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sábado, 5 outubro, 2024

Brasil e México: aproximação das 2 maiores economias da América Latina pode gerar reação dos EUA?

© Ricardo Stuckert / PR

Sputnik – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa da posse da homóloga mexicana, Claudia Sheinbaum, além de cumprir uma extensa agenda com empresários e autoridades do país. Diante de governos da mesma faixa do espectro político, como a aproximação das duas maiores economias da América Latina contribui para reduzir a pressão dos EUA na região?

De um lado, o Brasil, com uma população de 203 milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) de quase R$ 11 trilhões. Do outro, o México, que concentra mais de 130 milhões de pessoas e uma produção interna de R$ 9,88 trilhões.
As duas maiores economias da América Latina completam 190 anos de relações diplomáticas em 2024 com boas notícias: o México é o sexto maior parceiro comercial brasileiro e o quinto principal destino das exportações de Brasília — só em 2023, a corrente de comércio bilateral atingiu um recorde de R$ 77 bilhões, uma alta de 14,4% na comparação com o ano anterior.
Em meio à data histórica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realiza uma visita oficial ao México com o objetivo de estreitar ainda mais as relações entre as nações latino-americanas e também participar da posse da presidente Claudia Sheinbaum, cuja expectativa é manter o legado da gestão de Andrés Manuel López Obrador.
O professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Thiago Rodrigues lembrou à Sputnik Brasil que os governos brasileiro e mexicano seguem na mesma faixa do espectro político, o que facilita inclusive a tão sonhada integração da América Latina.

“O México também tem um ciclo histórico de governos mais resistentes à pressão americana e outros mais subservientes aos Estados Unidos. Então o governo López Obrador foi um desses com ciclo de maior resistência, que busca autonomia. Os dois países possuem governos de centro-esquerda que buscam alimentar uma tradição diplomática de maior autonomia. Ou seja, ter mais liberdade para fazer comércio com países diferentes e aprofundar as relações Sul-Sul”, enfatizou.

Diante disso, o especialista vê como positiva a união das duas maiores economias da região para liderar um processo de maior autonomia latino-americana.
“Claro que no momento há um descompasso com a terceira, que é a Argentina — que está em outra parte do espectro —, primeiro porque está em uma crise econômica brutal e que não tem nenhuma sinalização de que vai sair; e depois por conta do atual governo, de Javier Milei, que é um governo ultraliberal, alinhado ideologicamente a uma outra esfera, que não é a esfera do nacional-desenvolvimentismo com autonomia”, acrescenta, ao lembrar que México e Brasil também devem manter posições mais próximas em grupos como o G20 e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
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Além de representarem 65% do PIB da América Latina, Brasil e México estão entre as duas maiores economias mundiais e compartilham um passado colonial europeu.
No contexto da frase eternizada pelo então presidente Porfirio Díaz, quando disse “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos EUA”, os dois países também contam com um passado de interferências norte-americanas, em maior ou menor escala. E essa aproximação entre os dois países pode gerar uma reação dos EUA, pontua o professor da UFF.

“O México tem uma gravitação muito forte em torno dos Estados Unidos e sofre uma pressão maior pelo menos desde os anos 1990, com a instalação do NAFTA, bloco de livre comércio com Canadá e EUA. A presença de Lula me parece uma tentativa de aproximação para levar adiante essa agenda comercial para além da indústria automotiva, que tem puxado esse relacionamento, mas chegando a outra indústria importante no Brasil, que é o agronegócio. E isso pode gerar problemas e protestos por parte dos Estados Unidos, porque a agroindústria brasileira é muito competitiva, e certamente um acordo entre México e Brasil que facilite a importação desses produtos — e o país mexicano tem tido uma política de facilitação de produtos de cesta básica — pode gerar problemas e pressões nos Estados Unidos para que não se realize”, exemplifica.

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Aliança não interessa comunidade internacional

Já a professora de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Renata Gaspar disse à Sputnik Brasil que a aliança entre Brasil e México nunca despertou interesse na comunidade internacional, pelo contrário.
Um caso que marcou a história é, segundo a especialista, a concessão de empréstimos a preços baixos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aos países da América Latina na década de 1970. Com o ultraendividamento gerado pela medida, agravada pelo aumento da taxa de juros mundial e a crise do petróleo, as duas nações chegaram a ameaçar moratória (quando o pagamento da dívida é suspenso).

“Na época, as declarações das moratórias por Brasil e México movimentaram os principais analistas do FMI e economistas norte-americanos para pensarem em uma solução para que isso não ocorresse. Se Brasil e México tivessem realmente levado adiante [a moratória] e dado um calote na dívida externa, talvez as relações de integração na América Latina e as relações econômicas fossem outras, porque poderiam ter abalado o sistema. Mas como os analistas sabiam disso, eles logo se reuniram e arrumaram uma forma de impedir que tanto México quanto Brasil levassem a efeito essa moratória, renegociando novas formas de pagamento. Com isso, mantiveram a dependência econômica para que as duas maiores economias latinas não pudessem bater asinhas. Quando penso nesse momento, ali teria sido um grito de liberdade. Se México e Brasil tivessem levado a efeito o calote, talvez a gente tivesse outro cenário na política internacional, diferente do que a gente tem agora”, argumenta.

Políticas para a América Latina pensada pelos latinos

Como reação a uma onda internacional liderada por Estados Unidos, União Europeia e até Argentina de reconhecer o candidato da oposição na Venezuela, Edmundo González, como vencedor das eleições no país, um grupo formado por Brasil e México, além da Colômbia, tentou buscar uma forma de solucionar a questão no país da América do Sul sem deixar de lado o diálogo com o governo de Nicolás Maduro. Isso é uma política para a América Latina pensada pelos latinos, reforça a especialista.

“O que está acontecendo na Venezuela agora não é produto só de questões internas, há muita interferência externa. E assim sucessivamente, poderíamos nomear um a um dos países da região e mostrar como há interferências diretas e indiretas. Então qualquer aproximação Brasil-México, ela vai ligar um alerta na comunidade internacional, sobretudo em algumas potências que se interessam por essa divisão […]. E a possibilidade de terem êxito com esse grupo de mediação para a Venezuela pode ser muito mais do que uma mediação, mas o início de uma nova história”, finalizou.

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