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segunda-feira, 16 setembro, 2024

Conflito Rússia/Ucrânia: Como os meios de comunicação corporativos mentem

© Sputnik / Konstantin Mikhalchevsky

Um caso clássico de desinformação: a queda de Bakmut

Gilbert Doctorow [*]

Nossa língua está em evolução constante. Em parte, isto ocorre de baixo para cima, a partir da inventividade de personalidades criativas ou de redatores de publicidade comercial. Em parte, é de cima para baixo, a partir dos poderes que procuram manipular e controlar os processos de pensamento do público.

Meu breve ensaio de hoje trata deste último fenômeno e da introdução da palavra “desinformação” no linguajar comum. Há nela uma frescura encantadora, ao contrário da obsoleta e repugnante palavra “propaganda”.

A palavra “desinformação” tem um contexto específico no tempo e na intenção: é utilizada pelo poder e pela mídia mainstream que eles controlam para denegrir, marginalizar e suprimir fontes de informação militares, políticas, económicas e outras que possam contradizer a narrativa oficial do governo e assim diluir o controle exercido pelas autoridades sobre a população em geral. Foi para remover a “desinformação” da vida pública que os Estados Unidos e os estados membros da UE baniram o Rússia Today e outros media russos da Internet e dos canais de televisão por satélite e a cabo. A censura aqui na Europa varia de país para país e provavelmente é mais drástica em França e na Alemanha. Alguém poderia pensar que estes estados europeus estão realmente em guerra com a Rússia, não apenas a dar uma ajuda a Kiev.

Na realidade, são estes estados censores, e a mídia de massa que transmitem suas mensagens com precisão estenográfica pela disseminação impressa e eletrônica, que, dia após dia, alimentam o público com desinformação. Ela é escrita cinicamente e consiste numa mistura tóxica de distorção, pela qual os eventos são interpretados de modo enganoso em meio a absolutas mentiras.

Os muitos meses da longa batalha na província do Donbass pela cidade de Bakhmut, ou Artyomovsk, como é conhecida em russo, tem sido descrita de várias maneiras em Washington, Londres e Berlim. Quando o resultado provável não estava claro, a defesa de Bakhmut foi chamada de heroica e de exemplo da bravura em combate dos ucranianos.

Os números das baixas russas divulgados por Kiev e a seguir trombeteados por Washington sugeriam que os russos estavam estupidamente a desperdiçar as vidas de seus combatentes utilizando ondas humanas de atacantes que eram dizimadas pelos defensores, no estilo da Primeira Guerra Mundial. As vidas russas são baratas, era a mensagem. O fato de a artilharia russa no local superar em número e quantidade a artilharia ucraniana num fator de cinco ou sete para um era livremente admitido pelos propagandistas ocidentais quando imploravam pelo aumento dos fornecimentos a Kiev. Contudo, emitiam relatórios de baixas para os russos que inverteram a correlação de forças. Assumiam, obviamente com razão, que o público era demasiado preguiçoso ou demasiado desinteressado para fazer as contas.

Num momento, os publicitários (spin doctors) em Washington, Londres e Berlim diziam que a defesa ucraniana de Bakhmut fazia sentido porque estava a imobilizar as forças russas e a dar tempo aos ucranianos para treinar e posicionar seus homens para a apregoada “contra-ofensiva”, durante a qual invadiriam as posições russas em pontos específicos ao longo da linha de combate de 1000 km e abririam uma cunha até o Mar de Azov, abrindo o caminho para a retomada da Crimeia. Eram palavras e ambições grandiosas para justificar a contínua e crescente assistência militar ocidental a Kiev.

Em outro momento, os publicitários diziam que seria melhor se a Ucrânia parasse de perder homens em Bakhmut e lançasse aquela tão alardeada contra-ofensiva. Agora dizem-nos que Bakhmut é apenas uma fantasia russa, que não tem valor estratégico.

Nas últimas duas semanas, o comando russo emitiu relatórios diários sobre a captura progressiva de Bakhmut pelas forças russas, quilometro quadrado após quilometro quadrado. Fomos informados de que controlavam 75%, depois 80% e, mais recentemente, mais de 90% da área urbana, enquanto bombardeavam os blocos remanescentes de edifícios residenciais com grande altura que estavam a ser usados por defensores ucranianos para seus ataques de franco-atiradores e para obter informação de inteligência sobre os movimentos das tropas russas, pulverizando tudo pelo caminho.

Neste ponto, a atenção da mídia ocidental [que diziam] defender a verdade contra a desinformação russa, foi direcionada para os “êxitos” ucranianos na recaptura de assentamentos nos flancos de Bakhmut. Há apenas três dias, o New York Times dizia aos seus leitores que estes “feitos” dos ucranianos colocavam em risco as forças russas que controlavam a cidade: elas poderiam ser cercadas e obrigadas a render-se ou morrer. A possibilidade de que as ofensivas nos flancos fossem destinadas apenas a facilitar a retirada dos soldados ucranianos remanescentes de Bakhmut e fossem toleradas pelos russos, para evitar sangrentos combates fatais, aparentemente não passou pela cabeça de ninguém na redação do NYT.

Ao meio dia de ontem, 20 de maio, Yevgeny Prigozhin, o líder do Grupo Wagner que efetuou a maior parte do combate por Bakhmut sobre o terreno, declarou a vitória total [NR]. À noite, o presidente Vladimir Putin anunciou ao público russo que Bakhut fora tomada. Mensagens alegre de congratulações encheram a Internet na Rússia pois a população celebrava uma vitória tão icónica quanto a Batalha de Stalingrado.

Enquanto isto, os defensores do público ocidental contra a “desinformação” russa trabalhavam arduamente, forçando os seus cérebros a descobrir o que dizer. Nesta manhã o New York Times ainda fala da batalha por Bakhmut como não decidida, apontando mais uma vez para o domínio ucraniano sobre os flancos.

Devido às perdas em homens e material na defesa de Bakhmut, a rendição da cidade aos russos será um grande golpe à moral combativa ucraniana, quando for finalmente admitida. O mesmo acontecerá com seu comandante-em-chefe, general Zaluzhny, que, segundo fontes russas, foi hospitalizado nas últimas duas semanas e permanece em estado crítico, depois de cair como vítima de um ataque russo a um centro de comando provincial que matou a maior parte dos oficiais superiores em torno de si. No mínimo, isto indica o admirável êxito da inteligência militar russa ao dirigir o seu poder de fogo.

Assim, a atenção da mídia ocidental em relação à Ucrânia foi convenientemente redirecionada para as viagens ininterruptas do presidente Zelensky, o qual partiu da sua excursão pela Europa para o Oriente Médio, onde participou da reunião da Liga Árabe, e daí, num jato militar francês, foi para a reunião do G7 em Hiroshima, onde conversou com outros chefes de estado e se lhes juntou para as fotos em grupo obrigatórias. Toda a conversa foi sobre quando os EUA darão formalmente consentimento para o envio de caças F16 a Kiev. Para os disseminadores da desinformação ocidental, esta é uma distração maravilhosa a uma guerra que claramente está a correr mal para Kiev e, em particular, uma distração da contra-ofensiva, que parece menos provável a cada dia que passa de ataques russos aos centros de comando e aos depósitos de armas do lado ucraniano.

A coluna de fumaça e cinzas radioativas que se ergueu do paiol de munições de artilharia de urânio empobrecido britânicos em Khmelnitsky, na Ucrânia ocidental, após um ataque russo por míssil, assim como os extensos danos à instalação de defesa aérea de um sistema Patriot perto de Kiev por um míssil hipersônico Kinzhal, russo mostra-nos qual será o destino de futuras entregas de armas ocidentais à Ucrânia. É uma questão interessante saber quanto tempo mais os militares ou políticos ucranianos aguentarão a boa vida do seu presidente voador, enquanto o país está a caminho do inferno.

21/maio/2023

[NR] Posteriormente, relatório do Grupo Wagner informa que de Março/2022 a Maio/2023 foram destruídos 72 mil soldados ucranianos, 309 tanques, 566 veículos de transporte de infantaria (IFVs), 1134 veículos blindados, 83 sistemas de lançamentos múltiplos de foguetes (MLRS), 379 de combustível e lubrificantes.

Acerca da catástrofe sofrida pelo regime ucraniano em Bakhmut ver também:

[*] Analista político.

O original encontra-se em gilbertdoctorow.com/2023/05/21/the-western-media-disinformation-campaign-fall-of-bakhmut-a-case-in-point/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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