chão.
Com tantas câmaras de tevê e VAR a ver e registrar… tornou-se o alvo preferido dos adversários injuriados, ‘quebra ele!”, e nem os árbitros o levavam mais a sério: – O que era falta, o que era fita? Suas presepadas viralizaram-se, tornaram-se o ‘meme’ planetário da Copa durante meses e, por muito pouco, não sepultaram prematuramente a carreira de um ídolo, um craque… de cabeça oca, apadrinhado e acoitado pelos treinadores e parças. Virou galhofa.
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A seleção, além de Neymar danificado física e moralmente, tinha o lateral Marcelo com dores lombares, Danilo lesionado, Douglas Costa estourado… a enfermaria do dotô-professô Tite andou frequentada. E o Brasil voltou pra casa mais cedo, nas quartas, derrotado pela Bélgica de um tal De Bruyne.
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A hora e a vez de Putin
A Copa da Rússia era um importante acontecimento da era Putin. Assim foi tratada por lá. Os olhos do planeta voltados para o gigante país do norte e o dirigente, o presidente (ex-agente da temível KGB), mais uma vez reeleito, um populista dito moderno, liderança reconhecida mundialmente, na fita, poderoso. Não é de hoje, de ontem ou de amanhã que futebol e Copa do Mundo servem, serviram e servirão a interesses políticos e financeiros dos gananciosos planetários.
– Pela segunda vez Moscou sediaria a abertura de um grande evento esportivo, no mesmo espaço, o Estádio Central Lenin, rebatizado como Estádio Lujinik (o Luzhniki Stadium, capacidade para mais de 80 mil). Em 1980, no auge da guerra fria, lá aconteceu a abertura dos Jogos Olímpicos – Olimpíadas, com Leonid Brejnev, aquele do cenho peludo, no poder. Em 2018, governo Putin, 14 de junho, abertura da Copa do Mundo.
Putin precisava dessa copa para limpar sua imagem de filhote frio e cruel da KGB, mostrar que a Rússia tinha lá suas ambições democráticas no mundo, a despeito da anexação da Criméia em 2014, a beligerância com a Ucrânia, do apoio ao governo da Síria, do cerco interno aos homossexuais, das restrições às liberdades individuais, inclusive de expressão, de um super estado russo opressor.
Queria, mas no dia da abertura da Copa, nenhum chefe de estado de relevância maior marcou presença em Moscou. Ao lado de Putin apenas o Príncipe saudita Mohammed Bin Salman, até porque a seleção de seu país jogava.
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“… O Mikhail Gorbachev conseguiu fazer uma transição gradativa para um estatal capitalismo sem sangue, sem conflitos maiores. Hoje vejo que ele foi um gênio nesse processo, vendo de perto o protofascismo que Putin jura ser uma democracia. Na Rússia tudo é extremo, sem meio termo para nada. É um país complexo, que talvez só o russo entenda, extremamente homofóbico e racista, que mata negros, gays e jornalistas. … Além da corrupção permear todos os escalões, o ‘jeitinho’ deles é ensinado nas escolas. O russo tem um quê de brasileiro. Depois da amizade feita, já está coma vodka na mão, doando um rim, mesmo sem precisar”
(escreveria na época o jornalista Andrei Yuriovitch)
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O governo russo investiu em estádios e infraestrutura para a Copa mais de 38,4 bilhões de reais, 23% mais que o Brasil em 2014. Valeria a pena, por conta de uma audiência mundial de três bilhões de pessoas/tv, cinco mil jornalistas credenciados presentes.
Os 12 estádios:
– Em Moscou, o Spartak Stadium e o Luzhniki Stadium; em São Petersburgo, o Saint Petersburg Stadium; em Calinigrado, o Kaliningrad Stadium; mais o Kazan Arena, o Nizhny Novigorod, o Samara Arena, o Volgograd, em Saransk o Moldovia Arena; o Rostov Arena; o Ekaterinburg Arena e, em Sóchi o Fisht Stádium.
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Iuri Rodenkov, ex-jogador de futebol russo e atualmente (2018) professor de jovens e adolescentes, disse que “Toda criança russa sonha em ser astronauta ou goleiro”.
Astronauta por conta de Iuri Gagarin (1934 – 1968), o primeiro homem, cosmonauta, que viu o planeta terra lá de cima, do além, nossa morada, inteira azul, em 1961.
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Ou o goleiro Lev Yashin (1929 – 1990), o Aranha Negra, campeão olímpico em 1956, uma lenda, mito nacional, que deixou dito: “A alegria de ver Gagarin no espaço só é superada pela alegria de uma boa defesa de pênalti” .
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Você sabia?
– Foi na Copa da Rússia que estreou o VAR – Vídeo Assistant Referee
– O Brasil é o único país presente em todas as Copas do Mundo, disputadas desde 1930.
– Islândia e Panamá estavam presentes pela primeira vez em Copas, na Rússia, que também pela primeira vez abrigou a competição. O melhor desempenho da Rússia foi na Copa de 1966, um quarto lugar.
– Os alemães marcaram presença em oito finais, venceram quatro. Na Rússia caíram espantosamente na fase de grupos.
– Os capitães do penta e suas respectivas posturas como líderes em campo: Beline, na Suécia, em 1958 – respeito; Mauro, em 1962, no Chile – elegância; Carlos Alberto Torres, em 1970, México – carisma; Dunga, em 1994, nos EUA – firmeza; Cafu, em 2002, copa da Coréia/Japão – camaradagem.
– O Brasil disputou sete finais, venceu cinco: 58 na Suécia, 62 no Chile, 70 no México, 94 nos EUA e 2002 no Japão/Coreia do Sul. Perdeu a de 50, para o Uruguai, e a de 98 para a França de Zidane, em Paris.
– Foi usada mais uma vez bola da Adidas, a Telstar 18, parecidíssima com a Telstar da Copa de 1970, no México. Claro, com toda uma nova tecnologia: material, gomos, desenhos, tessituras que amaciam o choque, não permite que deforme, encharque ou aumente de peso. O fabricante aprendeu muito com a Jabulani, da Copa de 2010, na África do Sul, muito criticada, e com a Brazuca da copa passada/ no Brasil, muito elogiada pelos atletas. A Telstar 18 seria uma ‘brazuca’ aperfeiçoada e com um chip.
– O mascote oficial da Copa da Rússia foi um risonho e serelepe lobinho chamado Zabivaka (goleador), que usa uma máscara nos olhos (seria um óculos).
– No pôster oficial da Copa aparece um goleiro ‘voando’ e tapeando uma bola gigante. Uma homenagem ao maior de todos os goleiros da história da Rússia, o lendário Lev Yashin, o ‘Aranha Negra’, um mito.
Tempos vampirescos
O Brasil de 2018 vivia uma crise de transição. Governava o país um advogado de nome Michel Temer, que fora eleito vice-presidente na chapa da reeleição de Dilma. A nossa presidenta foi derrubada, por golpe ou impeachment, até hoje se discute, nenhum VAR tira essa dúvida. Ou teria sido mesmo um golpe via armação de um impeachment bem urdido por togados e engravatados, vice, deputados, senadores, tribunais, opositores e ex-‘cumpanhêros’… Quem sabe do breu das tocas de Brasília?
O certo é que tinha a caneta e o trono do palácio o ‘Doutor’ Temer, a quem o irônico e satânico baiano ACM chamava de ‘Mordomo de Filme de Terror’; sempre elegante, cheio de mesóclises e riso de vampiro. Anos de recessão, ajustes, desemprego, ódios, insegurança… e uma campanha política para escolha de novo presidente que deu até em facada.
Isso é outra história. Macabra.
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Uma seleção opaca
Na fase de grupos, a seleção brasileira enfrentou a Suíça, Costa Rica e Sérvia. A estreia foi em Rostov, dia 17 de junho, empate de 1 x 1 contra a Suíça. Saímos reclamando de um empurrão faltoso no gol da Suíça e de um pênalti não marcado em Gabriel Jesus, lances decisivos na segunda etapa. Arbitragem mexicana. Mas faltou mesmo foi brilho à equipe, que abriu o placar no primeiro tempo (Phillipe Coutinho) e acomodou-se, como se já tivesse ganho. A segunda etapa foi dramática porque a Suíça empatou logo no começo, numa cabeçada do grandalhão Zuber, atropelando Miranda. Sentimento de frustração e sabor de derrota. Prenúncio do que viria.
Na sequência, o Brasil classificou-se, sem encantos, vencendo a Costa Rica (2 x 0) e a Sérvia (2 x 0). Nas oitavas, nosso melhor jogo, passamos pelo México (2 x 0) mas caímos nas quartas de final para a Bélgica (2 x 1), 6 de julho, no Kazan Arena.
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Escrevi à época:
“Predomínio europeu. Sul-americanos fora da Copa. O Uruguai perdeu da França e o Brasil caiu diante da Bélgica. Venceram os melhores em campo. Os uruguaios não alcançaram os franceses em campo. Os brasileiros não acharam os belgas no primeiro tempo e levamos dois gols, o meia De Bruyne destroçou nossa defensiva. Tivemos um meio campo desorganizado e, na frente, fomos pouco inspirados, nossas estrelas em tarde opaca”.
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Recapitulando…
O primeiro tempo foi inteiro da Bélgica, 2 x 0, decisivo. O nosso time nervoso, marcando mal e sem inspiração na frente. Os belgas fechadinhos e inteligentes, explorando contragolpes pelos lados do campo, nas costas de Marcelo, sobretudo. Fernandinho e Paulinho perdidos pelo meio. Os vermelhos fizeram 1 x 0 após cobrança de escanteio, a bola triscou na cabeça de Company, bateu no cocuruto de Fernandinho e Álisson só espiou.
Quando o Brasil parecia ter se recuperado do golpe, mais assentado em campo, veio
o contragolpe fatal: Gol de De Bruyne – 2 x 0. Lukaku arrancou da defesa, varou o meio campo em velocidade, passou como quis por Fernandinho, Paulinho e lançou na direita para a chegada de De Bruyne, a marcação frouxa de Marcelo, o tiro forte, cruzado à meia altura, o goleiro Álisson fez que foi mas não chegou nela.
O segundo tempo foi mais equilibrado, Tite fez mudanças, o Brasil atacou, expôs-se ao contragolpe, o goleiro Courtois fechou atrás. O gol de honra saiu com Renato Augusto, aos 30’, de cabeça. Não foi suficiente, voltamos pra casa mais cedo.
Os destaques da geração belga:
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