Representantes do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos estão visitando o Congresso Nacional em Brasília, desde o início da semana, em busca de apoio. O objetivo é angariar adesões dos parlamentares brasileiros ao pedido de levantamento do bloqueio, que será encaminhado à Washington.
O TheIntCom (na sigla em inglês) realiza anualmente a Jornada Contra o Bloqueio à Cuba. A atividade consiste em percorrer gabinetes de parlamentares estadunidenses, no Capitólio, levando a reivindicação de se levantar o bloqueio imposto pelo governo dos EUA contra Cuba há mais de 50 anos, considerando que a atribuição para suspender a injusta medida pertence atualmente ao legislativo daquele país.
Em outras Jornadas, integrantes do Comitê de vários países se incorporavam aos demais em Washington D. C., para reuniões em conjunto. Este ano, o evento ocorre entre os dias 11 a 16 de setembro e foi decidido que, além dos EUA, cada país realizaria a jornada em seus respectivos parlamentos.
Carmem Diniz, à frente do grupo no Brasil, explica que “nessas conversas, o Comitê entrega um material informativo atualizado sobre o bloqueio à Cuba, cópias da carta que será entregue nos EUA, incluindo a lista com os pouco mais de 100 parlamentares brasileiros que já aderiram em 2015 à causa, além de um material audiovisual que foi elaborado pelo Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba.
Este ano, o foco principal da jornada contra o bloqueio é a saúde pública. Carmem lembra que, “a saúde é um direito humano básico e o prejuízo imposto pelo bloqueio inclui outros países, além de Cuba, uma vez que a ilha conta com medicamentos eficazes, mas que encontram muitas dificuldades de comercialização fora de seu território”.
Dentre os parlamentares que aderiram à carta este ano, está o Deputado Paulão (PT-AL), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, que afirmou que pretende tomar algumas iniciativas no sentido de questionar a prorrogação do bloqueio dos EUA a Cuba, assinado por Trump. Paulão vai enviar aos membros do Congresso dos Estados Unidos um ofício solicitando que ouçam as vozes dos povos da América Latina e votem pela eliminação do bloqueio tão logo seja possível, além de solicitar informações ao presidente da Anvisa, agência brasileira que regula a autorização para medicamentos no país, sobre o impedimento da liberação de patentes de remédios produzidos em Cuba que trazem notáveis progressos a doenças que atingem os brasileiros, como o Heberprot-P, contra o pé diabético. Por fim, o deputado alagoano também adiantou que vai articular com a presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, Regina Sousa (PT-PI), para que assinem juntos o documento organizado pelo Comitê Internacional Paz Justiça e Dignidade aos Povos.
Em dezembro de 2014 o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, fez o surpreendente discurso em que reconheceu que o investimento em mais de meio século de agressões contra Cuba havia falhado. A histórica abertura das embaixadas em ambas as capitais, Washington e Havana, em julho de 2015, foi um passo gigantesco para o fim de uma política genocida que já durava 5 décadas. Mas ao contrário do que vem sendo dito pela mídia, o bloqueio não foi derrubado depois da reaproximação diplomática entre os dois países. Ainda que a melhoria nas relações tenha possibilitado a abertura de uma série de acordos comerciais, acadêmicos e outros, não resultou no fim do bloqueio. E a Jornada capitaneada este ano no Brasil, vem mostrando que o bloqueio também afetou o povo norteamericano (e de outros países).
Matéria publicada pelo Resumem Latinoamericano de 2015, informa que quase 30 milhões de estadunidenses diabéticos (e milhares de outros países) são vítimas do bloqueio à medicamentos cubanos. Em torno de 70.000 a 80.000 diabéticos, por ano, sofrem com amputações devido a uma das complicações mais nefastas da doença: a chamada úlcera do pé diabético. O texto especulava, então, a possibilidade de sobrevida dos diabéticos estadunidenses a partir da reabertura das relações:
“O produto (não licenciado nos EUA, Brasil e outros países), teve autorização de comercialização negada para ensaios e vendas em 2010 pelo Departamento de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), órgão encarregado de fazer cumprir o bloqueio dos EUA contra Cuba. (…) a indústria da biotecnologia cubana está em seu auge, já que na década de 1980 a ilha se converteu em uma das “três grandes” do sul global (com Brasil e Índia). Seu último grande avanço em Investigação mais Desenvolvimento (I + D) é um medicamento denominado Heberprot-P, que já vem tratando 165.000 pacientes diabéticos em 26 países, reduzindo o risco de amputação em cerca de 75% dos casos. O tratamento passou por ensaios clínicos em 5 países inclusive na Europa, onde é conhecido como Epiprot. Os resultados em matéria de segurança e eficácia têm sido divulgados em International Wound Journal, Diabetes Care e MEDICC Review, entre outras publicações científicas, com documentação de dez anos de experiência clínica.”
Nesta terça-feira (12), o Comitê realizou ainda um cine-debate na Universidade de Brasília (UnB) com apoio do NESCUBA – Núcleo de Estudos Cubanos, coordenado pela professora Maria Auxiliadora, a participação de estudantes, professores e de representantes da Embaixada de Cuba no Brasil.
Dora, como é conhecida, viveu anos em Cuba, onde fez seu doutorado em políticas sociais na Universidade de Havana, e é idealizadora e coordenadora do NESCUBA, que desde 2007 oferece aos alunos de graduação da UnB o curso de extensão sobre Cuba. Com vários módulos, o curso abrange temas como “Política Social” (ministrado pela própria prof. Dora); “História de Cuba” (professor Tirso Saenz, cubano radicado no Brasil, foi vice-ministro de Che Guevara); “Sistema Político-Eleitoral” (jornalista e escritor Hélio Doyle); “Imprensa em Cuba” (Beto Almeida, jornalista e membro da TeleSur) e “Saúde Pública em Cuba” (Wesley Caçador, médico formado em Cuba).
Na abertura do evento, Dora disse como se sentia sobre seu trabalho frente ao NESCUBA, “é a tal batalha das ideias, da qual falava Fidel Castro, já que em média cerca de 25 alunos concluem a disciplina (optativa) anualmente e essa é uma oportunidade de ouvir o outro lado, muito diferente do que a mídia informa sobre Cuba. O bloqueio é algo que nós discutimos durante todo o curso, porque é transversal a todos os temas que se referem a Cuba”.
Convidado a fazer uma saudação aos presentes, o Encarregado de Negócios da Embaixada de Cuba no Brasil, Rolando Gomez, acabou oferecendo um importante relato da situação do país, atingido nos últimos dias pelo Furacão Irma: “acabamos de sentir o impacto desse que já é considerado o mais terrível furacão da história recente do Oceano Atlântico e que atingiu nosso país com categoria 5 (a maior na escala de furacões) por 72 horas. Nos golpeou desde a ponta extrema oriental, até a capital, Havana, sendo 14 províncias atingidas. Foram arrasados os principais polos turísticos do país e infelizmente tivemos 10 pessoas falecidas, apesar de todo o esforço mundialmente reconhecido de nosso sistema de Defesa Civil. O mar penetrou como jamais havia ocorrido, chegando ao primeiro andar de edifícios distantes da orla em todo o território. E quando ainda estávamos sentindo o impacto deste furacão, o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou esta medida que determina a prorrogação das leis que regem o bloqueio. É importante lembrar que documentos oficiais dos EUA de 1961, recém-desclassificados, deixam claro que o objetivo do bloqueio, assinado primeiramente por John F. Kennedy, era fazer o povo cubano ‘se render, a partir da fome e causando o maior sofrimento possível’. A boa notícia é que mais uma vez a vontade inabalável de nosso povo, depois dessa última tragédia, é de dar o seu melhor para recuperar os serviços básicos de nosso país. E essa solidariedade que existe entre nós, também temos recebido de nossos amigos, de vários países, como o Brasil”.
Carmem Diniz fala aos estudantes, na atividade realizada na UnB
Carmem Diniz – que na Jornada brasileira esteve acompanhada da ativista Viviane Mendes, do Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba – explicou, pouco antes da exibição do documentário que a principal atividade do Comitê (TheIntCom) – que reúne 300 núcleos em todo o mundo e começou com a luta pela libertação dos 5 cubanos (presos por mais de 15 anos nos EUA e que voltaram à Cuba com a reaproximação entre os dois países) – é o levantamento do bloqueio. “Mas temos outras reivindicações, como a devolução do território onde se encontra a base ilegal dos EUA em Guantánamo, o fim das atividades subversivas que os EUA ainda mantêm contra Cuba (cessar o financiamento de grupos como as Damas de Branco, encerrar atividades de mídias como a Rádio/TV Martí). Já são 11 presidentes norteamericanos tentando, sem sucesso, derrubar a Revolução Cubana e até Obama precisou vir a público reconhecer que não funcionou. Se a solidariedade é o que você precisa, não o que eu quero fazer, então nosso objetivo é sempre tentar identificar quais são as prioridades de Cuba e, nesse momento, é o fim do bloqueio”, conclui.
“A guerra contra Cuba”, exibido no debate, tem em sua trilha sonora a composição Por quem merece amor (Te molesta mi amor), uma parceria do músico brasileiro Miltinho com o cubano Silvio Rodriguez, e que foi gravada pelo grupo MPB-4, que cedeu os direitos autorais ao TheIntCom.
No encerramento do debate, a ativista política e ex-guerrilheira Marília Guimarães – que em 1969 sequestrou um avião comercial no Brasil, acompanhada de seus dois filhos pequenos e conseguiu pousar em Cuba, onde exilou-se por 10 anos – emocionou os presentes ao dizer o que aprendeu em sua experiência na ilha “devemos implantar em nosso coração a esperança, a esperança de que sim, lutando, dando o melhor de si, estudando, sendo solidários uns com os outros, é que Cuba resistiu todos esses anos à esse bloqueio cruel, diário, em que coisas mínimas [se possuírem qualquer componente dos EUA], são proibidas para Cuba. Mas o povo cubano soube buscar o conhecimento e criou esse gigante. Se a Coca-Cola é famosa, Cuba é muito mais” e concluiu, sob aplausos “nós temos muito do povo cubano, o que falta é a gente se sacudir por dentro, para ficarmos mais parecidos com eles. Temos que semear amor, como diz Silvio Rodriguez, e não acreditar no imperialismo nem um tantinho, como disse Che Guevara. E temos que seguir o exemplo do nosso eterno comandante em chefe, Fidel Castro, que passou toda sua vida ensinando ao mundo inteiro que sim, é possível um mundo melhor”.
O livro de Marilia Guimarães será lançado nesta quarta-feira, 13, no Sindicato dos Bancários em Brasília.