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sexta-feira, 29 março, 2024

As nove razões dos EUA para declararem guerra à Venezuela

[Nazanin Armanian] Para o imperialismo EUA o que está em causa na Venezuela é bastante mais do que a recolonização do «pátio das traseiras» e o saque (já realizado em relação a muitas toneladas de ouro) das riquezas do país.

Tal como no Médio Oriente, é o confronto com Rússia e China e com qualquer país que não se sujeite ao seu domínio. E é também represália pelo dispendioso insucesso na Síria, Iraque, Afeganistão.

Big Stick ou “Grande Cajado” é o nome dado pelo Presidente Theodor Roosevelt à incipiente política imperialista dos EUA. para a América Latina: havia-o retirado do ditado africano que diz “fala suavemente e leva um cajado grande, assim chegarás longe”. A própria experiência de Washington nas últimas décadas e em todo o mundo mostrou o quão errado é este conselho.

Enquanto os cientistas “venezuelólogos” nos informam sobre as causas internas da actual crise deste país, o interesse demonstrado pelas potências mundiais (que ignoram a gravíssima situação humanitária no Sudão, Iémen ou Congo) indica que existem razões complementares. Que Donald Trump e seus aliados se preocupem com as liberdades na Venezuela enquanto mantêm magníficas relações com o reino do terror saudita revela a vigarice dos seus “valores democráticos”. EUA e Europa consideram inimigos aqueles estados que resistem às suas pretensões colonizadoras. Se a verdade é sempre a primeira vítima de todas as guerras, qual é a da Venezuela?

As “razões” dos EUA

1. Recursos naturais: A Venezuela possui a maior reserva de ouro do mundo, além de diamantes, ferro, cobre, alumínio, bauxita, coltan, urânio, gás; um património natural extraordinário e também muita água doce, embora a joia em sua coroa seja o petróleo: a Venezuela possui 24% das reservas da Opep, cerca de 301.000 milhões de barris, acima da Arábia Saudita, que possui 21% . Disse o general nazi Adolf Galland que a principal razão para a derrota do seu país na Segunda Guerra Mundial foi não ter combustível para os seus aviões: o assalto a Estalinegrado tinha o objectivo para aceder ao petróleo do Azerbaijão (hoje parceiro de Israel e da NATO). Os aliados ganharam, entre outras razões, porque tinham petróleo. Hoje os EUA procuram desesperadamente esta matéria: a produção tem diminuído para 115.000 barris por dia nas reservas do Texas, Oklahoma ou Dakota.
A Venezuela já tentou, em 1960, salvar sua indústria da pilhagem das “sete irmãs” anglo-americanas que dominavam o mundo do ouro negro, fundando a OPEP. Hoje, produz 1.245.000 barris por dia (em 2000, foram 3,4 milhões), dos quais 600.000 são enviados para os EUA.

2. A presença da China e da Rússia: O demitido secretário de Estado Rex Tillerson disse em Fevereiro de 2018 que apoiaria um golpe militar na Venezuela, mostrando a sua preocupação pelos “excessivos laços económicos da região com a China”, país que é o maior credor da Venezuela, seguido pelos EUA e Grã-Bretanha. Os bancos chineses emprestaram mais dinheiro aos países latino-americanos do que o Banco Mundial. Pequim planeia investir, por exemplo, US $ 40 milhares de milhões na ferrovia bi-oceânica Atlântico-Pacífico (à qual o Brasil de Bolsonaro se opôs). Também assinou cerca de 700 acordos de cooperação no valor de 70.000 milhões de dólares em petróleo, mineração, alta tecnologia (para os satélites Venesat-1), entre outros; concedeu 65.000 milhões de dólares em empréstimos, em troca do recebimento de petróleo. A estatal petroquímica chinesa Sinopec planeia investir 14 milhares de milhões de dólares na grande jazida da Faixa Petrolífera do Orinoco, em cooperação com a russa Rosneft, a italiana Eni e a espanhola Repsol.
A Rússia também tem acordos de cooperação militar e cultural (com a Russia Today em castelhano na frente) e cooperação económica com a Venezuela. Com um investimento de 17.000 milhões de dólares desde 1999, negociou com Caracas um empréstimo de 6.000 milhões, cujo pagamento começa a partir de 2023, enquanto perdoou 2 milhares de milhões de dólares da dívida da Venezuela em troca do reforço da presença da Rosneft no mercado do país, embora manobras como as dos bombardeiros russos “cisnes brancos” em Dezembro de 2018 no Mar do Caribe com a Venezuela não estivessem alinhadas com os interesses dos trabalhadores venezuelanos.
O golpe de Estado contra o presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a prisão de Lula e da tomada do poder pelo ultra-direitista Bolsonaro – que não oculta a sua cruzada contra a esquerda – certamente tem muito a ver com que o Brasil era uma das letras do BRICS, a aliança geoeconómica das cinco economias emergentes mais importantes do mundo lideradas pela China e pela Rússia, em favor da cooperação Sul-Sul.
Tanto Pequim como Moscovo estavam cientes da crise política do país quando assinaram acordos de longo prazo com a Venezuela: a sua relação é estratégica. A Rosneft, que produz 8% do petróleo deste país, assinou em 2017 com Caracas um acordo de exploração do gás de Trinidad por 30 anos.

3. Fracassos no Médio Oriente e o regresso à América: apesar das devastadoras agressões militares dos EUA e seus aliados, destruir as vidas de cerca de 100 milhões de pessoas na região do Próximo Oriente – outra região empapada em petróleo – e afundar as economias dos invasores, Washington não conseguiu controlar o Iraque, Afeganistão, Iémen, Líbia, Sudão ou Síria devido à contundente presença de outros actores globais e regionais nos mesmos cenários. Recuperar a América Latina é a missão da Doutrina Monroe: América para EUA, esmagando as forças de esquerda e progressistas que tomaram o poder no Equador, Venezuela, Argentina, Bolívia, Nicarágua, Brasil e México, por meio de operações secretas, sanções económicas e ameaças militares. Mesmo a “eleição” de um Papa latino-americano para o Vaticano (considerando que a América Latina responde por 40% dos católicos do mundo) deve ser interpretada no sentido de usar a religião no Médio Oriente e Europa Oriental pelos EUA; durante a Guerra Fria elevaram ao posto de Papa o cardeal polaco e férreo anticomunista Karol Wojtyla no Vaticano para apoiar Lech Walesa e o seu sindicato direitista-católico na Polónia e, de caminho, perseguir a Teologia da Libertação: o assassínio de dezenas de freiras e clérigos, enquanto a extrema-direita religiosa lançava operações como o “Plano Banzer” eram parte desse plano.

4. Acabar com o projecto de integração económica do MERCOSUL.

5. Desmantelar o Petrocaribe, a iniciativa da Venezuela lançada em 2005 para fornecer 100.000 barris de petróleo por dia aos países da região em condições de pagamento preferencial. A singularidade da política de petróleo de Trump é que além de querer assumir as reservas de outras nações, pretende dominar o mercado de energia.

6. Debilitar o Acordo Comercial dos Povos, ALBA, alternativa ao tratado de livre comércio da ALCA promovido pelos EUA.

7. Evitar mais golpes no petrodólar: a Venezuela já comercializa o seu petróleo em yuan, rublo, euro e também a rupia da Índia. A desdolarização do comercio mundial enfraquece a hegemonia financeira dos EUA.

8. A necessidade de Trump de ter a “sua guerra”: todos os presidentes dos EUA devem ter pelo menos uma, e Donald pensou que os riscos de invadir a Venezuela são menores do que a Coreia do Norte, o Irão ou a Síria. Hoje, pela primeira vez Trump não está sozinho: o Partido Democrata, a Europa e grande parte dos regimes da América do Sul estão com ele. Trump não entrou na história pelo “seu muro”, fá-lo-á pela Venezuela?

9. A pressão do lobby pró-Israel na América Latina contra a presença do Irão. A CIA alertou para a “penetração do Irão na América Latina” como se tivesse invadido propriedade privada sua. A estranha relação entre a teocracia islamita do Irão e a república da Venezuela é baseada no pragmatismo, pelo menos da parte de Teerão. Na verdade, quando Obama assinou o acordo nuclear com o Irão, a relação reduziu-se a favor da Europa, da China, da Rússia (e Caracas descobriu Teyyeb Erdogan da Turquia). Com a re-imposição de sanções ao Irão desde 2018, um sector da República Islâmica volta a olhar para o país bolivariano, e anunciou inclusivamente o envio de navios de guerra para as águas do “país irmão” (o que não ajuda o povo venezuelano) . A CIA também – e também a Confederação de Associações israelitas da Venezuela – acusam Nicolas Maduro de enviar urânio para o Irão, acolher os membros do “grupo terrorista” o Hezbollah libanês e a “Força Quds” para treinar guerrilheiros na região: deste modo, eles poderão ligar o presidente da Venezuela ao “terrorismo internacional”, enviando-o para Guantánamo, como sonha Bolton.

Medidas dos EUA

Fabricar líderes da “oposição”: Segundo o Wikileaks entidades norte-americanas, tais como o National Endowment for Democracy (NED) o USAID (que controla o Afeganistão), a CIA, e o Instituto Albert Einstein, reciclaram a organização anticomunista Jugoslava Otpor, criada em 2003 para desestabilizar o governo de Slobodan Milosevic, com fim de planear uma “mudança de regime” em Caracas. Para isso contactaram o hoje autoproclamado presidente da Venezuela Juan Guaidó. A imprensa norte-americana já fala abertamente da conspiração Trump-Guaidó tecida em segredo. A Casa Branca nomeou Elliot Abrams, um dos patrocinadores do terrorismo dos Esquadrões da Morte na América Central, para organizar a “transição democrática” na Venezuela.
Estrangular a economia venezuelana baixando o preço do petróleo. Isso afundou a indústria petrolífera venezuelana, que sofre além disso da “doença holandesa” típica das economias “rentistas”. A fórmula “petróleo por empréstimo” reduziu as receitas em divisas da Venezuela, que em parte foram destinadas nos últimos anos para retirar da pobreza milhões de pessoas. A China financiou parte dos programas sociais da Venezuela para habitação social, hospitais, escolas, etc. Ao pacto Trump-Suad (conseguido graças ao assassínio de Khashogi) para baixar os preços do petróleo associou-se a Rússia, aumentando a sua produção, apesar da forte oposição do Irão, Iraque e Venezuela. O Irão é outra das vítimas desta política, embora, paradoxalmente, se houver sanções contra o petróleo venezuelano, Trump não terá outro remédio senão renovar a exclusão de oito países, incluindo China e Índia, das sanções ao petróleo iraniano. Outro beneficiário do aumento da procura do Ouro Negro será a Rússia que desde 2015 – pela a primeira vez na era pós-soviética – conseguiu produzir 10,74 milhões de barris por dia, convertendo-se no maior produtor do mundo.

Suspender linhas de crédito (de empresas como BlackRoak e Goldman Sachs), impedir Caracas de aceder à renda do seu petróleo para a enviar para a oposição direitista, privando o governo venezuelano de uns 11.000 milhões: haverá mais fome e pobreza: uma vez que cheguem os “salvadores”, os media deixarão de nos mostrar as calamidades sofridas pelo povo.

Preparar uma invasão militar por procuração: ciente de que a ONU não autorizará uma intervenção militar na Venezuela, Trump encarregou a Colômbia, Brasil e Peru de prepararem as suas tropas. Em Novembro de 2017 esses países, juntamente com os EUA e outros 22 estados, realizaram a manobra militar “AmazonLog 17″ em solo brasileiro, visando a Venezuela. Na Síria, Obama delegou a missão de preparar o caminho às sus tropas no Estado Islâmico. Em Maio de 2001, os EUA promoveram a Operação Balboa, atribuindo à Espanha a organização da simulação militar de uma invasão da Venezuela a partir da Colômbia e do Panamá. É isso mesmo: o Estado Profundo ignora Trump e sua intenção de que os EUA deixassem de ser “o polícia do mundo”.

É possível que os parceiros europeus dos EUA prefiram que Trump se entretenha na Venezuela e esqueça o Irão (embora Israel e Arábia Saudita estejam aí para o lembrar)

O falhanço do plano Trump – Bolton

A cobiça turva a mente: eles projectaram como 1) derrubar Maduro, 2) declarar Guaidó presidente interino e 4) apropriar-se dos recursos da Venezuela. Falta o 3): como vão esmagar a resistência de milhões de venezuelanos!

Eles também não tomaram em conta a questão no Iraque, onde os invasores não tiraram todo o proveito que queriam da ocupação: Por um lado, têm que coabitar com o Irão e, por outro, de ver como as empresas chinesas e russas vencem a licitação pelo o petróleo iraquiano. Os chineses compram quase metade da produção de petróleo iraquiana: 1,5 milhões de barris por dia. Na Venezuela vislumbram-se também anos de instabilidade.

A guerra há muito deixou de ser “o último recurso para resolver o conflito entre estados” para se tornar um suculento negócio. Agora teríamos que esperar por “incidentes de bandeira falsa” para “justificar” perante o público uma intervenção agressiva dos EUA.

Ainda estamos a tempo de impedir uma nova guerra, desta vez contra o povo venezuelano.

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