Por Rafael Calcines* Santiago do Chile (Prensa Latina) O Chile fecha um ano de definições com um processo histórico de uma nova Constituição, que poderia abrir caminho a uma sociedade mais justa e igualitária neste país considerado um dos modelos do neoliberalismo.
A realização desta consulta momentosa não veio do nada. Uma das principais reivindicações de milhões de chilenos nas ruas após a eclosão social de 18 de outubro de 2019, que durou até fevereiro, quando só foi suspensa por conta da pandemia, foi justamente a criação de uma Assembleia Constituinte soberana.
Mas essa possibilidade foi excluída no Acordo de Paz e uma Nova Constituição, assinado em 15 de novembro de 2019, em um dos momentos de maior intensidade de protestos populares, por partidos de direita, forças de oposição de centro e algum representante da Frente Ampla.
Desse entendimento, o Partido Comunista e outras formações de esquerda se excluíram, argumentando justamente que se tratava de uma ‘cozinha’ entre quatro paredes.
Deixou de fora o vasto movimento popular que, com suas múltiplas demandas, forçou o governo, contra as cordas, a relutantemente concordar em iniciar o processo para uma nova constituição, um tema que nunca esteve no programa do presidente Sebastián Piñera.
No entanto, o que aconteceu em 25 de outubro mostrou que, apesar das tentativas de mediar o processo, a maioria da população, pela primeira vez na história do Chile, decidiu adotar uma lei fundamental, e até mesmo participar de sua elaboração por meio de uma Convenção Constitucional na qual todos os seus membros também serão eleitos pela população.
Para muitos observadores, o dia 25 de outubro foi o fim de uma longa etapa de ‘transição’ que começou com a saída de Augusto Pinochet do poder em 1990, após dois anos antes, em outro plebiscito, os chilenos disseram Não à continuação do ditador à frente do país.
À pergunta do plebiscito, o senhor aprova uma nova Constituição para o Chile? A resposta afirmativa de 78,3% dos eleitores não deixou margem para dúvidas.
Essa vantagem avassaladora manifestou-se em todo o país, onde 15 das 16 regiões atingiram mais de 70 por cento, e na capital, fundamental pelo número de habitantes que concentra, a rejeição só ganhou nas comunas de Lo Barnechea, Vitacura e Las Condes, onde residem os setores mais ricos do país.
Mesmo quando o presidente Sebastián Piñera saiu logo para dizer que o resultado do plebiscito ‘foi um triunfo para todos’, ficou claro que a direita mais velha, que sempre optou pela rejeição, sofreu uma derrota esmagadora.
Mas o mais marcante esteve relacionado com o mecanismo de elaboração da nova Constituição, que deu à Convenção Constitucional 79% dos votos, contra apenas 21% da Convenção Mista, já que pesquisas e analistas duvidavam de qual opção escolheriam. os eleitores.
No vencedor, todos os seus membros são eleitos pela população, e o segundo seria composto em partes iguais por cidadãos eleitos e legisladores em exercício, com os quais 79 por cento enviaram uma forte mensagem de tédio popular em relação à política tradicional em um país onde a desconfiança em relação a todas as instituições é muito grande.
Após o plebiscito, o país entrou em uma fase crucial de indicação dos candidatos a delegados que formarão a Convenção Constitucional em 11 de abril do próximo ano.
Esta é uma questão não menos importante, porque na Convenção Constitucional as questões da nova lei fundamental devem ser aprovadas por mais de dois terços de todos os seus membros, uma forte maioria que se não for alcançada, segundo os especialistas, pode influenciar o conteúdo final do texto.
Nisso, a representatividade alcançada pelas forças que compõem o heterogêneo mundo político chileno será decisiva. A direita já está alistando suas forças para ir com candidaturas únicas para a nomeação e eleição dos constituintes.
Por outro lado, a oposição – formada por um leque que vai de partidos de centro muito próximos do modelo atual, a uma esquerda com diferentes níveis de radicalismo – tem o desafio de chegar a esta conjuntura a uma unidade que seus próprios dirigentes consideram muito difícil alcançar e já faltou em várias ocasiões.
O que aconteceu até agora mostra essa fragmentação, porque por um lado surgiu a Unidade Constituinte, formada pelos partidos Socialista, Radical, Pela Democracia e pela Democracia Cristã, expoentes da social-democracia que, apesar dos seus apelos à unidade, não hesitaram distanciar-se da esquerda e especialmente do Partido Comunista.
Este último, junto com outros partidos e movimentos de esquerda e um grande número de organizações sociais de todos os tipos, criou ‘Chile Digno, Verde y Soberano’, que levará seus próprios candidatos à eleição de constituintes.
No entanto, o presidente do Partido Comunista, Guillermo Teillier, insiste que a vitória de 25 de outubro ‘deve forçar a unidade política da oposição’ e avançar ao máximo nos acordos, o que tem sido alcançado, pelo menos por agora com as forças da Frente Ampla.
Além disso, após o plebiscito, o debate também se concentra na busca de soluções para questões que estavam pendentes e devem ser resolvidas até 11 de abril de 2021, quando é constituída a Convenção Constitucional, para que este órgão seja o mais representativo possível.
Embora se tenha conseguido que seja igualitária entre homens e mulheres, a representação dos povos indígenas, historicamente excluídos embora representem quase 13 por cento da população, ainda é complicada, a participação dos independentes avança lentamente e a reiterada solicitação de Chilenos residentes no exterior podem votar na eleição de candidatos a constituintes.
Percorrendo esse caminho tortuoso, o país fecha este conturbado 2020, prelúdio do importante processo de obtenção de uma nova lei fundamental que a Convenção Constitucional, após sua eleição, deverá estar pronta no prazo máximo de um ano, e será levada a outro plebiscito, aquele com voto obrigatório.
arb / rc/bj
* Correspondente da Prensa Latina no Chile