O presidente
Luís Inácio Lula da Silva convidou o Uruguai, Colômbia e México para participar da Cúpula de Chefes de Estado do BRICS deste ano, a ser realizada no Rio de Janeiro sob a presidência do Brasil. Para o mandatário brasileiro, o convite é necessário para “que haja debate com o mundo inteiro”.
“Estou convidando todos esses países que estão aqui, o Uruguai, Colômbia, México, para participar do BRICS no Brasil. Embora não sejam membros fixos, é importante que esses países participem porque é um momento de fazer um debate com o mundo inteiro”, declarou o petista em resposta à pergunta da Sputnik. “É importante que nessa reunião do BRICS a gente fortaleça de verdade duas coisas importantes: o multilateralismo e o comércio.”
A prática do BRICS garante ao presidente temporário do bloco o direito de escolher países convidados para as cúpulas. O Brasil normalmente convida países latino-americanos para fortalecer sua posição regional, disseram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
No entanto, no passado, o Brasil fez convites a um número maior de países – quando não a todos os sul-americanos, como o fez em 2014, durante a Cúpula do BRICS de Fortaleza. Não raro, o Brasil priorizava o convite a organizações regionais como a CELAC, e não a países individualmente.
Para o coordenador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa (NEEAPE) e doutor em Ciências Políticas pelo IESP-UERJ, Ghaio Nicodemus, a escolha de países específicos reflete a atual fragmentação latino-americana e as dificuldades do Brasil em encontrar aliados regionais para suas pautas externas.
“Essa escolha é muito específica e bastante limitada, pensando na trajetória do Brasil em relação à região. Isso reflete a conjuntura atual da região, que está bastante dividida, com governos que têm dificuldade para conversar”, disse Nicodemus à Sputnik Brasil. “Esse desgaste e falta de consenso faz com que o Brasil tenha dificuldade de enxergar esses países como aliados em eventuais acordos.”
Considerando os objetivos da política externa conduzida pelo chanceler Mauro Vieira – como a desdolarização do comércio internacional, o combate às mudanças climáticas, a crise alimentar e a transição energética – “existem poucos atores regionais que façam coro com o Brasil”, acredita Nicodemus.
“Ao analisarmos país a país, vemos que as escolhas do Uruguai, México e Colômbia como convidados realmente são as mais naturais”, disse Nicodemus. “O Brasil hoje precisa de aliados dentro do BRICS. O fato de a Argentina não ter entrado fez com que a posição diplomática brasileira entre os membros plenos tenha ficado muito diluída”.
Apesar das mudanças de governo, existem convergências de fundo entre a diplomacia brasileira e argentina, explicou Nicodemus. Ambos os países também partilham interesses de Estado, refletidos em parcerias em setores sensíveis, como o nuclear.
Os países convidados por Lula são todos governados por líderes progressistas, o que facilita o diálogo. Porém, a ausência de convite ao Chile do presidente Gabriel Boric sugere que a afiliação ideológica não foi o único critério de Lula para selecionar seus convidados regionais.
“O governo Boric foi um dos mais vocais na América Latina em favor da Ucrânia. Por isso, a sua presença poderia gerar um mal-estar para a Rússia”, acredita Nicodemus. “O governo Boric passa por uma crise interna e está próximo do processo eleitoral. Por isso, uma mudança de postura, após três anos esbravejando sobre o conflito russo-ucraniano, poderia criar constrangimentos internamente.”
Outros países da região, como o Equador e o Peru, também se preparam para eleições presidenciais, o que dificultaria o estabelecimento de compromissos de longo prazo com os países do BRICS, notou o especialista.
A escolha do Uruguai reflete uma vontade de iniciar com o pé direito as relações entre o Brasil e o novo governo progressista do país, presidido por Yamandu Orsi. Dentre os países convidados por Lula, o Uruguai é o único que mantém relações institucionais com o BRICS, por fazer parte do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), presidido por Dilma Rousseff.
“Já a Colômbia tem convergência com o Brasil em temas como a bacia do Amazonas e na questão energética, já que ambos são produtores de petróleo”, notou Nicodemus. “Vemos que o BRICS tem interesse na adesão de países produtores de hidrocarbonetos para ter mais voz e influência sobre a distribuição mundial de petróleo.”
A Colômbia de Gustavo Petro já declarou interesse em aderir ao BRICS e obteve o beneplácito do mandatário brasileiro, conforme declaração conjunta publicada pelas duas chancelarias após reunião bilateral, em abril de 2024.
“
No caso do México, há um alinhamento ideológico com a presidente Claudia Sheinbaum, mas também a capacidade de expandir a influência brasileira do espaço sul-americano para o latino-americano”, disse Nicodemus. “E isso pode interessar a todos nesse contexto, no qual Trump tem criado um clima de hostilidade [na região do Caribe].”
A pesquisadora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e do Fórum para Tecnologia Estratégica do BRICS+, Isabela Silveira Rocha, comemora o aumento da participação regional no BRICS, mas lamenta o caráter personalista das escolhas de Lula.
“Vemos que a diplomacia na região está centrada na figura dos presidentes. Isso é um sintoma do processo de polarização política na América Latina”, disse Rocha à Sputnik Brasil. “A predominância do personalismo político é parte integrante do processo de polarização.”
Nesta segunda-feira (3), a presidente do México, Claudia Sheinbaum, comentou o convite feito por Lula durante conferência de imprensa na Cidade do México. “Ainda estamos definindo. Se vai alguém, pode ser alguém da nossa chancelaria, que poderia ir como convidado para escutar”, disse a mandatária mexicana.
Já o presidente uruguaio, Yamandu Orsi, demonstrou interesse em participar da cúpula e instou seus colegas colombianos e mexicanos a fazerem o mesmo, a fim de consolidar o multilateralismo e o livre comércio.
Holofote de Bolívia e Cuba
Os convites parecem ofuscar o fato de que o BRICS já conta com a presença de dois novos países latino-americanos. Em 2025, a
Bolívia e Cuba participarão do bloco não como convidados, mas membros da categoria de países aliados, o que prevê atividade permanente dessas chancelarias junto ao bloco.
A extensão do convite ao Uruguai, México e Colômbia poderia diminuir o perfil e atenção dada aos recém-chegados Bolívia e Cuba, justamente em um momento que o Brasil precisa de interlocutores próximos.
“Por outro lado, as agendas internacionais da Bolívia e Cuba têm convergências, mas também divergências em relação à brasileira”, considerou Nicodemus. “São países que têm um perfil estratégico de contestação aguerrida, enquanto o Brasil busca uma posição moderada.”
No caso da Bolívia, o Brasil passa a dividir espaço com o país não só no BRICS, mas também no Mercosul. Apesar de ser um país “visto como patinho feio pela elite brasileira”, o Brasil mantém relações econômico-comerciais bastante próximas com a Bolívia, lembrou Nicodemus.
A cientista política da UnB Rocha não acredita que Cuba e Bolívia ficarão em segundo plano nessa reunião do BRICS. Para ela, o
principal objetivo do Brasil no bloco é se projetar entre os países do Sul Global:
“Quanto mais participantes latino-americanos, melhor.”
Muitos países, pouco tempo
O Brasil tem o desafio não só de integrar novos membros permanentes do bloco, como estruturar uma categoria nova do grupo: a de países associados.
Se, em 2022, o BRICS era um grupo de cinco países, hoje contam com 11 membros plenos – um nível de expansão inédito em organizações internacionais, conforme diagnosticou o
sherpa russo do bloco, Sergei Ryabkov, durante as preparações para a Cúpula de Kazan.
Na categoria de países parceiros, o BRICS conta com mais nove aliados. A isso se adiciona a recepção dos convidados México, Uruguai e Colômbia.
Se o
desafio de integrar todos os novos membros é grande, o tempo é exíguo: o Brasil surpreendeu ao marcar a Cúpula de Chefes de Estado do BRICS para o meio do ano, diminuindo em seis meses o período de atividade do bloco em 2025. A decisão teria sido motivada pela necessidade de organizar a Cúpula do Clima COP-30 em Belém do Pará, no segundo semestre de 2025.
“Havia de fato essa preocupação sobre um possível desengajamento do Brasil. Mas recentemente vimos algumas mudanças positivas, que sugerem interesse do Itamaraty no bloco”, disse Rocha. “O Brasil sabe que teria muito a perder não priorizando o BRICS, que é um bloco muito rico, tanto do ponto de vista simbólico, quanto material.”
Dentre os sinais positivos de engajamento brasileiro, a especialista citou a nomeação de Maurício Lyrio como sherpa do Brasil no BRICS, após sua bem-sucedida organização da Cúpula de Chefes de Estado do G20 no ano passado.
Além disso, o presidente Lula compareceu pessoalmente à primeira reunião de sherpas do BRICS, realizada em Brasília entre os dias 25 e 26 de fevereiro, reforçando o compromisso presidencial com o bloco.
“O Brasil está sendo coerente em sua agenda para o Sul Global, trazendo a ideia de integração com integridade. Isto é, integrar o Sul Global, mantendo íntegras as soberanias dos Estados. Não adianta só se conectar com o mundo, é necessário fazer isso preservando a sua autonomia”, concluiu a especialista.
O Brasil exerce a presidência do BRICS durante o ano de 2025, sucedendo à Rússia. Atualmente, o bloco conta com 11 países-membros (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia, Irã e Indonésia) e nove países associados (Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Nigéria).