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Sputnik – Brasil continua a liderar o mercado da soja sendo o maior exportador da oleaginosa. Porém, seu maior parceiro comercial de importação, a China, está mirando em outros países para compra do grão. A Sputnik Brasil ouviu especialista para saber como fica o setor agrícola brasileiro nesse contexto.
O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo, e a China, o principal destino da oleaginosa brasileira. No país asiático, a soja importada é esmagada principalmente para produção de farelo de soja para ração e fabricação de cozinha.
Entretanto, no começo desse ano, as importações chinesas recuaram. Pequim importou 315.334 toneladas do Brasil em março, queda de 85% frente as 2,1 milhões de toneladas no mesmo mês em 2020, segundo o G1.
Além de um declínio nas importações, o governo chinês introduziu um novo padrão para a importação da oleaginosa, que atualmente está em discussão na Organização Mundial do Comércio (OMC). Diante desse fato, o governo brasileiro pediu, na segunda-feira (28), um maior esclarecimento por parte da China sobre como esse novo padrão será implantado.
De acordo com Glauco Bertoldo, diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov), em uma primeira impressão, “o mercado brasileiro não será afetado de forma significativa” com as novas regras, mas é necessário ter em mente que “enquanto discutimos o novo padrão nacional [do plantio da soja], não podemos ignorar o padrão do nosso maior mercado consumidor [a China]”, disse Bertoldo citado pela mídia.
Para entender como as novas regras chinesas podem afetar o setor agrícola brasileiro, se o país está preparado para implementar as medidas e questões sobre monocultura e uma nova abordagem para o plantio da soja, a Sputnik Brasil ouviu Warwick Manfrinato, engenheiro agrônomo do Instituto de Estudos Avançados/USP e pesquisador associado da Universidade de São Paulo.
Barreiras não tarifárias
Mediante as novas normas chinesas para importação da soja, pode acontecer uma divisão frágil entre a configuração de uma barreira não tarifária, que visa o exercício de um novo padrão para as regras fitossanitárias chinesas, e o fato dessas barreiras deflagrarem em uma questão comercial.
Na visão do especialista essa divisão não é frágil, pois não há separação entre as duas coisas a partir do momento que esses tipos de barreiras, na intenção de melhorar a base do produto que está entrando no país, já geram uma necessidade do fornecedor de se adequar às novas regras e pode atingir uma questão comercial.
Manfrinato conta que, quando um país como a China, tem condições de controlar os produtos agrícolas que chegam ao seu território, ela se mostra como uma nação muito poderosa, que visa aperfeiçoar a qualidade do que consome.
“Em 2017 nós vimos a China exigindo percentual de sujeira ou impureza na soja, e a gente vê que obviamente isso reduz o custo de processamento lá, ao mesmo tempo, agora eles falam que querem que a população chinesa coma menos gordura, menos sal, existe sempre esse aspecto auspicioso do regramento”, contou o especialista.
No entanto, ao mesmo tempo, quando se gera esses regramentos você dá um “freio de arrumação no mercado”, os fornecedores vão ter que se ajustar e se preparar, e às vezes, esses regramentos deixam de fora uma oferta, o que pode afetar os preços.
“Barreira não tarifária é uma forma de compreender justamente esse lado do jogo que fica mais etéreo, para que as negociações ocorram, então toda regra, mesma que seja até mesmo a barreira tarifária, ela tem um aspecto não tarifário de segurar, um pouco, as negociações”, explicou.
De acordo com Manfrinato, o regramento atual da China é de 2009, e Pequim tem sim demonstrado um aspecto de querer melhorar sua base de relacionamentos, principalmente nas questões ambientais, até mesmo por uma necessidade, pois as pessoas estão morrendo pela poluição.
“Com certeza qualquer regramento que venha a ser proposto ou alterado na soja, ou em qualquer produto de importação na China, vai ter um efeito não tarifário, um impacto de balanço, isso fica bem claro.”
Setor brasileiro diante das mudanças
Com essas possíveis alterações nas regras chinesas, será que o setor brasileiro tem a flexibilidade para se adaptar a novos padrões com facilidade?
O especialista diz que a agricultura brasileira de grãos é uma agricultura muito sofisticada, já que o Brasil é o maior exportador de algumas commodities, ao mesmo tempo, o setor industrial se encontra em evolução, portanto, é possível que a resposta brasileira diante dessas novas exigências possa ser uma resposta positiva.
“Acho que o setor agrícola tem condições de agir especialmente porque nós temos demonstrado crescimento na produção e produtividade. Ao vermos a EMBRAPA [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e outros órgãos de pesquisa oferecendo uma grande contribuição para melhoria da produção, podemos dizer hoje que o agricultor brasileiro é um agricultor sofisticado, com equipamentos, agricultura de precisão, tecnologia e conhecimento”, disse Manfrinato.
O especialista também enfatiza que, tanto no setor de produção quanto no setor de pós-colheita e processamento, o Brasil tem boas condições de continuar a ser competitivo e pode cumprir com eficácia novas regras internacionais.
Diversificação de fornecedores para o Brasil
A China tem diversificado seus fornecedores de soja e vem fechando acordos com outros países como a Tanzânia e os EUA, por exemplo, ação que em um primeiro momento não vai trazer grandes impactos para as relações comerciais China-Brasil, mas pode apontar para um progressivo movimento de mudança de fornecedor.
Indagado sobre quais países o Brasil poderia se aproximar comercialmente e continuar com o fluxo de exportação de soja, o especialista diz que a China, sem dúvidas, é um grande mercado, em certo ponto até um pouco insubstituível, não só pelo seu poder de compra, mas também por sua imensa população que demanda altos níveis de importação.
Entretanto, Manfrinato cita a África como potencial parceiro para firmar novas negociações, pois o continente, apesar das questões socioeconômicas, “é um mercado em evolução”, e a relação Brasil-África de irmandade construída no passado pode ajudar nesse processo.
Monocultura
A monocultura é a produção de apenas um único tipo de produto agrícola, na qual a cobertura vegetal original, geralmente com várias espécies de plantas, é substituída por uma única espécie, e a soja é um dos grãos que mais conta com esse tipo de plantio. No entanto, a prática está associada a diversos impactos ambientais, como o empobrecimento do solo e o desequilíbrio ecológico.
Questionado se seria positivo para o Brasil mudar o modelo monoculturista em relação à soja para que se pudesse diversificar plantios, e não só focar no largo volume do grão produzido no país, o especialista diz que, a partir de sua visão ambientalista, baseada no desenvolvimento econômico sustentável, ele teria o interesse que a monocultura desaparecesse, especialmente porque há uma necessidade biogeoquímica na América do Sul que precisa ser compreendida para haver um equilíbrio.
“A monocultura é um modelo de agricultura europeia, não é um modelo adaptado aos trópicos. A região tropical precisa da diversidade para se manter equilibrada […]. Existe uma coisa muito maior que é o ciclo geral da atmosfera, o qual precisa ser compreendido pelos atores econômicos. Sendo assim, a defesa de uma agricultura mais diversificada passou a ser uma tendência, só ainda não encontramos o caminho para fazer essa transformação de uma forma rápida”, disse Manfrinato.
Segundo o especialista, é necessário conectar a questão agrícola com a ambiental, e como exemplo, cita os rios voadores (cursos de água atmosféricos formados por massas de ar carregadas de vapor de água) provenientes do oceano Atlântico que entram na calha do rio Amazonas e circulam para o norte e sul irrigando a agricultura da soja até o sul da Argentina.
“Temos que olhar para isso de uma forma cada vez mais integrada. […] Para o futuro, é necessária uma narrativa de uma agricultura que seja única, não uma agricultura convencional versus uma agricultura alternativa e orgânica, a qual hoje só consegue ser absorvida por uma classe econômica mais rica”, explicou.
O especialista esclarece que o alimento agrícola que chega à mesa de uma pessoa de classe social mais baixa, chega com uma qualidade inferior à qualidade que os ricos têm acesso, “porque o rico tem condições de comprar um produto orgânico, o pobre não” e salienta o fato de que “essa dinâmica precisa acabar, se não, a humanidade não vai ter sucesso”.
A soja pode ser cultivada de outra forma?
Manfrinato considera que, para esse cultivo ser diferente, primeiro há a necessidade de uma mudança cultural, de uma readaptação da agricultura tradicional, que foi passada de geração em geração.
Essa necessidade existe porque, a partir do momento que esse tipo de agricultura “deu certo” existe uma resistência por parte dos agricultores de transformar o plantio de um grão só em um plantio mais diversificado. Entretanto, ele ressalta que o plantio mais diversificado traria uma competitividade maior que faz com que os produtores melhorem seus padrões de cultivo.
O especialista também destaca que a diversidade de plantio, por exemplo a integração de duas safras, como a do milho safrinha, promove um efeito positivo no solo reconhecido pelo agricultor que olha para plantação através de dois aspectos: o fato dele estar ganhando mais dinheiro por estar produzindo mais e o fato de saber que as relações microbiológicas com o solo melhoraram, pois se plantarmos um mesmo grão diversas vezes, como a soja, a taxa de aplicação de defensivos agrícolas terá que ser muito maior.
“Se você alterna a espécie o balanço biológico melhora, e se maximizarmos isso, por exemplo colocarmos 15 culturas, não apenas duas na mesma área, teremos um efeito biológico muito bom”, disse Manfrinato.
No entanto, o pesquisador ressalta que essa dinâmica exigiria mais do produtor, pois, por sua complexidade, o agricultor teria que ser um melhor administrador, precisaria ter equipamentos específicos para cada cultura e o pensamento em vigência é o de “simplificar para ganhar dinheiro”.
“Precisamos resolver essa questão [do cultivo como está agora] nos próximos 20, 30 anos, se é que temos uma chance de chegar lá se as mudanças climáticas não mudarem de forma drástica nossa sociedade. […] É preciso olhar para isso com cuidado”, disse o especialista.
Para Manfrinato existe sim a possibilidade de se fazer um plantio de soja e de outros grãos de forma diferente, mas é fundamental que surja um forte elemento de mudança através das organizações e da sociedade, trazendo novos modelos, para que transformação agrícola aconteça de forma mais rápida e para “não entrarmos em um processo apocalíptico”.
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