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quinta-feira, 10 outubro, 2024

Comunicação (mentira) a serviço da dominação

“A quem deve ser dirigida a propaganda: aos intelectuais ou às massas menos instruídas? Deve ser sempre e apenas dirigido às massas! (…) Toda propaganda deve ser popular e situar o seu nível no limite dos poderes de assimilação de menor alcance entre aqueles a quem se dirige. (…) A faculdade de assimilação da massa é muito restrita, a sua compreensão limitada; Pelo contrário, a sua falta de memória é muito grande. Portanto, toda propaganda eficaz deve limitar-se a alguns pontos fortes e impô-los pela força de fórmulas repetidas durante o tempo que for necessário, para que o último dos ouvintes também seja capaz de compreender a ideia. (José Goebbels)

Por Marcelo Colussi/Colaborador da Imprensa Latina

Dependendo do ponto de vista assumido, o que distingue o ser humano dos outros animais pode ser diferentes elementos: por exemplo, o “ser racional”, segundo a visão clássica de Aristóteles, que ainda rege o nosso pensamento ocidental. Ou ser um “animal político”, sendo necessariamente membros da polis, da cidade-estado, o que é o mesmo que dizer: parte da sociedade. Outra abordagem nos mostrará que este ser humano é o único ser vivo que modifica seu ambiente de acordo com seu próprio projeto, que varia ao longo do tempo. Nesse sentido, “o trabalho é a essência evidencial do ser humano”, dirá Hegel, frase retomada pelos fundadores do socialismo científico: Marx e Engels (ver a este respeito: “O papel do trabalho na humanização do macaco”, de Federico Engels).

Outra forma possível de concebê-lo é dada pela comunicação, e mais precisamente, por aquilo que a torna possível: a linguagem (que é uma forma de articular todas as visões anteriores). Os animais também possuem sistemas de comunicação, mas nunca no sentido humano. Existem códigos de comunicação complexos de acordo com as mais diversas espécies zoológicas; Existem diferentes sistemas de emissão de mensagens, utilizando os sentidos do olfato, visão, tato, audição e paladar, por vezes utilizando movimentos complicados, danças rituais, gestos faciais, atitudes posturais.

Mas há uma constante: a linguagem animal não mente. Podem existir mecanismos de “engano” (mimetismo, mudança de cor ou camuflagem, certas posições ameaçadoras, odores “mentirosos” para enganar a presa ou o predador), mas sempre na ordem do puramente instintivo, como mecanismos ao serviço da sobrevivência. Nunca há “intenção” de mentir, de falsificar; Na linguagem humana, pelo contrário, mentimos. Pensemos rapidamente, como primeiros exemplos, no discurso político, ou na publicidade: domínios absolutos de mentiras, engano e manipulação flagrante. Ou nas promessas de amor eterno. Podemos levar tudo isso a sério? Parecem uma piada, certo? Pois bem: a linguagem humana é a única que permite fazer piadas, que são, em suma, jogos de palavras.

As mentiras são constitutivas da espécie humana. Sempre existe a possibilidade de mal-entendidos em nossa comunicação, consciente e racional, ou não consciente. Os humanos se comunicam de diferentes maneiras: oralmente, escrita, gestualmente, com diversos sinais e símbolos. Pressupõe-se sempre um código universal que nos constitui: a linguagem. Segundo a definição clássica – a dada pela Real Academia Espanhola da Língua – a linguagem torna possível está comunicação, que seria a “ação consciente de troca de informações entre dois ou mais participantes para transmitir ou receber informações ou opiniões diferentes”.”. Talvez a definição seja curta, porque na comunicação, além de informar, fazemos outras coisas; Daí falarmos das diferentes funções da linguagem: conativa, poética, fática, metalinguística, emotiva, mágica.

Não é verdade, ao contrário da tradição aristotélico-tomista que hoje nos domina, que pensamos, e depois transmitimos o que pensamos através desse suposto instrumento que seria a linguagem. As ciências sociais modernas (semiótica, psicanálise, linguística) veem o processo exatamente ao contrário: a linguagem constitui-nos, arma-nos como sujeitos humanos. Como diz Paola Valderrama, “o que a psicanálise descobre é que a linguagem tem efeitos sobre aqueles que a ‘habitam’, que a linguagem não é uma ferramenta ou um objeto à disposição da vontade de cada indivíduo, mas que cada sujeito é determinado pela linguagem”. que a língua é tão decisiva para quem fala como as relações de produção podem ser determinantes para quem trabalha. Esse habitar da linguagem é o que Freud chamou de inconsciente.”

Assim, a comunicação entre os seres humanos não responde de forma alguma a meros mecanismos instintivos – como acontece no reino animal. Há sempre mal-entendidos, mentiras (se não, o polígrafo não existiria), transmissão de algo mais – ou algo menos – do que queremos dizer. “Você pode saber o que ele disse, mas nunca o que a outra pessoa ouviu”, diz Lacan. Há lapsos, por exemplo, algo que não acontece com os animais. Nesse sentido, a comunicação humana deve ser sempre encarada com cautela. Nós inevitavelmente mentimos.

Agora: no campo da comunicação de massa, a situação é ampliada a graus superlativos. Nesse espaço, o do social, do público, do massivo dirigido a grandes grupos humanos – daí o falar, cada vez mais, de “meios de comunicação de massa”, meios de comunicação de massa – o que menos há é informação objetiva. Existem mentiras vis e descaradas, sempre apelando à emoção.

Para ilustrar, talvez de forma altamente patética, o que diz o sobrinho de Freud, Edward Bernays, que, a partir da formulação do conceito de inconsciente de seu tio, trouxe essa ideia para os Estados Unidos, dando origem à psicologia do inconsciente. manipulação. Apenas o título de seu livro principal já diz tudo: “Propaganda. Como manipular a opinião pública na democracia.” Aí ele nos diz, sem qualquer vergonha, que “o estudo sistemático da psicologia de massa revelou aos seus estudiosos as possibilidades de um governo invisível da sociedade através da manipulação dos motivos que impulsionam as ações dos seres humanos dentro de um grupo”.

Pois bem: a comunicação de massas, que tem vindo a ganhar cada vez mais importância no mundo moderno, capitalista e hoje totalmente globalizado, desde a imprensa de Gutenberg até às omnipresentes redes sociais da Internet que atualmente parecem transportar a verdade revelada (mais “verdadeira” que a Bíblia que aquele tipógrafo teutônico imprimiu), hoje decide tudo.

Embora a grande massa humana não decida nada democraticamente – isso nunca foi o caso, em qualquer sociedade: apenas talvez nos socialismos do século XX houve alguns primeiros balbucios sobre isso -, hoje o poder de manipulação comunicativa que as mega capitais detêm não tem paralelo. O que as pessoas fazem, pensam, consomem, aparentemente decidem e do que gostam é produto de políticas de comunicação monumentais, gigantescas e muito bem orquestradas.

Hoje já não é apenas a imprensa escrita, o “quarto poder”, como era chamado. É a parafernália dos recursos técnicos existentes, cada um mais atraente, hipnotizante, envolvente. Lá estão eles, além da outrora onipotente imprensa escrita (agora enfraquecida), do rádio, da televisão, da internet (nova divindade inquestionável) e assim por diante que não para de crescer, influenciadores por exemplo (atores, simples operadores dessas grandes potências, talvez sem saber). Cada vez mais, os nossos hábitos de vida são ditados por estes grandes centros de decisão.

Zbigniew Brzezinsky

Zbigniew Brzezinsky

“Na sociedade tecnotrônica, o rumo será determinado pela soma do apoio individual de milhões de cidadãos descoordenados que facilmente cairão no raio de ação de personalidades magnéticas e atraentes, que explorarão efetivamente as técnicas mais eficientes para manipular emoções e controlar a direita”, poderia dizer Zbigniew Brzezinsky, um dos mais importantes intelectuais orgânicos dos últimos anos nos Estados Unidos, sem qualquer hesitação.

A “verdade” já não importa (na realidade, os poderes constituídos nunca se importaram); A única coisa que se busca, agora com meios de manipulação cada vez mais finos e eficientes, feitos até o ensino médio, supostamente com status científico – não vão além de tecnologias empíricas grosseiras – é a gestão das grandes massas. Como exemplo, temos a publicidade, a “arte de enganar”, como tem sido chamada. “Uma agência de publicidade de sucesso manipula motivos e desejos humanos e gera uma necessidade de bens desconhecidos ou mesmo rejeitados até então entre o público”, reconhece um padre do marketing, o americano Ernest Dichter.

Por outras palavras, está comunicação de massas absolutamente unidirecional (do emissor ao receptor, sem a menor possibilidade de regressar no sentido oposto) não só configura como, em qualquer caso, atua como uma ditadura impiedosa. Mente, falsifica coisas, força certos comportamentos (aqueles que os emissores querem). “Para reprimir antecipadamente qualquer revolta (…) métodos arcaicos como os de Hitler estão ultrapassados. Basta criar condicionamentos coletivos reduzindo drasticamente o nível e a qualidade da educação. (…) Que a informação destinada ao público em geral seja anestesiada de qualquer conteúdo subversivo. Transmitiremos massivamente, via televisão [hoje deveriam ser acrescentadas redes sociais e aplicativos de internet], entretenimento estúpido, sempre lisonjeando o instinto emocional”, disse o pensador austro-alemão Günther Anders em 1956. “Entretenimento estúpido” …

Mais claramente: impossível. As pessoas não são estúpidas, elas se tornam estúpidas. De que outra forma podemos compreender que uma grande massa da população, eternamente subjugada, vê um outro diferente como a principal razão das suas dificuldades? (O estrangeiro que “vem roubar emprego”, o de outra etnia, o de outra orientação sexual, aquele que não é igual a mim), e não aquele que o explora. De que outra forma podemos entender que ele vota nas urnas no seu próprio carrasco? (Milei na Argentina, a barragem de extrema direita na Europa, Bolsonaro no Brasil).

Como podemos entender que cada vez mais populações consomem constantemente coisas desnecessárias. É preferível comprar o smartphone da moda em vez de comer de forma nutritiva? “O que torna este país [os Estados Unidos] grande é a criação de necessidades e desejos, a criação de insatisfação com o que é velho e fora de moda”, disse um publicitário da agência americana BBDO.

“O poder da imprensa é essencial. [Hoje devem ser acrescentadas todas as parafernálias dos mais variados e sofisticados meios de comunicação de massa, já que a imprensa escrita está em extinção.] Estabelece a agenda da discussão pública. É um poder político esmagador que não pode ser controlado por nenhuma lei. Determina o que as pessoas falam e pensam com uma autoridade reservada em algumas partes do mundo apenas aos tiranos, sumos sacerdotes e mandarins”, disse um jornalista de renome como Theodore White. Definitivamente, a comunicação de massa, a criação da opinião pública e a indução de “necessidades”. comprar e comprar até ficar farto, não são decididos pelo destinatário.

A ideia de “liberdade”, tão cara às modernas democracias de mercado que enchem a boca ao entronizá-la, fica sem dúvida mortalmente ferida quando se analisam estes mecanismos de comunicação. Tal como os cães experimentais de Pavlov, estamos condicionados a fazer o que os outros querem que façamos. Tal é o grau impiedoso de gestão das nossas vontades que chegamos a falar da barbárie teórica da “pós-verdade”.

Não há mais verdade: estamos no reino da emotividade criada – com maestria – por essas tecnologias modernas. Então estamos condenados a viver neste tipo de hipnose coletiva? As grandes capitais que governam grande parte do mundo estão tentando. Vamos prevenir! Somente o pensamento crítico e as ações dele derivadas podem forjar outra com

*Marcelo Colussi

Colussi, Marcelo Cientista político, professor universitário e pesquisador social. Nascido na Argentina, estudou Psicologia e Filosofia em seu país natal e atualmente reside na Guatemala. Escreve regularmente em meios eletrônicos alternativos. É autor de diversos textos na área das ciências sociais e da literatura.

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