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segunda-feira, 22 dezembro, 2025

Conselho de Direitos Humanos, multilateralismo e credibilidade em questão

Paris (Prensa Latina) O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) abriu um caminho de paz para a humanidade e a esperança de uma relação entre os países baseada na responsabilidade coletiva pela sua manutenção, na resolução pacífica das diferenças e no enfrentamento conjunto dos grandes desafios, lançando as bases do multilateralismo como um sistema de coexistência.

Por: Waldo Mendiluza*
Correspondente-chefe na França

“O multilateralismo não é uma opção, mas uma necessidade para reconstruirmos um mundo melhor, com mais igualdade, resiliência e sustentabilidade”, afirmou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, num cenário global marcado por interesses hegemônicos, pelo uso da força ou pela ameaça do seu uso, e pela tentativa de marginalizar atores que deveriam ter voz na arena internacional.

Uma parte fundamental dessa arquitetura em busca da paz, segurança e desenvolvimento é o respeito aos direitos humanos, entendidos como o direito de todas as pessoas de existirem em liberdade e dignidade, independentemente de raça, cor da pele, origem ou condição social, sexo, idioma, religião ou opinião política.

Em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948 em Paris pela Assembleia Geral da ONU, três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, considera que “o reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis ​​de todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Composta por 30 artigos, o primeiro dos quais reconhecia que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e que devem comportar-se fraternalmente uns para com os outros.

Assim, a comunidade internacional já contava com um instrumento promissor, a Comissão de Direitos Humanos, criada em 1946 para estabelecer a estrutura jurídica e internacional que protege os direitos e liberdades fundamentais.

Com o tempo, o órgão, composto por 53 Estados-membros, expandiu seu mandato e escopo, abrindo espaço para a sociedade civil.
No entanto, também se tornou vítima dos interesses de potências como os Estados Unidos e suas ambições hegemônicas, que, diante da resistência de alguns países, transformaram a Comissão em um instrumento para atacar governos específicos.

Por meio de relatores, relatórios e organizações não governamentais, o órgão, que pretendia ser um instrumento multilateral, tentou repetidamente colocar países como China, Cuba, Irã, Iraque, Líbia, Nicarágua, Síria, Sudão do Sul, República Popular Democrática da Coreia, Rússia e Venezuela em situação delicada.

Os direitos humanos tornaram-se uma arma baseada na seletividade, em dois pesos e duas medidas, na politização e na individualização, enquanto a organização evitava condenar ações do Ocidente, incluindo invasões, atos de racismo, assassinatos seletivos e outros.

Uma das vozes respeitadas do chamado Sul Global, Cuba, denunciou repetidamente a perda de legitimidade e credibilidade da Comissão de Direitos Humanos, apesar dos esforços para resgatá-la em nome do diálogo e da cooperação.

Em diversas sessões, a ilha exigiu o fim da seletividade e da utilização, por Washington e seus aliados, da entidade como propriedade privada e tribunal inquisitorial, sempre contra governos fora de sua esfera de domínio.

Em 15 de março de 2006, em uma votação expressiva, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, por 170 votos a favor, quatro contra e três abstenções, a resolução A/RES/60/251, que criou o Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra, como um órgão subsidiário da Assembleia.

Três meses depois, a Comissão encerrou seus trabalhos e se dissolveu, dando lugar ao Conselho, que entrou em funcionamento em 19 de junho de 2006.

CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

A então inovadora ferramenta intergovernamental da ONU, focada no fortalecimento da promoção e proteção dos direitos humanos em todo o mundo, era composta por 47 estados-membros.

Sua missão continuou sendo marcada pelo nobre objetivo de combater as violações dos direitos humanos, responder a emergências nessa área e fazer recomendações; no entanto, as condições que levaram à queda de seu antecessor não mudaram: a tentativa de alguns de impor sua vontade e seus valores.

Desde a sua fundação, o Conselho realizou mais de cem sessões ordinárias e extraordinárias, acolheu debates urgentes e adotou mais de 1.500 resoluções, segundo especialistas, uma tarefa com aspetos tanto positivos como negativos.

Uma das novas características do organismo é a Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo único motivado pela cooperação entre os Estados, que se submetem a cada quatro anos e meio a uma análise do seu desempenho no domínio dos direitos humanos.

O princípio é simples e transparente: a apresentação de um relatório nacional sobre a situação interna, o debate entre os membros e as recomendações e críticas construtivas para a sua melhoria.

O experiente político e diplomata venezuelano Jorge Valero argumentou que a Revisão Periódica Universal (RPU) deveria ser baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração e Programa de Ação de Viena, observando que esses são os únicos instrumentos globalmente aceitos.

Durante seu período como embaixador junto ao Conselho, ele também defendeu a fidelidade aos princípios da universalidade, objetividade e não seletividade nas discussões, a fim de evitar a politização da questão delicada.

Da mesma forma, ele exortou a todos a sempre terem em mente, em qualquer exercício, que os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes, e que estão relacionados entre si.

“Os defensores do neoliberalismo têm procurado impor um modelo único de democracia. Alegam defender os direitos civis e políticos, quando na realidade os minam e limitam, fomentando sistemas e instituições que servem uma pequena elite política”, alertou Valero, que ao longo da sua carreira representou o seu país perante a ONU, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Conselho de Direitos Humanos e a União Europeia, cargo que ocupa atualmente.

Quase duas décadas após a criação do Conselho, os problemas do passado estão se tornando cada vez mais evidentes.

“O Conselho parece não ter aprendido com os erros que levaram ao fracasso da Comissão anterior. Abordagens seletivas e punitivas continuam a prevalecer em vez de um diálogo construtivo e uma cooperação respeitosa, sem interferências”, denunciou Rodolfo Benítez, embaixador de Cuba na ONU em Genebra, no final de agosto.

O diplomata lembrou o desaparecimento, em 2006, da Comissão de Direitos Humanos, que ficou mergulhada em descrédito e politização, tornando-a “inútil”.

Benítez reiterou o apelo da ilha e de outros países do Sul Global para que se retome o caminho nos termos acordados há quase 20 anos, cenário no qual Cuba vem promovendo insistentemente uma resolução no organismo multilateral em favor da Promoção de uma Ordem Internacional Democrática e Equitativa.

Recentemente, o ex-especialista independente da ONU, Alfred de Zayas, questionou se os mecanismos de direitos humanos foram cooptados por interesses políticos ocidentais, minando a confiança no sistema multilateral.

Nesse sentido, ele apelou à consciência coletiva em um ensaio escrito antes da Segunda Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, que será realizada em Doha, em novembro.

“Civilização significa o Estado de Direito, transparência, responsabilidade, justiça e solidariedade internacional”, declarou de Zayas.

As seguintes pessoas colaboraram neste trabalho:
Amélia Roque
Editora Especial, Prensa Latina
Antônio Rondón
Chefe da Mesa da Europa

Laura Esquivel

Editora Web Prensa Latina

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