Mesmo atravessando a maior crise de sua história, dando checho nos salários de docentes e funcionários, a UERJ realizou um curso de fotografia para professores e jovens guarani do Rio, entre 28 de janeiro a 4 de fevereiro. Durante 60 horas, os guarani aprenderam a fotografar e tiraram centenas de fotos mostrando o cotidiano de suas aldeias, a família, a moradia, a paisagem, as crianças e suas brincadeiras, as mulheres e seus filhos. Essas imagens serão empregadas em materiais didáticos elaborados por professores indígenas para as escolas bilíngues.
O curso, coordenado por Ana Paula da Silva, foi ministrado pelo fotógrafo documentarista João Roberto Ripper e sua equipe – Elisângela Leite, Adriano Rodrigues e Fernanda Garcia, do Cine Ostra. Aconteceu na aldeia Itaxi,em Paraty Mirim (RJ), numa atividade do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (Proindio) da Faculdade de Educação da UERJ, no projeto Ação Saberes Indígenas na Escola (SIE/RJ) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Bem-me-quer
“Bem Querer” – assim é denominado o curso fotográfico – propõe uma reflexão sobre a fotografia documental humanista, discutindo a importância da comunicação e dos direitos humanos. João Ripper acumulou experiência na formação de fotógrafos populares, com o exercício da fotografia compartilhada, cujos antecedentes são, entre outros, a Escola de Fotógrafos Populares na Maré. Agora levou o curso da favela para a aldeia.
Nos dois primeiros dias, os 15 participantes guarani se apropriaram das técnicas fotográficas, conheceram os tipos de câmeras e de lentes, assistiram a exibição de alguns ensaios fotográficos de renomados fotógrafos, além de discutirem o papel da fotografia na luta pela afirmação dos direitos humanos, entre os quais se incluem os direitos indígenas.
A partir daí, passaram a atuar em equipes. Depois de reflexões teóricas, capturaram imagens relacionadas a oito temas: natureza, mulher guarani, cultura e religião, esporte e lazer moradia, crianças, direitos e flores no território Itaxi. O olhar guarani, através da câmera, documentou o amanhecer e o anoitecer na aldeia, as plantas, as flores, as montanhas, a floresta, a cachoeira, além de registrar a relação das mulheres com os filhos, o jeito de ser, o trabalho, as danças e festas, o artesanato, as diferentes brincadeiras das crianças e até problemas que enfrentam hoje.
Os exercícios de prática e aperfeiçoamento eram realizados na parte da manhã e à tarde e a seleção e o tratamento das fotos à noite. Eles aprenderam a fotografar de forma lúdica, rindo e brincando, confundindo-se os adultos com as crianças. O professor Algemiro, com mais de 50 anos, que nunca havia usado uma câmera, se divertiu, quando deitou no chão para tirar fotos de crianças num ângulo sugerido por Ripper. Todo o material produzido no curso, depois de devidamente tratado, passou a integrar o acervo visual dos guarani.
Troca de olhares
A experiência na oficina com os guarani foi uma troca de saberes e de olhares. “Foi um curso muito bom que deixará saudades”, como disse o professor Algemiro da Silva, apoiado por Ivanildes P. da Silva. Entusiasmados definiram esses momentos como “troca de afetos” ou na língua materna Oma’ẽ oayu akanhymba’ia re.
Os Guarani perceberam que a fotografia, assim como as novas tecnologias e entre elas o vídeo, é uma ferramenta útil para garantia dos direitos e para a denúncia quando são pisoteados. Essa foi a síntese de Genilson da Silva, jovem guarani que mantém presença atuante nas redes sociais. Ele entendeu que através de imagens fotográficas é possível se expressar, mostrar a riqueza poética e os conhecimentos dos guarani, mas também denunciar preconceitos, discriminações e violências sofridas.
Os guarani aprenderam rapidamente que a fotografia é uma técnica, uma linguagem, que documenta, que narra histórias, registra saberes e pode ser um importante recurso na construção de metodologias de ensino-pesquisa.
– O Brasil pegando fogo e você me escreve um texto sobre um curso de fotos para índios! Quem se interessa por isso? – pode perguntar um dos raros leitores.
É verdade. Quase ninguém está interessado, por isso essa notícia geralmente está ausente dos jornais, o que aumenta a importância de registrá-la. Já sobre o incêndio político que consome o país, tem muita gente escrevendo. Alguns excepcionalmente bons, como Wladimir Safatle na Folha de SP (10/02) com o artigo “Talvez até desse um romance” ou Vinicius Torres Freire, no mesmo dia, com o “Acordão avança, povo bestificado”. A leitura de ambos contribuem para que não sejamos tratados como babacas.
Vladimir esfrega os olhos por entender que é difícil admitir que é verdade o que nós estamos vendo no Brasil. Trata-se de um enredo que não daria sequer um bom romance policial por ser muito óbvio e muito primário.
– “Ninguém iria acreditar ser possível algo assim nos dias de hoje – ele afirma. O vice-presidente conspira e com ajuda da mídia derruba a presidente em cuja chapa foi eleito, dizendo que era para acabar com a corrupção. Assume, é citado 43 vezes nas delações, junto com vários de seus ministros, senadores e deputados. Um deles – isso foi gravado – diz que é preciso “estancar a sangria” produzida por denúncias de corrupção.
Foi aí que aconteceu um “terrível acidente”, que matou o juiz do STF responsável por homologar as delações. Para sua vaga, o presidente indica o seu próprio ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, filiado ao PSDB, ex-advogado de Eduardo Cunha e do PCC, suspeito de ter plagiado tese de autor espanhol. Ele será sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cujo presidente eleito é Edison Lobão, investigado na Operação Lava-Jato. Membros do Senado que decidirão sobre a indicação estão envolvidos até o tucupi com a corrupção. Os caras perderam toda a vergonha, se é que um dia tiveram, e agem impunemente como se fossem donos do país.
Além disso, o presidente recém-eleito da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, é denunciado na Lava-Jato. Se gritar “pega-ladrâo”, não fica um meu irmão. O país está sem reserva moral. Sinceramente, é melhor deixar outros escreverem sobre a bandidagem. Prefiro registrar o que estão fazendo os Guarani, que me injetam a esperança de que é possível um novo Brasil, que está se construindo nas aldeias, nas favelas, nas comunidades quilombolas. Bendito Ripper!
P.S. – A UERJ, a UFMG e todos os parceiros agradecem dona Maria, o cacique Miguel, a comunidade indígena Itaxi, dona Ana Rosa e dona Benvinda, seu Lourenço, Deva Guarani (cozinheira da escola) e suas filhas; Maria Guarani (zeladora), os kyringue Kuery Iara, Micaela, Nhamandu e Pira e os participantes do curso, construtores do outro Brasil, que são os autores das fotos e vão aqui nomeados: Ivanildes P. da Silva, Neusa Mendonça, Algemiro da Silva, Waldir da Silva, Ronaldo Mariano Rodrigues, Cecílio Fernandes (orientador SIE), Flávia Ara’i da Silva, Priscila, Alexandro K. Benite, Genilson da Silva, Cleiton Karai, Daniel Karai da Silva, Edmilson Karai da Silva, Tupã Mirim e André da Silva Caetano (fotógrafo guarani do Espírito Santo, neto da Joana) formado pelo Cine Ostra.
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