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sexta-feira, 6 dezembro, 2024

Bolsonaro quer ir à guerra contra Venezuela

Por José Reinaldo Carvalho, no blog Resistência:

O Brasil foi surpreendido nesta quinta-feira, 16 de julho, com a notícia de que o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e as Forças Armadas estão elaborando uma nova política de defesa que incorpora a possibilidade de guerra contra países vizinhos. O texto não menciona o alvo, mas o contexto demonstra que se trata de uma trama, mancomunada com o imperialismo estadunidense, para atacar a Venezuela.

Trata-se de uma mudança chocante de orientação, porquanto documentos anteriores elaborados sob a coordenação do Ministério da Defesa traçando linhas para a atuação das armas nacionais, suas relações com a política externa e os objetivos permanentes do Estado nacional – documentos que no período dos governos progressistas se aperfeiçoaram como peças democráticas e expressão da soberania – foram concebidos com uma visão defensiva e solidária com o entorno geográfico do Brasil.

Ressalvadas algumas situações históricas peculiares, em que vigoraram concepções militares de aliança com o inimigo da pátria, vinculação com a Escola das Américas estadunidense e a visão de segurança hemisférica e guerra fria, a tradição brasileira sempre foi a defesa da paz na região, sobretudo na América do Sul.

Nos tempos republicanos, em apenas uma ocasião, em 1965, o Brasil praticou o desonroso ato de enviar tropas a outro país, a República Dominicana, obedecendo aos desígnios dos Estados Unidos. Pouco mais de uma década antes, houve a tentativa malograda de enviar tropas à guerra na Coreia, o que suscitou uma campanha nacional em sentido contrário, dirigida pelo Partido Comunista do Brasil.

Em tempos mais recentes, quando as preocupações estratégicas e militares incorporaram também um sentido de coordenação externa, o signo era positivo e progressista. Foi quando o Brasil se somou ao apelo de nações fraternas do subcontinente e constituiu, em 15 de dezembro de 2008, o Conselho de Defesa Sul-Americano, na cúpula extraordinária da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Aquele Conselho foi auspiciado também pela Venezuela chavista. Oficialmente, foi brasileira a proposta de sua criação, após o exame com a Venezuela e outros parceiros de variantes como por exemplo a Organização do Tratado do Atlântico Sul (Otas), uma das propostas em debate, para caracterizar o antagonismo com o braço armado do imperialismo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Meses antes, em abril de 2008, em visita à Venezuela bolivariana, o então ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, disse que o Conselho Sul-americano de Defesa, “se limitará à integração em temas de defesa e não assumirá um caráter militar operacional na solução de conflitos”. (BBCBrasil)

“Segundo Jobim” – prossegue o despacho da jornalista Claudia Jardim para a BBCBrasil – “o projeto não destoa da proposta do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que propunha a criação de uma Organização do Tratado do Atlântico Sul (Otas) para servir de contraponto à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)”.

“Não há nenhuma pretensão operacional neste Conselho, e sim a necessidade de uma integração em questões de treinamento e de um conselho integral de defesa”, disse Jobim.

A informação é preciosa também para lembrar o espírito de independência que animava a proposta: “Não temos nenhuma obrigação de pedir licença para os Estados Unidos para fazer isso”, afirmou o ministro.

Um mês antes da visita à Venezuela, onde o ministro brasileiro se reuniu longamente com o Comandante revolucionário Hugo Chávez, o secretário de Defesa norte-americano, Robert Gates, questionou Jobim sobre como os Estados Unidos poderiam contribuir com o Conselho. O ministro civil brasileiro respondeu: “por enquanto, a colaboração que os senhores podem fazer neste momento é ficar à distância”.

Talvez por isso, os generais que participaram da cogestão do golpe de 2016, respaldaram o governo Temer e hoje mantêm relação simbiótica com o governo de extrema direita de Bolsonaro nunca tenham dado importância ao Conselho Sul-americano de Defesa e prefiram nomear oficiais de alta patente para o Comando Sul estadunidense, com soldo pago aqui. Na semana passada, o secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, disse que “novamente, brasileiros pagando para um general brasileiro vir aqui e trabalhar para mim para fazer diferença em segurança” (Folha de S.Paulo) . Mas isto é outra história.

O que importa discutir aqui e agora é o sentido da mudança operada na Política Nacional de Defesa e a ameaça velada de guerra à Venezuela.

É uma mudança importante também se temos em consideração os princípios da política de paz adotados pela Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), à qual o Brasil não somente aderiu como foi um dos artífices de sua criação. Em 29 de janeiro de 2014, o Brasil foi signatário da Declaração de Havana, na Segunda Cúpula da Celac, como se pode constatar nos arquivos do Itamaraty. No ponto 53 da Declaração escreve-se: “Nos comprometemos a seguir trabajando para consolidar a América Latina y el Caribe como Zona de Paz, en la cual las diferencias entre las naciones se resuelvan a través del diálogo y la negociación u otras formas de solución pacífica establecidas en el Derecho Internacional”.

Os comandos castrenses ainda não tinham transposto o Rubicão de propor oficialmente a associação do Brasil a aventuras militares dos EUA, como fazem subliminarmente agora com a nova Política Nacional de Defesa.

Foi a partir da campanha eleitoral de 2018 e depois da posse de Bolsonaro, que o Brasil passou a visar a Venezuela como alvo de eventual intervenção militar. No início de seu governo, Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se expuseram ao ridículo de participar de uma contrafação de entrega de ajuda “humanitária” à Venezuela, em conluio com a embaixada estadunidense e representantes do golpista Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino do país bolivariano. Araújo apequenou o Itamaraty indo pessoalmente até a fronteira, participando da ação. Aqueles dias tensos estão frescos em nossa memória e ainda soam fortes as ameaças dos bolsonaristas de intervir militarmente no país vizinho, a que oficialmente o Exército se opôs. Naquela altura, os militares brasileiros sopesaram a situação. Olharam para o outro lado e perceberam que, embora vivendo uma situação socioeconômica difícil decorrente das sanções e boicotes, a Venezuela não descuidou da sua Defesa e dispõe de capacidade de combate. Os comandantes do Exército brasileiro devem ter considerado também as consequências nefastas de um esforço de guerra para a economia e a estabilidade nacional. Logo depois do malogro da operação “ajuda humanitária”, o principal representante brasileiro na reunião do Grupo de Lima realizada em Bogotá em fevereiro de 2019 para discutir a questão venezuelana, não foi o chanceler Araújo, mas o general vice-presidente Hamilton Mourão, que mesmo defendendo uma linha política antidemocrática favorável à derrubada de Maduro, opôs-e à participação do Brasil em ações intervencionistas na vida política interna venezuelana, o que torna ainda mais chocante a formulação agora proposta para a Política Nacional de Defesa.

O texto dessa nova política será oficialmente apresentado ao Conselho de Defesa, em reunião no Palácio do Planalto, com a presença dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e, em seguida, enviado ao Congresso, no próximo dia 22. Vale uma interpelação parlamentar, um amplo debate sobre o tema, a contestação das diretrizes belicistas que contém e a mobilização da sociedade em nome da paz.

O imperialismo estadunidense está em plena ofensiva continuada para golpear a Venezuela, derrocar seu governo por meio de um golpe ou mesmo da intervenção armada. O Brasil não pode nem deve associar-se a isto.

No mês de maio, os EUA enviaram mercenários à costa venezuelana. Em junho, realizaram uma operação militar naval nas águas territoriais venezuelanas a pretexto de combate ao narcotráfico. Durante esta semana, está em curso nova operação naval nas proximidades do litoral da Venezuela, com a alegação de defender a “liberdade de navegação” e prosseguir a caça a narcotraficantes. No último sábado (11), o presidente estadunidense Donald Trump, em pronunciamento na Flórida, disse que “algo muito sério vai acontecer na Venezuela e os EUA estarão muito envolvidos”. O titular da Casa Branca também anatematizou o governo bolivariano como um “sistema horrível” e avisou que continuará apoiando líderes golpistas.

Decerto, os Estados Unidos continuarão sua saga inglória de intentos de liquidar a revolução bolivariana. Este é o fio da história desde 1998, quando Chávez venceu a primeira eleição presidencial. Em 2002, os EUA instrumentalizaram o golpe de abril; na sequência e até 2003 insuflaram o “paro petrolero”; em 2004, depositaram esperanças no referendo revogatório; em todas as eleições presidenciais apostaram em candidatos da oligarquia e submissos a Washington; em 2014, promoveram as “Guarimbas”; em 2015 o presidente Obama emitiu uma ordem executiva sancionando o país sob a alegação de que representava uma “ameaça inusual à segurança nacional dos EUA”. Desde o início de seu mandato Trump se ocupa em examinar “todas as opções à mesa”.

Já se vão mais de 20 anos desde que este pedaço da história começou. Tempos de uma encarniçada resistência, que foi nutrida por patriotismo, unidade, espírito de luta do povo, internacionalismo latino-americano e preparação militar. Um pedaço da história, apenas um pedaço, que deita raízes longevas, no início do século 19, quando Simón Bolívar levantou sua espada.

Com certeza a Escola Superior de Guerra e as academias militares ensinam esta história. Mestres e alunos fardados sabem que a liderança venezuelana é constituída de gente desta estirpe, que caracterizou também figuras como José de Francia e Solano López. Com a única diferença de que a Venezuela do século 21 não é o Paraguai de 1870.

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