O Brasil estava desconfigurado politicamente – como sempre ocorreu desde o império – nos anos 1960, depois do Golpe Militar de 1964, mas por incrível que possa parecer, dentre as discussões políticas a meia boca no seio social, num certo momento, pelas bandas do ano 1967 a pergunta é de quem era aquele voz que de tão afinada tirava até a atenção da letra da música “Coração vagabundo”. E depois, um tempo depois quando ela aparecia de cabelo no estilo Black Power só se falava e se copiava o cabelo rebelde de Gal Costa, essa que acaba de morrer e deixar uma lacuna tão grande como uma fenda no chão da Bahia.
Eu nunca liguei muito para Gal em seu começo, mesmo quando ela lançou. em 1967, junto com Caetano, o álbum “Domingo”. Fiquei ligado mais em Caetano por causa das letras, mesmo considerando Caetano um cantor sem brilho. Éramos eu e meus amigos do bairro da Boa Viagem, na Cidade Baixa de Salvador e ouvíamos muita música. A gente tocava muita música, quase que o dia inteiro embaixo da estátua de mármore do empresário Luiz Tarquínio que criou no bairro uma vila operária e onde morávamos, na maioria.
Ali era uma peneira para o que era ruim ou bom – na nossa visão de “críticos” musicais, ainda mais que todos estavam ligados cada vez mais em Rolling Stones, Jimi Hendrix e Janis, Credence ou Roberto Carlos. Mas quando Gal lançou a música “Baby”, que Caetano criou em seu exílio bem longe aí explodiu uma admiração. Que nos perdoassem Elis Regina, Maysa, Bethânia ou Vanderléia, mas cantora mesmo, cantora de verdade que ia dos graves aos agudos como quem tomava QSuco de morango com gelo era Gal Costa. E tirávamos as músicas cantadas por ela no violão enquando a noite e o tempo passavam.
O tempo passou, Gal gravou frases lindas como “Brasil, mostre a sua cara”. Gal nunca foi de colocar a cara a tapa como o fez e ainda – vez em quando, quando acuado – o mano, Caetano. Era muito emocionante para nós garotos, ter Gal Costa como se fosse uma amiga querida e fizesse parte do nosso grupo tocando música, cantando a poucos metros da gente no palco do Vila Velha. Era felicidade quando nesse mesmo teatro, na chamada “Meia-noite se improvisa” o animador anunciava sua presença. As presenças sempre eram surpresas nas sextas em que se desenrolava a programação que envolvia poetas, perfomáticos e músicos pela madrugada do Campo Grande num tempo em que ônibus não rodava depois das 10 da noite. No fim, extasiados, dia nascendo, ficava a saudade de Gal e a espera que ela aparecesso no “Meia-noite” seguinte. Raras vezes aparecia. Agora não vai aparecer mais nos palcos, no Vila, na Barra ou na tela da Tv. Uma pena. “Quero ver a lua vindo, por detrás da samambaia”, canta Gal em meu celular. Mando um cheiro.
*Jolivaldo Freitas é romancista e jornalista. Email: jolivaldo.freitas@yahoo.com.br
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