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quinta-feira, 25 abril, 2024

As mentiras que o Guedes conta

Por Felipe Quintas e Pedro Augusto Pinho*
Por mais que nos envergonhe, como brasileiros, a divulgação irrestrita da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, ela nos permite entender e avaliar as forças que governam nossa Pátria e de onde vêm seus poderes. Uma exposição de menos de nove minutos do General Braga Netto mereceu quatro minutos de achincalhamento do Projeto Pró-Brasil pelo Paulo Guedes. E chamando de incompetente o ministro-chefe da Casa Civil e coordenador do único documento de planejamento surgido em 16 meses de governo.
Guedes, ministro de Estado, tem horror a tudo que diga respeito a iniciativas estatais que não sejam para favorecer única e exclusivamente seus colegas da banca. Que autoridade ele tem para entregar o patrimônio nacional que, por definição, é de todos em geral e de ninguém em particular, e ainda dirigir insolente a palavra a um general que cumpre sua função constitucional?
E nesta primeira fala já começam as inverdades. Primeira e risível: “Já estávamos crescendo”; quem cara-pálida? Não o Brasil e os brasileiros, com aumento do desemprego, redução de salários, direitos, a neoescravidão do uberismo. Quem crescia era a especulação financeira, com a supervalorização de ativos e que já se antevia, mesmo sem o coronavírus, sua queda.

Um indicador é a Bovespa, que dos 119.527 pontos de 23/1/2020 chega aos 63.570, em 22/3/2020. O que crescia era a rapinagem sobre o arcabouço produtivo do país, com a Petrobras, carro-chefe da indústria de transformação nacional, tendo suas atividades de refino paralisadas para importar combustíveis que há décadas produzíamos aqui dentro.
Aliás, só da cabeça ideológica de um neoliberal sairia a frase que o desenvolvimentismo quebrou uma nação.
Referindo-se aos gastos públicos e em tom de ameaça, Paulo Guedes disse que era para quem “quiser acabar igual à Dilma”. Parecia dirigido a um impeachment do Bolsonaro, pois emendou dizendo que já estava trabalhando para reeleição de 2022. Vemos, então, que a opção entreguista e anti-Estado está longe de qualquer tecnicalidade econômica, inscrevendo-se no âmbito das decisões políticas contra o Brasil e contra o povo brasileiro.
Segue recitando uma série de números para mostrar um prestígio nos mercados estrangeiros que, efetivamente, não se comprovam. A ausência desses pretensos investidores no leilão da cessão onerosa do pré-sal, um filé mignon petroleiro de risco zero, é a mais cabal demonstração de que sua política financista não agrada sequer às indústrias estrangeiras.
E ao tratar da gravíssima questão das desigualdades nacionais, de regiões, de renda, de setores econômicos, ele, com um cinismo inacreditável, diz que este tema só serve para discurso, porque sua gestão econômica não irá nem mesmo a remediar.
Guedes faz abertamente a apologia do esmagamento dos mais fracos pelos mais fortes e destila ódio consciente pelo Brasil e pelos brasileiros pobres e remediados, como pequenos empreendedores e funcionários públicos, com uma brutalidade incompatível com um governo que se diz patriota, cristão e defensor da moral.
Paulo Guedes teve uma segunda fala.
Cabe computar seu tempo nesta reunião, que devemos recordar foi solicitada pelo General Braga Netto para tratar do Projeto Pró-Brasil, que somou 115 minutos, ou seja, quase duas horas. Presentes os presidentes de quatro bancos, um reforço ao Guedes, o presidente e o vice da República e mais 20 ocupantes de cargos diretamente ligados ao presidente. Consideremos 25 ou 26 pessoas que deveriam/poderiam expor suas contribuições e reflexões sobre o Projeto. Caberia pouco menos de cinco minutos para cada uma, deixando um pouco mais para o presidente e o apresentador, menos tempo ainda teriam. Paulo Guedes ocupou perto de 17 minutos, todos eles com rancores e vilezas contra o Brasil e os brasileiros.
Vejamos o que ocorreu nesta segunda fala. Uma série de autoelogios, referências de sua importância e contatos, suas leituras, seu conhecimento de inglês antes de ir para os Estados Unidos da América (EUA), um prato para um psicólogo, um psicanalista, e, para os pobres mortais, a demonstração de uma enorme necessidade de reconhecimento ou de muita insegurança.
Talvez por isto que se revelou o trambiqueiro; que burlava a legislação enquanto não conseguia um voto do Supremo Tribunal Federal (STF), que iludia os que apoiavam o fim de direitos previdenciários, os sindicatos e representantes de trabalhadores e funcionários públicos civis, e outras maquinações. Estaria ali as praticando naquela reunião ministerial?
Não escapou de dizer de seu “rosto de jano”, do transtorno dissociativo de identidade, ao tratar com os chineses, importantíssimos parceiros comerciais e investidores no Brasil. Sua expressão literal foi que “geopoliticamente você está do lado de cá”. O que estaria querendo dizer? Deixo aos leitores.
Mas foi bastante preciso quando disse que deveria disfarçar “e continuar fazendo o mesmo”, pois não podia “perder o rumo”. Qual rumo?
Ficou muito nítido quando entregou sem qualquer garantia de contrapartida, em 23 de março de 2020, R$ 1 trilhão e 216 bilhões (16,7% do PIB) a alguns bancos, para “mitigar o ambiente de incerteza”.
Foi para isso que leu três vezes Keynes no original? Antes Getúlio Vargas que, provavelmente sem ler Keynes e antes de o economista inglês escrever sua obra magna, já tinha colocado em prática o que depois viria a ser chamado de keynesianismo.
Realmente, gastar com o desenvolvimento brasileiro, com as pessoas que arriscam a vida para se manter e aos seus em plena pandemia, é mudar de rumo. Também “não estar à frente de todos” na demolição do país e do Estado Nacional.
Dois fatos recentes mostram a desonestidade do discurso privatista de Paulo Guedes como competitividade. O Estado Brasileiro colocou muito dinheiro público, dos escassos orçamentos militares, para desenvolver tecnologia brasileira de radares e para construção de fragatas nas empresas Atmos Sistema e no Estaleiro Oceana.
O estaleiro Oceana, criado em 2013 para a produção de navios de apoio offshore de alta qualidade e tecnologia, foi vendido para Thyssenkrupp Marine Systems, conforme informa a revista Poder Naval de 20/5/2020. A SAAB firmou um contrato para adquirir a empresa brasileira de defesa Atmos Sistemas Ltda conforme o site Defesanet de 29/4/2020.
Resumindo, o Brasil quebrado do Paulo Guedes, como ministro da Fazenda, financiou o desenvolvimento tecnológico da Alemanha e da Suécia. Mais uma prova cabal de que o liberalismo nada tem a ver com a riqueza das nações, como leitores desavisados e superficiais de Adam Smith poderiam supor, mas uma ideologia de legitimação da espoliação neocolonial das nações periféricas pelas centrais.
Pena que não houvesse consciência ou coragem nos presentes para saudá-lo com estrondosa vaia.
*Felipe Quintas, doutorando em Ciência Política.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

Do Monitor Mercantil

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