Restam apenas 12% da cobertura original da Mata Atlântica
Análise da SOS Mata Atlântica aponta aumento de quase 30% na devastação entre 2018 e 2019, após tendência de queda nos últimos anos. Para ONG, governo Bolsonaro ameaça o que sobrou da cobertura original do bioma.
O ritmo de destruição da Mata Atlântica voltou a subir após ter sido registrada a menor taxa de desmatamento das últimas três décadas. Entre 2018 e 2019, o bioma perdeu 145 quilômetros quadrados, um aumento de quase 30% em comparação com o período anterior, segundo levantamento divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica nesta terça-feira (27/05).
Os números de desmatamento do bioma vinham caindo desde 2016, e entre 2017 e 2018, 113 quilômetros quadrados foram devastados, a menor área registrada desde 1985, quando começaram os registros da SOS Mata Atlântica.
O bioma é considerado o mais ameaçado do país. De sua área original de 1,3 milhão de quilômetros quadrados, espalhados por 17 estados e que cobria grande parte da costa, restam apenas 12%.
O levantamento foi divulgado na data em que se celebra o dia nacional da Mata Atlântica. O decreto de 1999 que instituiu a comemoração é uma referência à Carta de São Vicente de 1560, documento assinado pelo padre José de Anchieta que detalhou, pela primeira vez, a biodiversidade dessa floresta.
Em 2020, motivos para comemorar são praticamente inexistentes, lamenta Mauro Mantovani, diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica. “O desmatamento aumentou nos mesmos lugares, infelizmente, onde já havia atividades ilegais que já foram levadas à Justiça”, diz.
O monitoramento, feito há 30 anos pela Fundação SOS Mata Atlântica com dados de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aponta que os estados de Minas Gerais, Bahia e Paraná têm as maiores áreas de destruição florestal.
Embora as equipes que participam do levantamento não tenham visitado as regiões mais afetadas devido às medidas de isolamento social para conter a pandemia do novo coronavírus, as motivações para o desmatamento são conhecidas.
Em Minas Gerais, a floresta nativa tem sido substituída por plantações de eucalipto, que, mais tarde, serão convertidas em carvão, segundo a ONG que monitora o bioma. Na Bahia, a expansão do cultivo de soja seria a principal causa.
“No Paraná, a destruição é sobre as florestas de araucária, o que que é pior, pois sobrou menos de 1% da área original”, alerta Mantovani. Trata-se de um tipo de formação florestal do bioma da Mata Atlântica, chamada cientificamente de Floresta Ombrófila Mista, e que ocorre em regiões do Sul e Sudeste do país.
“É um processo de desmonte da legislação”
Em Brasília, um despacho recente expedido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é visto como mais uma ameaça ao que resta do bioma. O ato, que legaliza propriedades rurais instaladas em áreas de proteção ambiental até julho de 2008, pede ainda o cancelamento de mais de 1.400 multas por desmatamento e incêndios em áreas onde a Mata Atlântica, por lei, deveria ser preservada.
A tentativa de Salles provocou uma reação imediata no Ministério Público Federal, que entrou com uma ação pedindo que os órgãos ambientais nos estados ignorem o despacho do ministro.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o ato do ministro “pode implicar o cancelamento indevido de milhares de autos de infração ambiental e termos de embargos lavrados a partir da constatação de supressões, cortes e intervenções danosas e não autorizadas à Mata Atlântica, assim como a abstenção indevida da tomada de providência e do regular exercício do poder de polícia em relação a desmatamentos ilegais”.
Para a SOS Mata Atlântica, declarações de Salles feitas durante reunião ministerial do governo do presidente Jair Bolsonaro, em 22 de abril, reforçam a ideia por trás do despacho que interfere no bioma. Na reunião, o ministro do Meio Ambiente afirma que a atual pandemia de covid-19 é uma oportunidade para o governo alterar leis.
“A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro cobrou”, disse Salles na reunião, cuja gravação em vídeo foi divulgada na semana passada, após autorização do Supremo Tribunal Federal.
“Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério do Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo”, afirmou o ministro no encontro de 22 de abril.
“Ficou comprovado, com a fala do ministro flagrada na reunião ministerial, que é para dar anistia ao pessoal que tinha desmatado”, pontua Mantovani. “Salles desregulariza tudo. É um processo de desmonte da legislação. Já destruíram a Amazônia, o Cerrado, e agora se voltam para a Mata Atlântica”, critica.
Destruição em todos os biomas
Em 2019, o desmatamento em todo o Brasil resultou na perda de 12 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa. A maior destruição, com mais de 60% do total, foi na Amazônia. O Cerrado vem em segundo lugar.
Os números compõem o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil feito a partir dos dados do MapBiomas Alerta, iniciativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia. O relatório, divulgado nesta semana, analisou alertas gerados pelo Inpe, pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Em área desmatada, o número um do ranking é o Pará (299 mil hectares), seguido por Mato Grosso (202 mil ha) e Amazonas (126 mil ha). O relatório conclui ainda que 99% dos alertas de desmatamento detectados em 2019 são ilegais. As irregularidades vão desde desmatamento em áreas protegidas à falta de autorização para retirada da vegetação.
Com o levantamento, o MapBiomas, afirmam os autores do projeto, visa “apoiar as instituições públicas e privadas no processo de redução do desmatamento e na promoção da conservação e uso sustentável da biodiversidade no território brasileiro”.
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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