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Por: Lucas Moraes e Ludmila Zeger
Sputnik – Em meio a um xadrez político global cada vez mais multipolar, a perda da liderança dos Estados Unidos e da União Europeia abre caminho para a consolidação do BRICS como principal fórum da diplomacia mundial, apontam especialistas à Sputnik Brasil. Mesmo com sanções entre parte dos membros, grupo mostra a força no contexto internacional.
Na América do Sul,
o Brasil se consolida como um dos principais mediadores de impasses e conflitos, a exemplo das eleições na Venezuela contestadas sob a liderança dos Estados Unidos, que chegaram a
reconhecer a vitória do candidato da oposição, enquanto Brasília mantém diálogo aberto com Caracas.
Já no Oriente Médio, a China mediou um acordo histórico que fez Irã e Arábia Saudita retomarem as relações diplomáticas após anos de rompimento. E, desde o início do conflito na Faixa de Gaza, que já deixou mais de 39 mil mortos, a Rússia se oferece para ajudar nas negociações para encerrar a crise entre palestinos e israelenses, principalmente com a defesa da criação do Estado da Palestina.
Todos esses países formam
um dos grupos mais pujantes da atualidade: o BRICS, que além de Brasil, China e Rússia, conta também com Índia, África do Sul, Arábia Saudita, Irã, Egito, Emirados Árabes Unidos e Etiópia. Vitor de Pieri, professor do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), defende à Sputnik Brasil que o conjunto é um “instrumento de
equilíbrio político e econômico fundamental em um mundo cujas instituições supranacionais sofrem com o desrespeito ao direito internacional, especialmente de algumas potências ocidentais em decadência que se baseiam em estratégias da geopolítica clássica”.
Para o especialista, o principal objetivo do mundo ocidental é conter a presença e a
influência dos países do Sul Global, cada vez mais pautados pela multipolaridade “em questões voltadas à segurança, finanças e outros temas internacionais”. E são justamente essas nações que têm ecoado as denúncias de genocídio em um dos conflitos que mais preocupa o mundo ultimamente e que também marca a
inércia da Organização das Nações Unidas (ONU): os bombardeios israelenses que destruíram praticamente todo o enclave palestino.
“Os países do BRICS têm feito a diferença no que tange ao genocídio promovido pelo governo Netanyahu. Brasil e África do Sul possuem uma postura mais incisiva na crítica aos crimes contra a humanidade e a China. Por outro lado, tem buscado juntar todos os atores direta e indiretamente envolvidos no conflito para uma solução definitiva. Creio que podem fazer a diferença frente a um apoio incondicional à Israel por parte de alguns países ocidentais, em especial, dos Estados Unidos”, acrescenta.
Quais as principais características do BRICS?
Após a entrada dos novos membros este ano e da demonstração de interesses de cada vez mais países em fazer parte do grupo,
como Turquia e Venezuela, o BRICS já representa 31,5% do produto interno bruto (PIB) mundial e supera até o G7, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Além disso, os membros concentram 45% da extração diária de petróleo e contam com
importantes reservas como lítio, essencial para as novas tecnologias.
“São países com enorme influência política e econômica na atualidade, com suas diversas potências militares, especialmente nucleares. Também detêm um percentual do PIB mundial bastante considerável, e os territórios dos países signatários possuem as maiores reservas de recursos naturais do planeta. Esses e outros elementos transformam o BRICS em um contraponto à ordem internacional imposta pelo mundo ocidental”, pontua.
Outra questão é a ampliação de instrumentos multilaterais que o grupo gera em todo o mundo, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do BRICS, que busca fazer um contrapeso à atuação de organismos como o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, além da Nova Rota da Seda, liderada pela China, que deseja “influenciar nas transformações de um mundo mais multipolar no que tange às questões políticas, econômicas e financeiras internacionais”.
O que quer dizer um mundo multipolar?
Nas relações internacionais, um mundo multipolar é caracterizado pela presença de vários “polos de poder” a nível mundial, em detrimento da hegemonia de uma potência ou um grupo.
Marcos Cordeiro Pires, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e especialista em assuntos ligados a Pequim, lembrou à Sputnik Brasil que o
fortalecimento do BRICS ocorre em um momento em que Estados Unidos e UE tentam a todo custo defender a ordem internacional estruturada no século passado, após a Segunda Guerra Mundial. Além disso, segundo o especialista, estão envolvidos em
praticamente todos os conflitos da atualidade.
“Por exemplo, a mediação de um conflito na Ucrânia, seria muito difícil de imaginar que se organizaria uma reunião em Kiev em que a Rússia não fosse convidada. Mas, por outro lado, a gente observa que Estados Unidos e União Europeia são partes da questão, apoiam a Ucrânia e não teriam uma visão neutra para buscar um tipo de consenso. Outro tema interessante diz respeito à própria questão do Irã, que fez um acordo com os EUA em 2015 e foi abandonado pelo ex-presidente Donald Trump. E o Irã perde a interlocução com os Estados Unidos, mas acaba encontrando interlocução com a China justamente para mediar a aproximação política entre os dois principais países do Oriente Médio, que são o Irã e a Arábia Saudita”, resume.
Além disso, lembra que Brasil e China já se disponibilizaram como possíveis mediadores para discutir a paz na Ucrânia, com Kiev e Moscou na mesa de discussões.
“Então, esse papel do BRICS é muito importante porque é criado outro eixo político, outro eixo de poder que efetivamente busca a aplicação das normas internacionais garantidas na ONU, que não são mais perseguidas pelos países que supostamente defendem um mundo baseado em regras”, declarou.
Inclusive, no G20, argumenta o especialista, os países que fazem parte dos dois grupos têm levantado pautas “que dizem respeito ao interesse da maioria da população mundial”.
“A própria questão da África do Sul [sobre a guerra de Israel contra a Faixa de Gaza], uma atuação decisiva em defesa dos direitos humanos e contra o genocídio, que levou à condenação de líderes israelenses no Tribunal Penal Internacional. Uma questão importante para pensarmos na diplomacia diz respeito a outros poderes estruturais, que não apenas a questão política, mas também a questão produtiva, a questão tecnológica, a questão financeira. Se nós pensarmos no mundo que foi criado em 1945, praticamente só existia uma potência no mundo, que eram os Estados Unidos. Os países da Ásia e da África não tiveram quase representação nenhuma na criação da ONU, porque eram colônias de países europeus. Nesses 80 anos que nos separam desde o fim da Segunda Guerra Mundial, é importante notar que o peso econômico dos países do Sul Global aumentou de maneira significativa”, finaliza.