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domingo, 16 novembro, 2025

Cartas habaneras (II)

Emiliano José  ·

Cuba me leva a pensar mais intensamente ainda na preservação da memória.

E no cuidado com os velhos combatentes.

Tive a chance outra vez de estar com Jorge Lezcano, notável quadro da Revolução Cubana.

Logo no começo dessa aligeirada estadia em Havana.

Ele é sempre uma jornada pela história recente da Ilha insubmissa.

Estivera com ele havia alguns anos, creio em 2018.

Sofreu uma queda, recentemente.

E isso é perigoso para quem está próximo dos 90 anos.

Está numa cadeira de rodas.

Recuperando-se graças à disciplina férrea.

E à indispensável ajuda de Maida, a companheira.

Lúcido, raciocínio rápido.

Muito acolhedor.

Amizade muito cara.

Acolhidos, eu e Jorge Ferrera, com muito carinho por ele e por Maida, tão cuidadosa, rara simpatia.

Ele, ao longo da vida, tantas vezes ao lado do comandante Fidel Castro, de quem foi íntimo colaborador.

Moram em Playa.

Uma casa-memória.

Por ele, por Maida, pelo acervo fotográfico.

Os revolucionários cubanos têm apreço à memória.

Conversa ajudada por um rum delicioso, fortíssimo, servido por Maida.

Rum daqueles a aconselhar prudência.

Lezcano dirigiu, por muitos anos, o Comitê de Defesa da Revolução (CDR), peça chave da Revolução Cubana.

Dele, recebi, outra vez, lições sobre a Revolução Cubana e os desafios dela.

Poucos dias depois, também em Playa, um dos 15 municípios a constituir Havana, tive o privilégio de conversar um pouco com o comandante Victor Dreke, outro dos grandes da Revolução.

Aos 88 anos, raciocínio rápido, notável memória, bem de saúde, recuperou histórias da Revolução Cubana, na qual esteve profundamente envolvido desde os 15 anos de idade.

Emocionante ouvi-lo contar a saída dele do município de Sagua la Grande, onde nasceu, e onde iniciou a militância.

Cidade inteiramente tomada pelo Exército de Batista saiu num caminhão de mudanças, sem ser incomodado.

Ia dentro de um pequeno guarda-roupa, hermeticamente fechado, devidamente amparado por outros móveis.

Tudo articulado por companheiros.

Como era já muito procurado, o Movimento 26 de Julho decidiu retirá-lo da cidade e enviá-lo para a guerrilha, na  serra de Escambray.

Ainda vamos hablar mucho de ello.

Carla gostaria muito de conhecê-lo.

E também conhecer a professora Ana Morales, esposa de Dreke, e vereadora por Playa.

Guardiã da história de África.

Quando saímos à noite, Jorge Ferrera e eu, no guerrilheiro Lada dele, deixamos Ana numa reunião, próxima a casa deles.

Vereadora ativa.

Necessário conhecer a democracia cubana.

A residência é, disse a ela, querendo eles ou não, um centro de memória.

Pelos dois.

Em si mesmos, depositários de tesouros sobre a história de Cuba e do mundo.

E pelo acervo bibliográfico, pelo impressionante volume de livros espalhados pela casa toda.

Dei uma olhada de soslaio num dos quartos, no primeiro andar da ampla casa, não sei se o do casal, e a ampla cama restava toda ocupada por livros.

Não sei se dormem por cima deles.

Talvez.

Tal a paixão pela leitura.

Casa invadida por mangueiras.

Mangas, quase maduras, à mão, numa espécie de varanda no primeiro andar.

Ganhei um livro de presente: “De la sierra del Escambray al Congo”, uma entrevista com Dreke de mais de 200 páginas.

Um tesouro.

Ele se apartou de mim e de Ferrera por um bom tempo.

Sentimos a ansiedade dele, a procura de alguma coisa, de algum livro.

Voltou com ele.

Um regalo para jamais esquecer.

Vou me valer de tal regalo.

Me aguardem.

O comandante Victor Dreke combateu lado com Che Guevara.

Em Cuba e no Congo.

Vou andando por Cuba.

E querendo o impossível: Carla comigo.

O impossível.

Restam as doces, inesquecíveis lembranças.

A lembrança de profundo amor dela por esta terra.

Momentos muito felizes, vivemos os dois naquela terra milagrosa.

Já falei do milagre: a sobrevivência daquela Revolução em meio ao bloqueio norte-americano.

Milagre humano.

Do povo cubano.

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