Jolivaldo Freitas*
Terrível a fala do candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, sobre brasileiros, índios e negros. Ainda está na fase do cata-voto e obra como se sociólogo, antropólogo. Paremos para imaginar num futuro-presente distópico o sem limites que se tornará no poder, sob a nata – nunca se sabe o que vem das urnas, pois nada mais é improvável – do capitão Bolsonaro no Palácio do Planalto. Enfatiza o general que o brasileiro é herdeiro da “indolência” dos índios e a “malandragem” dos negros. Em sua ótica deturpada e de almanaque do Biotônico Fontoura, enfatiza que o Brasil tem ‘complexo de vira-lata’. Ele confunde, faz um cadinho, mistura heranças raciais numa ilação surrealista, preconceituosa.
Ao dizer que a malandragem era originária da África se dirigiu a um vereador de Caxias do Sul, negro, de nome Edson Rosa, que nem tossiu, nem mugiu. O vereador por certo teve medo dos galões do general e é mesmo para termos medo. O general com sua leitura rasa segue um caderno que faz parte do conceito das elites brasileira sobre nós mesmos. Quem é do Sul acha que todo negro ou nordestino é bugre.
O estereótipo grassa. Já sofremos esse desserviço desde quando o padre Antônio Vieira (1608 a 1697) afirmou num dos seus milhares de sermões que o trabalho cotidiano não fazia parte da cultura indígena brasileira. Vieira – que tentou convencer os negros de que trabalhar e sofrer nas mãos dos seus algozes brancos era uma forma de servir à Deus e encontrar o caminho para a salvação da alma – jamais conseguiu (apesar do seu estalo) se livrar ou renegar a essência do eurocentrismo em sua visão antropológica. O que ele via e se relacionava na Bahia era cotejado e desvirtuado ou mesmo inferiorizado por sua ideia de apego universal ao dito superior dos valores oriundos da Europa. Em todos os campos da relação humana.
Vieira e tantos outros tinham uma visão distorcida do Brasil como um paraíso tropical e assemelhavam os da terra ao perfil de Adão. Aqui seria o paraíso onde ninguém ainda precisava ganhar a vida com o suor do próprio rosto. O indígena não tendo o mesmo perfil do europeu – batalhador – portanto era preguiçoso.
Sobre a malandragem que reputa aos africanos, o general esquece que o termo ganhou vida no final da primeira quadra do século passado no Rio de Janeiro, sendo também uma forma da elite economicamente dominante e branca caracterizar o modo de vida dos negros que se viravam como podiam numa sociedade racista, injusta, de grandes diferenças sociais e educacionais.
Uma tese da antropóloga Elisete Zanlorenzi (USP) com o título “O mito da preguiça baiana” mostra que estereótipos nada têm de positivo e o general Mourão não sabe disso ou sabe muito. Ela mostra em seu trabalho que o mito da preguiça foi elaborado pela elite da Bahia. Foi para depreciar o negro já antes da Lei Áurea e piorou quando estes foram libertados. Com a migração do Nordeste para o Sul no século XX o racismo aumentou e passou a ser usado o termo “baiano” para caracterizar os pretos, pobres e nordestinos, vez que o termo quer dizer ignorante, indolente, fanfarrão, mulato, negro (basta ver no Dicionário Houaiss). O general acha que somos Sacis Pererês, Jecas Tatus, Macunaímas, Zés Cariocas e a negra do leite. Ele leu e não entendeu a dialética de “O Homem Cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. Já o antropólogo Roberto da Matta observou que a malandragem é o sintoma de uma sociedade que tem relação ruim com o Estado. Quanto ao complexo de virar lata até o teatrólogo Nelson Rodigues disse que era coisa do passado. O general ainda está na cabeça com de Leonardo, personagem de “Memórias de um sargento de Milícia”. ¿Por qué no te callas?
*Escritor e jornalista: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br