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domingo, 13 outubro, 2024

As sanções contra a Rússia são um “gesto de desespero”

 Maria Zakharova *

Entrevistada pela RT

Pergunta: Que impacto tiveram as sanções sobre as relações entre a Rússia e o ocidente?

Maria Zakharova: Infelizmente, a utilização crescente de medidas restritivas unilaterais, politicamente motivadas, por um certo número de países ocidentais, primariamente os Estados Unidos, tornou-se uma realidade do nosso tempo. Encaramos as sanções contra a Rússia como um “gesto de desespero” e uma manifestação da incapacidade das elites locais de aceitar a nova realidade, abandonar os estereótipos do seu pensamento baseado em blocos e reconhecer o direito da Rússia de determinar independentemente seu caminho de desenvolvimento e construir relacionamentos com os seus parceiros. Aparentemente, eles acham difícil manusear os êxitos óbvios da economia russa, a qual está tornar-se mais competitiva, internacionalmente, e a maior presença de bens e serviços russos de alta qualidade nos mercados mundiais.

A prática viciosa de impor restrições políticas e económicas unilaterais, especialmente a aplicação extraterritorial de tais medidas, é uma infracção à soberania dos estados e interferência em seus assuntos internos destinada a manter, a qualquer custo, sua posição dominante na economia global e na política internacional, os quais eles estão a perder gradualmente. A diplomacia está a ser substituída por sanções; sanções ajudam a mascarar protecionismo comercial e também as tentativas de desviar atenção dos seus problemas internos.

Bastante significativamente, o ocidente ignorou os apelos do secretário-geral da ONU e do Alto-Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos para suspender sanções unilaterais ilegítimas sobre o fornecimento de remédios, alimentos e equipamentos necessários para combater o coronavírus durante a pandemia. Também não temos visto qualquer interesse dos nossos parceiros à iniciativa do presidente russo Vladimir Putin proposta durante a cimeira do G20 de criar corredores verdes no comércio internacional, livres de sanções ou de outras barreiras artificiais.

As restrições postas em prática contra o nosso país sem dúvida tiveram um impacto negativo nas nossas relações com o ocidente colectivo. Elas estão a minar a confiança mútua e a ensombrar as perspectivas para a normalização de relações. Embora não apoiemos de forma alguma o aumento da espiral de sanções, aceitamos no entanto o desafio e respondemos prontamente e de forma orientada. Dado o facto óbvio de que as sanções anti-Rússia são uma arma de dois gumes que não inflige menos danos a que a empunha, esperamos que o bom senso prevaleça e que os nossos parceiros voltem a construir laços conosco, confiando nos princípios da justiça e igualdade e renunciando ao “direito do mais forte” e à invasão nos assuntos soberanos de outros Estados. Deixámos claro reiteradamente que não começámos esta guerra de sanções, mas estamos prontos, a qualquer momento, a fazer a nossa parte para pôr fim a esta confrontação inútil, no qual não haverá e não poderá haver quaisquer vencedores.

Pergunta: Quão forte é o impacto das acções ocidentais sobre a economia russa?

Maria Zakharova: A escalada da pressão das sanções recíprocas está a ter uma influência negativa generalizada tanto sobre a economia russa como sobre a ocidental. As avaliações dos danos recíprocos variam devido à sua natureza objetiva, mas andam na ordem das centenas de milhares de milhões de dólares. Sob estas circunstâncias, continuamos a responder às restrições de uma maneira equilibrada e adequada, guiados pelos interesses do desenvolvimento economico nacional e dos operadores económicos internos. Nestas ações, partimos do princípio de “não causarmos danos a nós próprios”. Em parte, mantemos as nossas medidas económicas especiais recíprocas, ou seja, restrições à importação de certos produtos dos países que introduziram sanções anti-Rússia. Estamos a consolidar o nosso sistema financeiro nacional e à procura de novos parceiros internacionais, incluindo os regionais. Também estamos a tomar outras medidas destinadas a diversificar os nossos laços economicos estrangeiros. Estamos a trabalhar em mecanismos económicos e legais para reduzir o impacto negativo das restrições no desenvolvimento do comércio bilateral e da cooperação em matéria de investimentos. Elaborámos legislação que prevê medidas para contrariar novas potenciais medidas unilaterais por parte dos Estados Unidos e de outros países. Conseguimos em grande medida adaptar-nos aos desafios externos e virar a situação a nosso favor, bem como lançar programas de substituição de importações e de desenvolvimento de indústrias internas avançadas e competitivas.

Pergunta: Quais os passos que a Rússia está a tomar para reduzir a sua dependência dos sistemas financeiros ocidentais?

Maria Zakharova: A discussão sobre a necessidade de reduzir a dependência do dólar como principal divisa mundial tem decorrido desde há pelo menos uma década. As anteriores convulsões no mercado financeiro dos EUA e a subsequente crise financeira e económica global exacerbaram a vulnerabilidade da economia mundial ao domínio do dólar e puseram em dúvida a sustentabilidade do sistema monetário mundial baseado na supremacia de uma unidade monetária nacional. O actual “voluntarismo” das sanções de Washington está a tornar ainda mais duvidosa a fiabilidade das transações em dólares. Nestas condições, a tarefa de consolidar a independência e a sustentabilidade do sistema financeiro face às ameaças externas está a tornar-se cada vez mais uma prioridade para qualquer Estado.

Pergunta: Estará a Rússia destinada para sempre a ser dependente do US dólar?

Maria Zakharova: A fim de reduzir a dependência excessiva sobre meios de pagamentos estrangeiros, os estados e os participantes dos mercados financeiros têm de se adaptar às novas realidades, nomeadamente encontrando e desenvolvendo mecanismos alternativos de liquidação. Nesta perspectiva, o abandono gradual da configuração do sistema monetário mundial centrado nos EUA é uma resposta objetiva a uma combinação de fatores. Passos consistentes nesta direção, em coordenação com os nossos parceiros comerciais, ajudariam a fortalecer as moedas nacionais, bem como a minimizar os potenciais danos económicos decorrentes de novas medidas restritivas que os países ocidentais possam introduzir. Este trabalho exigirá sem dúvida um esforço significativo para reformatar os modelos de cooperação estabelecidos, para criar mecanismos de apoio e funcionamento de novos sistemas de pagamentos mútuos e de fixação de preços no mercado. A Rússia assinou recentemente acordos para expandir a utilização de divisas nacionais em pagamentos mútuos com a China e a Turquia. Existem acordos semelhantes no âmbito dos BRICS. Observam-se tendências positivas na EAEU [União Económica da Eurásia], com uma fatia crescente de moedas nacionais nos pagamentos mútuos, bem como na cooperação comercial e económica entre a Rússia e os países da região Ásia-Pacífico e da América Latina.

A possível desconexão da Rússia do SWIFT [1] é até agora considerada um cenário hipotético. No entanto, está em curso um trabalho interdepartamental para minimizar os riscos e danos economicos para o nosso país decorrentes do acesso restrito aos instrumentos financeiros e mecanismos de pagamento internacionais habituais. O Sistema de Mensagens Financeiras do Banco Central é um exemplo de instrumentos alternativos. Estão também a ser discutidas opções para acrescentar interface com os seus homólogos estrangeiros, tais como a SEPA [2] europeia, a SEPAM [3] iraniana e as CUP [4] e CIPS [5] chinesas.

A cooperação entre o sistema de pagamento MIR russo e os seus homólogos estrangeiros está a crescer, em particular, a UnionPay chinesa, a JCB japonesa e o cartão Maestro internacional. Estes cartões co-branded são aceites tanto na Rússia como no estrangeiro. Em particular, já são possíveis várias operações com eles na Arménia, Abcásia, Ossécia do Sul, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Turquia. Ao mesmo tempo, isto é um processo longo e laborioso. E é demasiado cedo para falar de quaisquer datas específicas para a elaboração de um kit de ferramentas nacional e abrangente para transações de pagamento ou para a sua promoção nos mercados internacionais.

Ao mesmo tempo, a Rússia está a explorar vigorosamente as oportunidades oferecidas pelas modernas tecnologias digitais e o potencial da sua utilização para aumentar a sustentabilidade, estabilidade e independência do sistema financeiro nacional e dos meios de pagamento, com um claro entendimento de que o dinheiro digital pode tornar-se no futuro a base de um sistema financeiro internacional atualizado e de transações transfronteiriças.

Pergunta: Poderá a Rússia alguma vez isolar verdadeiramente a sua economia de uma política externa hostil?

Maria Zakharova: Apenas um pequeno grupo de países – em seu próprio prejuízo – está a seguir uma política hostil em relação à Rússia. Em resposta, a Rússia continuará a utilizar desafios externos como incentivos adicionais para aumentar a estabilidade da sua economia, mobilizar a criatividade das empresas nacionais, modernizar a produção e diversificar os laços económicos.

Não vamos excluir o mundo exterior, o que é algo que os iniciadores das sanções nos pressionam persistentemente a fazer. Ao contrário, estamos sempre abertos ao diálogo sobre todos os problemas ou preocupações e estamos prontos para uma cooperação igual e mutuamente benéfica com todos os países, mas só com base nos princípios da igualdade e da consideração mútua de interesses. É assim que vemos realmente relações internacionais estáveis.

Pela nossa parte, apoiamos fortemente uma ampla discussão internacional sobre meios para contrariar as medidas unilaterais ilegítimas. Estamos confiantes de que um diálogo sistemático deverá ajudar a reduzir as preocupações da comunidade empresarial relativamente à incerteza e instabilidade nos assuntos globais, que são provocadas pela política unilateral e inconsistente do Ocidente. Ainda hoje podemos ver que os iniciadores das sanções começam a perceber, ainda que lentamente, que quaisquer medidas unilaterais causam danos inaceitáveis a quem as toma e são inúteis e contraproducentes.

[1] SWIFT: Society for Worldwide Interbank Financial Transactions

[2] SEPA: Single Euro Payments Area

[3] SEPAM

[4] CUP: China Union Pay

[5] CIPS: China International Payments System

[*] Porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia

A versão em inglês encontra-se em www.mid.ru/en/…

Esta entrevista encontra-se em https://resistir.info/

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