César Fonseca
O presidente Trump, que tomou a decisão mais importante do seu governo de tentar valorizar moedas dos países concorrentes e desvalorizar, consequentemente, o dólar, para que as empresas americanas possam exportar mais competitivamente no mercado global, está confuso.
Com ele, todos os demais líderes mundiais também estão inseguros.
Num primeiro momento, os americanos estão mais grilados do que os demais povos, porque sentem que os produtos importados ficarão mais caros e isso significa inflação.
Os Estados Unidos se transformaram no maior consumidor do mundo graças à valorização do dólar, como moeda hegemônica.
Por isso, os sobrinhos e sobrinhas de Tio Sam acostumaram a comprar barato com o dólar caro.
Principalmente, essa vantagem os levou a se tornarem os turistas mais numerosos do planeta.
Com o dólar valorizado, americanos deitam e rolam, gastando menos para passar carnaval no Brasil, por exemplo, vangloriando-se da sua moeda forte.
Mas, com o protecionismo de Trump, a coisa muda de figura.
O dólar, se a inflação aperta, por conta das importações mais caras, desvaloriza-se.
Para os trabalhadores da indústria americana, a expectativa é de que com dólar desvalorizado, as mercadorias do país serão vendidas com mais competitividade.
Tal situação favorecendo o setor industrial melhora a posição dos empregos de melhor qualidade.
Porém, esse reposicionamento não se dá da noite para o dia.
É um processo que se desenrola mediante muita guerra comercial.
Afinal, os concorrentes que se sentirem prejudicados, tenderão a desvalorizar suas moedas, mesmo correndo perigo de enfrentarem, também, pressões inflacionárias, para continuar mantendo boa posição no mercado consumidor americano.
Ocorre que com dólar desvalorizado para favorecer exportações dos Estados Unidos, o potencial consumidor americano com o dólar mais fraco diminui, e a população, diante da queda do seu poder de compra, dá um tranco no consumo, especialmente, se a inflação aumentar.
GUERRA COMERCIAL E CALOTE À VISTA
Há, também, o fato de que os concorrentes em luta para desvalorizar suas moedas diante da desvalorização do dólar impulsionada pelo aumento das tarifas alfandegarias tenderão a disputar entre si de forma cada vez mais acirrada.
Quem é mais forte, como China, pode mais.
Quem pode menos, países capitalistas periféricos, com os latino-americanos, enfrenta maior dificuldade para pagar suas dívidas.
Se não podem mais exportar, como terão dinheiro para saldar os papagaios.
Perigo de calote internacional pinta no horizonte.
O mercado financeiro pode entrar em polvorosa.
Os concorrentes em geral brigarão entre si no cenário da desvalorização do dólar desatada pelo protecionismo trumpista.
O movimento do ganha ganha dá lugar ao seu oposto: o movimento do perde perde.
INCERTEZAS NO BRASIL
O Brasil, por exemplo, pode, inicialmente, comemorar o fato de que a desvalorização da moeda americana produz a valorização do real.
Em contrapartida, isso ajudaria a reduzir a inflação.
Afinal, se o real se valoriza diante do dólar, a moeda brasileira compra mais barato as importações no mercado internacional.
Porém, esse movimento aprofunda desindustrialização.
A experiência da sobrevalorização do câmbio na Era FHC(1994-2002) mostrou isso: a indústria nacional entrou em colapso e o aumento das importações, embora reduzisse a inflação, fortemente, provocou aumento da dívida pública.
O preço a pagar pelo aumento do endividamento foi a elevação das taxas de juros, que inaugurou tempo prolongado de baixo crescimento econômico que se mantém até hoje.
O resultado foi redução da taxa de lucro das empresas que, paulatinamente, diminuíram os investimentos na produção, deslocando-se para a especulação.
A economia brasileira acabaria mergulhando na financeirização econômica que a levou aos braços do rentismo comandado pela Faria Lima.
Prisioneira dos juros altos que o endividamento acelerou, a economia submeteu-se à tirania financeira especulativa.
O discurso rentista ampliou defesa da redução do tamanho do Estado, ou seja, dos gastos sociais, que puxam a demanda efetiva, desenvolvimentista (emprego, renda, consumo, produção, arrecadação e investimento).
Tornou-se imperativo retirar dinheiro da produção para transferir à Faria Lima para quitar juros e amortizações crescentes da dívida pública em expansão impagável por conta dos juros altos.
O preço a pagar são baixo crescimento e baixos salários que vieram acompanhados das reformas neoliberais, da previdência e trabalhista, enquanto cresceram as privatizações e a desnacionalização econômica.
Agora, com o protecionismo trumpista, que tende a forçar a desvalorização do real, para dar competitividade às exportações brasileiras, diante da desvalorização do dólar, as pressões inflacionárias aumentam.
Fica mais difícil conviver com as restrições fiscais e monetárias impostas pelo neoliberalismo rentista.
NACIONALISMO X NEOLIBERALISMO
A volta das pautas nacionalistas se torna imperativo categórico para promover o desenvolvimento nacional, bloqueado pelo garrote fiscal neoliberal que se aprofunda com a nova política americana de Trump.
Há um otimismo exagerado de que o Brasil pode ser beneficiado pelo trumpismo protecionista que fixou tarifa menor, de 10%, sobre produtos brasileiros, em comparação com os países industrializados.
Ora, ele não penalizou mais o Brasil, porque o grosso das exportações brasileiras são de produtos primários e semielaborados, diante de uma indústria já sucateada pelo modelo neoliberal.
Importar matérias primarias barata é fundamental para baratear o produto manufaturado americano.
Por que encarecê-lo com tarifa elevada, se o resultado seria manufaturado caro para perder competitividade para o produto chinês, maior concorrente?
Brasil, no cenário global, sob neoliberalismo, é considerado economia semiindustrial, primária.
Mantê-la nessa condição é fundamental para o imperialismo americano.
O protecionismo trumpista, portanto, coloca o desafio ao governo Lula de sair da armadilha do neoliberalismo, para se desenvolver sustentavelmente.
Caso contrário, não sairá da primarização econômica que condena economia brasileira à eterna colonização.