Foto: Reprodução do Sul21
Por: Michael Benyair
Nota preliminar da FEPAL:
Malgrado pecar nas conclusões, bem como de situar o início do apartheid apenas a partir de 1967 (ou apenas “agora”, conforme o título), e não 1948, quando Israel se autroproclama estado somente para judeus, ou, ainda, silenciar sobre a limpeza étnica e os refugiados palestinos e seu direito de retorno, consagrado pela ONU na Resolução 194, o ex-procurador-geral de Israel acerta no restante deste artigo e, mais ainda, aponta como o judiciário israelense é operador central do sistema de apartheid, inclusive fazendo autocrítica de seu próprio papel, quando procurador-geral, nesta engrenagem.
No último ano, houve um debate público contínuo sobre se as ações que o governo israelense está realizando nos Territórios Palestinos Ocupados podem ser classificadas como apartheid sob o direito internacional.
Em 1º de fevereiro, a Anistia Internacional tornou-se a última ONG a classificá-lo como apartheid, chamando-o de “um sistema cruel de dominação e um crime contra a humanidade”. Isso se seguiu a declarações anteriores de apartheid por outros grupos de direitos humanos, Yesh Din, B’Tselem e Human Rights Watch.
Como ex-procurador-geral de Israel, passei minha carreira analisando as questões jurídicas mais urgentes de Israel. A ocupação israelense da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental foi um dilema fundamental durante meu mandato e além.
“Uma grande injustiça”
A dominação contínua de Israel sobre esses territórios é uma grande injustiça que deve ser corrigida com urgência.
É com grande tristeza que devo também concluir que meu país afundou a tal profundidade política e moral que agora é um regime de apartheid. É hora de a comunidade internacional reconhecer essa realidade também.
Desde 1967, as autoridades israelenses justificam a ocupação alegando que ela é temporária até que uma solução pacífica seja encontrada entre israelenses e palestinos. No entanto, já se passaram cinco décadas desde que esses territórios foram conquistados e Israel não mostra interesse em rescindir esse controle.
É impossível concluir de outra forma: a ocupação é uma realidade permanente. Esta é uma realidade de um estado, com dois povos diferentes vivendo com direitos desiguais.
Violando a lei internacional, Israel transferiu mais de 650.000 de seus cidadãos judeus para viver em assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Esses assentamentos são estabelecidos em áreas que cercam aldeias palestinas, fragmentando intencionalmente as comunidades palestinas umas das outras, para, em última análise, impedir a possibilidade de um estado palestino contíguo. Em Jerusalém Oriental, leis discriminatórias de propriedade estão forçando os palestinos a deixarem suas casas em uma política apoiada pelo Estado de judaizar a cidade.
Não há ‘dois Israels’
Na Área C da Cisjordânia, leis discriminatórias de planejamento estão sendo usadas para expulsar as comunidades palestinas de suas terras. Essas comunidades enfrentam uma enxurrada de violência de colonos de postos avançados não autorizados (ilegais mesmo sob a lei israelense), cujos perpetradores enfrentam pouca ou nenhuma consequência.
Quaisquer tentativas de resistir ao apartheid são fortemente vigiadas ou criminalizadas, exemplificadas pela designação espúria de grupos da sociedade civil palestina como terroristas pelo Ministério da Defesa de Israel.
Sucessivos governos israelenses, incluindo o recente governo de coalizão, que se autodenomina uma mudança na intransigência de Netanyahu, afirmaram consistente e publicamente que não têm intenção de estabelecer um estado palestino.
No entanto, grande parte da discussão na comunidade internacional funciona como se o comportamento de Israel nos territórios ocupados pudesse ser distinguido da democracia liberal que existe dentro da Linha Verde. Isto é um erro.
Você simplesmente não pode ser uma democracia liberal se operar o apartheid sobre outro povo. É uma contradição em termos porque toda a sociedade de Israel é cúmplice dessa realidade injusta.
É o gabinete ministerial israelense para assentamentos que aprova todos os assentamentos ilegais nos territórios ocupados. Fui eu, no meu papel de procurador-geral, que aprovei a expropriação de terras palestinas privadas para construir infraestrutura, como estradas que entrincheiraram a expansão dos assentamentos.
São os tribunais israelenses que defendem as leis discriminatórias destinadas a expulsar os palestinos de suas casas em Jerusalém Oriental e de suas terras na Cisjordânia. Seus prestadores de serviços de saúde operam na Linha Verde. E os cidadãos israelenses acabam pagando impostos que subsidiam a consolidação do controle e dominação do governo nesses territórios.
Entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, é Israel que está privando permanentemente milhões de palestinos de seus direitos civis e políticos. Este é o apartheid israelense.
Há esperança?
Existem duas soluções democráticas possíveis que podem resolver esse status quo. A primeira é conceder a todos que vivem sob controle israelense plena cidadania e igualdade.
Infelizmente, esse cenário levaria à perda da maioria judaica e à ‘balcanização’ de todo o território, aumentando a probabilidade de conflitos intratáveis.
A segunda solução possível seria Israel se retirar dos territórios ocupados e estabelecer um Estado palestino vivendo lado a lado com Israel. Isso não apenas garantiria a divisão justa da terra entre os palestinos indígenas e o povo judeu que tem sido perseguido por milhares de anos. Também garantiria uma solução sustentável para o conflito israelo-palestino e o fim do apartheid.
O status quo no terreno é uma abominação moral. O atraso da comunidade internacional em tomar medidas significativas para responsabilizar Israel pelo regime de apartheid que está perpetuando é inaceitável.
* Artigo originalmente publicado na edição eletrônica do The Journal, em 10 de fevereiro de 2022
Michael Benyair é ex-procurador-geral e ex-juiz interino da Suprema Corte de Israel