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terça-feira, 3 dezembro, 2024

Chile: a banalidade da mídia

Por  Pablo Jofre Leal/

Artigo para Hispantv

No Chile, a discussão massiva, democrática e transformadora sobre o papel que os meios de comunicação desempenham e deveriam desempenhar não ganhou a importância que deveria ter.

Isto, em função de fazer parte da cultura de massas, instrumento de informação, formação de opinião e que é habitualmente utilizado por aqueles poderes políticos, económicos, culturais e ideológicos e hegemónicos, tornando-se claramente meio de desinformação e manipulação.

De modo geral, os estudos sobre as influências sociais, a formação de visões de mundo, os comportamentos, os modos de pensar e de agir concordam que, em geral, tem sido a família, a escola, o ambiente de cada indivíduo, os principais meios de socialização (1). E, de uma forma geral, estes meios socializadores vão perdendo preeminência e isso, sem exagero, remete a uma realidade já consolidada onde hoje existem meios de informação social – entre eles a televisão – além de redes sociais baseadas naquilo que irradiam: modelos de comportamento e padrões, em relação a crenças, valores e atitudes.

No caso específico da televisão e da importância capital que está tem no domínio de ser um meio de socialização, Neil Postman no seu ensaio: “divertir-se até morrer” (2) com referência aos Estados Unidos (e com isso país a influência que exerce sobre aquele mundo que ele chama de ocidental) fala-nos desse desejo, desse espírito de mostrar tudo como parte da televisão. Tudo se torna um espetáculo. E, para chamar a atenção, vale tudo. Educada no consumismo de hoje, a televisão tornou-se um grande supermercado e uma escola de estilos e modos de vida.

Em relação ao Chile e a um caso de notoriedade pública ocorrido há poucos dias, afirmo que podemos concordar ou não com isso, mas, na minha opinião, vimos algo disso na noite de 29 de Outubro, no noticiário central da Televisão Nacional do Chile, tive a oportunidade de assistir a 10 minutos de uma entrevista que terminou abruptamente e que convidava os leitores a assistir aquele programa mutilado ( 3). que o ex-prefeito da Recoleta e atualmente em prisão domiciliar, Daniel Jadue. Um conhecido político chileno, de origem palestina e ferrenho defensor da causa do seu povo.

As expectativas eram altas. Isto, dependendo da relevância do político chileno e da possibilidade de vê-lo em algo mais do que edições jornalísticas ad hoc da situação atual do ex-prefeito chileno. O entrevistador, o jornalista Iván Núñez, um dos chamados rostos da Televisão Nacional do Chile, que deveria ser capaz de fazer um trabalho que nos permitisse saber pela boca do entrevistado, o que era relevante, que seria permite-nos compreender que, do ponto de vista dele, o que está sendo gerado com o seu caso foi, simplesmente, um fiasco.

Por que falo em fiasco porque o papel desempenhado pelo Sr. Nuñez levou a entrevista a um beco sem saída onde a tensão da situação era inevitável. Em determinado momento desta entrevista visualizei o óbvio aborrecimento do entrevistado, a quem foi submetido. a um flagrante ataque mediático da extrema direita, do grupo de pressão sionista e da sua influência prejudicial, da direita e até das fileiras do partido no poder. Iván Nuñez ignorou o pedido de Daniel Jadue para acabar com tanta banalidade e entrar no reino do que é importante.

Numa interessante coluna do meu colega Dino Pancani sobre este tema específico (4), este profissional expressa que a entrevista política – que é o que Daniel Jadue deveria ter com a TVN – tem certos códigos, baseados em perguntas e respostas do entrevistado. , não apenas com base em um tratamento lógico e respeitoso, mas também que o que é discutido tenha uma base de interesse noticioso.

Diante disso, parece-me evidente que a TVN, como geralmente acontece neste canal e nos demais meios televisivos nacionais, não respeitou Jadue em nada no que diz respeito a esses códigos, gerando a construção de meios de comunicação triviais e leves., pouco aprofundado, com profissionais que adquirem mais importância que os convidados, com cunho claramente direcionando a instalação de um discurso dominante, hegemônico, sem grandes diferenças entre eles.

No caso específico do que foi mencionado, a trivialidade, a conduta dos menos importantes, em vez de se aprofundar em questões importantes com caráter com a marca do ex-prefeito chileno, é um exemplo do retumbante abismo em que se encontra um tipo de jornalismo é debatido cuja qualidade, profundidade e rigor são escassos.

A situação do jornalismo no Chile, especialmente no campo da análise internacional, é lamentável; os meios de comunicação – uma grande parte deles – deixaram de ser ferramentas de comunicação valiosas há muito tempo e tornaram-se, negativamente, veículos de desinformação e manipulação.

Trata-se apenas de fazer um breve panorama do que tem sido o tratamento dado ao processo de crescente genocídio do povo palestino, principalmente em Gaza, desde outubro de 2023, apresentado por estes meios de comunicação como algo recente, ignorando a história, a natureza política do Sionismo, o perigo que tal visão mundial acarreta para todo o planeta e tentando equilibrar as ações do sionismo nacional com as ações de resistência do povo palestino. É vergonhoso e desprezível que falte profundidade ao refrão e que se afaste da política de empate e que o vitimizador e não a vítima, o agressor e não o vitimizado, saiam dessa visão plena.

Voltando a Daniel Jadue. Parece-me que uma entrevista política, como a apresentada ao ex-vereador da Recoleta, exige profundidade política, um tratamento político, não o que os editores e aqueles que em alguma mesa criativa definiram o que era importante e no que cravar os dentes e o que terminou, logicamente, com o político chileno levantando-se indignado e, com razão, ignorando o pedido de Daniel Jadue para avançar nessas questões relevantes.

A própria fragilidade do nosso jornalismo, a mediocridade dos meios de comunicação em geral, especialmente aqueles noticiosos e programas jornalísticos que deveriam ser mais rigorosos e que deveriam evitar o showbiz, acabam por se tornar parte do circo mediático geral.

Daniel Jadue terminou a entrevista com toda a razão e isso mostra o seu carácter, como se a exigência aos políticos fosse esconder o que os caracteriza na sua personalidade e na forma como enfrentam as situações. Como se ir contra a corrente de complacência com a imprensa fosse o requisito mínimo. A gestão dos meios de comunicação social é Efectivamente de natureza ideológica. Eles transmitem qual é a sua visão do mundo, e quando esse mundo está ligado aos setores da direita econômica, empresarial e política chilena, isso é o que tem preponderância, é o que se transmite, o que predomina, o que é interessante.

Na fracassada entrevista com Daniel Jadue vemos a soma das insuficiências dos meios de comunicação – mas não percamos de vista que essas deficiências são aleatórias, fazem parte da essência ideológica que anima os meios de comunicação, principalmente falando e especificamente a este semi- canal público e que costuma argumentar que é o canal de “todos os chilenos”.

Um canal há muito afastado da essência de comunicar com profissionalismo.

Assessorias de imprensa com profissionais, sem muita experiência ou conhecimento global do que costumam falar, por exemplo, a nível internacional. Falta de profundidade, dedicada a um cardápio heterogêneo de notícias que vai desde um processo de extermínio como o sofrido pelo povo palestino até depois da conhecida frase “vamos para notícias internacionais mais otimistas” que nos mostram como uma espécie de mantra, o nascimento de algum urso, elefante, rinoceronte ou outra espécie em extinção, num zoológico.

Acrescentemos a dedicação de longas horas para dar conta de fenômenos naturais, como o caso do chamado Furacão Milton – sem quaisquer implicações com o Chile ou que afetassem o rumo da política, o progresso do governo ou qualquer outro aspecto da realidade nacional. Furacão que atingiu os Estados Unidos, mostrando inclusive, nesse aspecto, o colonialismo cultural e mediático que nos afeta. O mais próximo foi entrevistar um casal de chilenos que morava em Miami ou em outra região da Flórida.

Gestão de conteúdos pobres, definidos desta forma para não ir ao essencial. Showbizização das notícias. que se decide, justamente, gerar aquilo que se acredita interessar às pessoas.

O jornalista profissional tornou-se figura e catalisador ao tentar mostrar um lado do entrevistado que ele não é, para afastá-lo de sua essência. A banalidade na entrevista, a inconsequência do que se quer perguntar, as perguntas insignificantes.

Não há uma autocrítica do canal que, em vez de reconhecer que não foi cumprido um objetivo de divulgação de temas importantes, define que a notícia é a polémica e não a tentativa falhada e malfadada de poder dar a conhecer o que Daniel Jadue poderia ter nos dado como opinião.

Assim, a suspeita é evidente: o objetivo da entrevista fracassada com Daniel Jadue não foi mostrar, mas demonstrar e facilitar a crítica fácil de um personagem que sai do quadro em que se move a política chilena, que não está no campo do banal, que gera anticorpos numa casta política medrosa e tímida, que costuma se ater às formas e à escuridão das suas “cozinhas” políticas (5) para especificar o que não ousam confessar.

Também não faltarão aqueles que consideram Daniel um valor político inegável, que até se declaram aderentes, mas que são incapazes de defender o seu pensamento e a sua posição. Pessoas que costumam direcionar suas análises no sentido de defender que ele deveria mudar, que seu ímpeto afasta eleitores, que deveria moderar sua personalidade, que não deveria dizer o que precisa ser dito na ideia de ganhar adeptos. Este pensamento em supostos aliados também faz parte dos problemas que nos afligem.

Reprodução permitida citando a fonte.

https://www.revistacultura.com.pe/revistas/RCU_21_1_la-television-de-la-banalidad.pdf

A televisão transformou os valores epistemológicos e o discurso público dos americanos. A televisão conseguiu minar a vida cultural da América do Norte, destruir a sua forma de compreender o mundo e substituí-la pelo vaudeville. https://www.redalyc.org/pdf/815/81515382015.pdf

https://radio.uchile.cl/2024/10/30/la-bizca-entrevista-de-tvn/

Conceito cunhado no Chile que se refere às ações políticas, conversas, acordos, negociações com efeitos no país, realizadas por líderes de vários partidos políticos e que de forma transversal realizam aquelas reuniões que influenciam todos os aspectos da sociedade chilena. https://www.theclinic.cl/2022/09/11/cocina-politica-significado-process-constituyente/

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