Presidente do Chile anunciou detalhes do acordo constitucional ao lado dos chefes da Câmara e do Senado na última segunda-feira (12) – Senado Chile
Nova carta magna será escrita por novo conselho constitucional sob tutela de “especialistas” indicados pelo Congresso
Michele de Mello
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
No Chile, governo e bancadas parlamentares chegaram, nesta segunda (12), a um acordo para reiniciar o processo constituinte, após a vitória do “não” no plebiscito de setembro deste ano. O “Acordo pelo Chile” foi ratificado por 14 partidos políticos, desde as legendas da direita tradicional, como União Democrática Independente, Partido Liberal e Renovação Nacional, até a bancada progressista, que inclui o Partido Comunista, o Partido Socialista e Convergência Social, agrupação de Gabriel Boric.
“Demos um passo necessário e decisivo para avançar num pacto social por uma democracia melhor, com mais direitos sociais. O Chile não pode esperar mais”, disse o presidente chileno ao lado dos chefes da Câmara e do Senado após a assinatura do acordo.
O documento com 12 pontos estabelece a criação de um Conselho Constitucional, composto por 50 constituintes eleitos por voto popular de acordo com as regras de proporcionalidade estabelecidas pela lei eleitoral vigente, mas com abertura para inscrição de candidaturas independentes. O organismo terá paridade de gênero e cadeiras reservadas para nações indígenas.
Os conselheiros terão cinco meses para elaborar uma nova proposta de texto constitucional e as normas deverão passar por aprovação de 3/5 do Conselho para serem incluídas na redação final da Carta Magna.
Outro ponto acordado foi a criação de uma comissão com 24 especialistas encarregados de assessorar os constituintes. O organismo também terá composição paritária entre homens e mulheres. No entanto, sua composição será por meio de indicação: 12 membros apontados pela Câmara de Deputados, outros 12 pelo Senado, de acordo com o peso proporcional de bancada. Também será levado em conta a “trajetória profissional, técnica e acadêmica” para a indicação. Esse grupo terá poder de veto sobre os artigos propostos pelo conselho constitucional.
Além disso, ainda haverá um comitê técnico de admissibilidade composto por 14 pessoas do campo jurídico, definidas pelo Senado, que terá a responsabilidade de revisar as normas aprovadas pelas outras duas instâncias: comissão de especialistas e conselho constitucional.
“Todos tiveram que mudar suas posições políticas originais. Queremos que o sistema político seja capaz de dar respostas aos cidadãos, que as diferenças menores fiquem de lado, e que pelo bem do Chile sejamos capazes de chegar a acordos que melhorem a qualidade de vida na nossa pátria”, acrescentou Gabril Boric.
Foram três meses de negociação marcados por críticas de setores da esquerda, que exigiam a garantia de participação popular nesta nova etapa do processo, enquanto os partidos de direita – que realizaram a campanha pelo “não” no plebiscito de outubro – conseguiram aprovar as medidas que exigiam desde o início do processo constitucional, em 2020: a predominância de parlamentares eleitos no organismo que irá elaborar a nova constituição; e a inclusão de uma comissão de especialistas para acompanhar o grupo de constituintes.
A base da argumentação da campanha de desprestígio da antiga Convenção Constitucional chilena, promovida pelos partidos de direita e por conglomerados de imprensa, era a falta de formação acadêmica necessária para a redação de uma nova constituição para o país.
“O país demanda certezas, sanar feridas, reconstituir confiança e levar adiante um processo constituinte exitoso para que a Constituição seja um fator de unidade”, disse o presidente do Senado, Alvaro Elizalde, do Partido Socialista, agrupação da ex-presidenta Michelle Bachelet.
Chilenos da campanha pelo aprovo nas praças do centro de Santiago após vitória do “não” no referendo de 4 de setembro / Martin Bernetti / AFP
Vozes divergentes
Apesar do acordo político amplo, houve críticas vindas tanto da direita como da esquerda.
O Partido Republicano, do ex-candidato à presidência pela extrema direita, José Antonio Kast, não referendou o acordo e mantém as críticas ao “ímpeto refundacional” do atual governo. O Partido de la Gente (PDG – Partido das Pessoas) também se negou a firmar o documento, o que levou à renúncia de três deputados.
Por outro lado, Natividad Llanquileo, ex-constituinte pela Coordenadora Plurinaiconal, disse que quem perde são os independentes, “os partidos tomaram o controle, isso é inegável”, declarou a meios locais.
“Não gosto de nada desta proposta, mas acredito na democracia representativa como forma de resolver nossos conflitos”, disse o ex-constituinte Fuillermo Nammor, do grupo Independentes Não Neutros (INN).
Já Bárbara Sepulveda, que liderou a bancada do Partido Comunista e da coalizão Chile Digno na última Convenção Constitucional, tentou apaziguar os ânimos. “Não é um acordo perfeito, mas nenhum seria. O processo deve continuar porque o Chile ainda precisa de uma constituição que supere o Estado subsidiário, consagre direitos sociais, avance em igualdade e paridade de gênero, e proteja o meio ambiente”, disse a ex-deputada constitucional.
Relembre o processo
Em setembro, a opção “rejeito” venceu com 61,8%, equivalente a 7,8 milhões de votos, contra 38,1% do “aprovo”, numa votação obrigatória que teve cerca de 80% de participação do eleitorado – rompendo um recorde dos processos eleitorais chilenos na última década.
Logo após a derrota, a coordenação da campanha “Aprovo Dignidade” defendeu a realização de uma nova constituinte. Já a plataforma de direita “Chile Vamos” propunha que a constituição fosse escrita por um comitê de especialistas ou por uma comissão parlamentar para “encurtar e melhorar o processo”.
Imediatamento após a divulgação do resultado oficial do plebiscito, Boric convocou os líderes das bancadas parlamentares para dialogar sobre uma nova proposta para chegar a um acordo de continuidade do processo.
A nova proposta do processo constituinte ainda deverá ser aprovada por um novo plebiscito constitucional, com voto obrigatório. O calendário proposto prevê a criação da comissão de especialistas já em janeiro, eleição dos representantes do conselho constitucional em abril, início dos trabalhos em 21 de maio, entrega do projeto final de Carta Magna em 21 de outubro, e o plebiscito final para ratificar a constituição no dia 26 de novembro de 2023.
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