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A avalanche de pedidos de medidas liminares pretendendo impedir o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de exercer o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, no qual foi empossado na quinta-feira (17), provoca inúmeras discussões no meio jurídico.
Na própria quinta-feira, duas medidas liminares, deferidas pela Justiça Federal de Brasília e do Rio de Janeiro, ambas de primeiro grau, sustaram a eficácia da posse de Lula. No entanto, a primeira delas foi cassada na noite da própria quinta-feira pelo Desembargador Cândido Ribeiro, presidente do Tribunal Federal de Recursos da Primeira Região. A segunda medida, que continuava em vigor, só foi cassada nesta sexta-feira, 18, pelo vice-presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Desembargador Reis Fried.
A alegação dos desembargadores para cassar as medidas liminares é de que a competência para apreciar atos da Presidência da República (no caso, a nomeação de ministro de Estado) é do Supremo Tribunal Federal e não do juízo singular de primeiro grau.
A cassação das medidas liminares foi requerida pela Advocacia Geral da União, através do seu titular, José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça. Mas, segundo a própria AGU, ainda existem quase 50 ações no primeiro grau, distribuídas por todo o Brasil, pedindo a suspensão da posse de Lula. Há também outras 13 ações no Supremo Tribunal Federal (STF) com a mesma reivindicação.Segundo o advogado Diego Werneck, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, este acúmulo de ações gera uma impressão de anarquia do Poder Judiciário, o que permitiu, inclusive, que juízes federais de primeiro grau se manifestassem sobre matéria de competência do Supremo Tribunal Federal.
Sobre a questão do ex-presidente Lula, Diego Werneck observa que “antes de mais nada é importante tentar separar a esfera política da esfera jurídica em algumas dessas coisas”.
“Os fatos podem ser os mesmos mas eles podem ter consequências jurídicas, consequências políticas, que podem acontecer por processos de decisão institucional completamente separados. Por exemplo: a legalidade da nomeação do ex-Presidente Lula como ministro do Governo Dilma pode ter várias repercussões, inclusive num processo mais político de impeachment. Pode-se imaginar que o teor de algumas gravações que foram reveladas, que já se tornaram públicas, pode ter impacto no convencimento dos atores políticos sobre a necessidade de se prosseguir com o processo de impeachment. É importante separar que a consequência jurídica de se permitir a um juiz que impeça a nomeação de um ministro indicado pelo presidente não é uma consequência necessária de se reconhecer que as gravações são problemáticas e que a indicação é problemática.”
O Professor Werneck destaca “duas coisas sobre o que está acontecendo no Brasil: primeira, está muito difícil separar a política do Direito. Vemos isso em muitas dessas decisões que suspenderam a nomeação do Lula, inclusive a primeira delas: o magistrado cita a possibilidade de crime de responsabilidade como fundamento para suspender a nomeação. O que essas gravações mostram é que pode ter havido crime de responsabilidade por parte da Presidenta Dilma, logo vai se impedir a nomeação de Lula. Mas isso não é possível. Quem tem que fazer esse juízo – se houve crime de responsabilidade ou não – é a esfera política do Congresso. Antes de mais nada, acho que algumas dessas decisões mostram uma confusão entre o papel do juiz, o que um juiz pode fazer, e problemas políticos mais amplos, que têm que ser resolvidos em outras esferas. É possível que a nomeação de Lula seja problemática, ao mesmo tempo que não há nada que juízes possam fazer com relação a ela nesse momento. Então, esse é um primeiro ponto, está difícil separar essas duas esferas”.
A segunda coisa destacada por Diego Werneck é que “essa chuva de ações para impedir a posse do Lula mostra que nós temos um problema no Judiciário brasileiro, temos um problema de anarquia. Temos uma chuva de ações em vários Estados da Federação que permitem a juízes de primeira instância suspender um ato político da presidente da República, de indicar alguém para seu Governo”.
Nas suas palavras, trata-se de um problema parecido com o que aconteceu há duas semanas, quando o Supremo Tribunal Federal discutiu uma ação que procurava impedir que o ministro da Justiça, que era também do Ministério Público, assumisse a posição, porque membro do Ministério Público não pode assumir outro cargo ou função.
“Pode ser que ele não possa ser as duas coisas, mas isso significa que os juízes devem interferir? Se já está difícil separar a política do Direito, imagina em um cenário de um país com a dimensão do Brasil, com um sistema bastante descentralizado de decisão judicial com juízes concedendo em liminar – às vezes com base em suas preferências políticas individuais, como ficou bastante claro no caso do primeiro magistrado – a nomeação de um ato tão importante para a governabilidade do país. E nada disso é fazer um juízo sobre a correção da nomeação, é só separar as coisas, a nomeação pode ser um problema mas pode ser ruim que você tenha juízes espalhados pelo Brasil puxando para si a responsabilidade de saber se essa nomeação pode acontecer ou não” – conclui Diego Werneck.