– Rota das Guianas de integração regional sairá do papel?
© Foto / Ricardo Stuckert / PR
Sputnik – Cerca de 680 quilômetros separam a capital de Roraima, Boa Vista, da capital da vizinha Guiana, Georgetown. A distância é quase a mesma entre Aracaju (SE) e João Pessoa (PB). A diferença é o tempo.
Para visitar o país sul-americano, o único trajeto terrestre disponível leva mais de 12 horas, entre estradas de terra, pontes de alvenaria e cruzamento de rios. Já entre as duas capitais nordestinas, o percurso leva cerca de nove horas.
Lançada em 2023, a Rota 1, ou Rota Ilha das Guianas, promete facilitar a conexão física com essa parte da América do Sul, e, consequentemente, com o Caribe, ao ligar Roraima ao novo porto de águas profundas da Guiana.
Parte de um projeto maior de integração sul-americana que está sendo tocado pelo Ministério do Planejamento e do Orçamento, o empreendimento foi um dos temas da Cúpula Brasil-Caribe realizada na última sexta-feira (12), em Brasília, com líderes dos 16 países da região.
No evento, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, salientou a urgência da integração regional para incrementar o comércio e a cooperação com os 15 países da região, cujo PIB [Produto Interno Bruto] combinado é de US$120 bilhões [R$596 bilhões], maior do que o de alguns países sul-americanos.
Atualmente as mercadorias que saem do Brasil para o Caribe, e vice-versa, passam majoritariamente pelos EUA, o que trava uma série de transações comerciais devido aos altos custos do transporte e da logística.
Com isso, apesar da proximidade e do potencial, os estados do Norte representam apenas 5% das exportações totais para a Comunidade do Caribe (Caricom), que importam mais de 80% dos alimentos que consomem, um dos maiores percentuais do mundo, segundo o Itamaraty.
Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil foram uníssonos ao reconhecer a essencialidade e urgência da iniciativa para o Brasil no contexto atual de mudanças na geopolítica mundial, que exige cada vez mais variedade de parcerias e alternativas comerciais.
Outro ponto destacado pelos entrevistados é a variedade e complexidade dos desafios que envolvem a iniciativa.
O coordenador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE) e cientista político Ghaio Nicodemos lembrou que vários projetos de infraestrutura para integrar o Norte do Brasil à região do Caribe foram propostos na última década, sem contudo saírem do papel.
“A tentativa de projetar poder em direção ao Caribe, inclusive vindo dos primeiros governos Lula, projetar a presença brasileira em direção ao Caribe, não é recente. A gente teve vários projetos através de cooperação internacional, através de missão de paz no Haiti, da construção de infraestrutura em Cuba, vários projetos diferentes onde o Brasil tentou marcar e consolidar uma presença no Caribe, mas que não frutificaram, não deram os resultados esperados”, disse ele.
No caso da Rota 1, afirmou, os desafios envolvem obras dispendiosas, que demandam tempo e têm riscos de impactos ambientais e sociais:
“Quanto mais rasgada de estradas a mata da região amazônica fica, mais essas pequenas regiões florestais que ficam entre as estradas se tornam suscetíveis ao desmatamento, à erosão, à degradação. Obviamente, tem um custo ambiental alto”.
Ele elencou ainda a crise orçamentária e a pressão de setores econômicos, sobretudo o financeiro, como outro empecilho para a conclusão da rota, devido ao contingenciamento cada vez maior dos gastos em busca de um superávit na questão da dívida pública.
O especialista frisou porém que o bônus é maior que o ônus com a nova rota, que sanaria uma série de demandas e necessidades internas, ajudaria o Brasil a se projetar no Caribe e a enfrentar problemas crônicos da região, como o narcogarimpo e facções criminosas.
O professor de teoria da história na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Iuri Cavlak também endossou que a iniciativa é benéfica para o desenvolvimento da região Norte, após “secular atraso e timidez das relações comerciais e políticas dos países da região”.
Além dos ganhos regionais, ao desenvolver relações comerciais e diplomáticas no Caribe e aumentar o comércio externo, o Brasil aumentaria sua influência diplomática, frisou o professor da Unifesp, “ofertando novas rotas e possibilidades para os próprios países caribenhos, que assim podem tentar escapar da sua deletéria dependência frente aos norte-americanos e às antigas metrópoles europeias em geral”, opinou ele.
Cavlac também se posicionou pouco otimista sobre uma conclusão da Rota 1 no médio prazo devido a resistências e atritos sociais derivados dessa disputa política.
“Difícil uma resposta assertiva, pois essas obras de planejamento de médio a longo prazo dependem de muitos fatores, a começar pela continuidade do PT [Partido dos Trabalhadores] à frente do governo federal no ano que vem. E, caso essa continuidade ocorra, em que condições econômicas e em que nível de negociação política com o Congresso Nacional e mesmo com os governos estaduais envolvidos”, pontuou ele.
O professor de Unifesp também salientou que parte dos fracassos envolvendo projetos de infraestrutura de grande relevo deve-se ao fato de que as populações diretamente afetadas pelos empreendimentos são ignoradas no processo de elaboração e implementação da obras:
“As terras do Norte do Brasil e da América do Sul possuem muitas comunidades ameríndias que devem ser ouvidas e respeitadas em seus direitos, o que via de regra não se verifica quando o interesse envolvido é puramente comercial”.
Ambos os entrevistados frisaram que outra pedra no caminho para o êxito da integração pode ser a própria Guiana.
“Como se trata de uma interligação internacional, também depende das condições políticas dos vizinhos, que, nesse cenário global de incertezas e tensões, podem mudar bruscamente de uma hora para outra”, disse Cavlak.
Nicodemos ressaltou que a Guiana enfrenta instabilidades políticas em decorrência do próprio crescimento descoordenado na última década a partir da descoberta de grande volume de petróleo offshore:
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