Em duas entrevistas recentes, uma delas à Sky News, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky mostrou-se disponível para ceder temporariamente os territórios ucranianos sob controlo russo, sem deixar de sublinhar a intenção de os recuperar posteriormente pela via diplomática, mas em troca pela admissão da Ucrânia na OTAN, com as áreas atualmente sob o controlo de Kiev. A apresentação desta proposta foi feita com algum sentido de urgência, “temos de atuar rapidamente”. O cessar-fogo é essencial para “garantir que Putin não se apodere de mais território ucraniano”. Num assombro de realismo, Zelensky admite, portanto, que Moscovo se encontra em vantagem.
Não exatamente alinhado com Zelensky, mas numa onda semelhante, o seu Chefe de Gabinete, Andriy Yermak, numa entrevista à publicação sueca Dagens Industri afirmou que as negociações com a Rússia poderiam começar se a situação no terreno regressar à de 23 de fevereiro de 2022. Ou seja, mostrava-se aparentemente disponível para deixar cair a Crimeia. Está aparente mudança de posição mostrando abertura para uma concessão temporária de território tem sido apresentada como uma “evolução significativa” da posição ucraniana. Na verdade, assim não é. Procuraremos perceber porquê.
Ao contrário daquilo que a comunicação ocidental nos tem vindo a fazer crer, por exemplo, ao comparar Zelensky com Churchill, o presidente ucraniano tem pouca margem de manobra, limitando-se a fazer o que lhe mandam, cedendo às pressões de atores exteriores, com os EUA e o Reino Unido à cabeça, e internos, às alas ultranacionalistas da sociedade, que apesar de não disporem de uma expressão eleitoral significativa, exercem uma enorme influência na vida política do país, devido ao controlo das forças armadas e de segurança. Por outras palavras, Zelensky não dirige, é dirigido. As suas contradições levam-no frequentemente a afirmar uma coisa e o seu contrário.
Foi assim quando incumpriu a promessa eleitoral de resolver o problema do Donbass, que lhe permitiu obter uma vitória eleitoral avassaladora sobre Petro Poroshenko, em 2019. A sua “determinação” esfumou-se quando os militantes ultranacionalistas o encostaram à parede e ameaçaram fisicamente, se prosseguisse com o projeto de reconciliação com as duas repúblicas secessionistas, inscrito no topo da sua agenda eleitoral.
Foi assim, também, durante as negociações de Istambul, em março de 2022, quando deu um passo atrás, depois de ter renunciado publicamente ao grande objetivo estratégico de integrar a NATO, posição que alterou devido à forte pressão norte-americana e britânica.
Zelensky sabe que a questão central na guerra que trava com Moscou prende-se com a neutralidade estratégica de Kiev e a sua renúncia definitiva às armas nucleares. Este foi o leitmotiv que levou ao conflito. A questão territorial só se veio a colocar de modo veemente após o falhanço das citadas conversações em Istambul, onde o estatuto das duas regiões autónomas Donetsk e Lugansk ficou para ser discutido posteriormente.
Zelensky não foi capaz de se desenvencilhar do novelo de contradições em que está enredado. Apesar de saber ser impossível derrotar militarmente as forças russas e de ser carne para canhão numa guerra por procuração, o que agora é admitido despudoradamente no ocidente, com o objetivo de “debilitar o nosso inimigo [a Rússia] sem nos envolvermos diretamente com ele… com os resultados mais extremos e trágicos dos jogos de poder que têm sido jogados impiedosamente em solo ucraniano pelas grandes potências,” Zelensky fez as suas escolhas.
Numa entrevista, em março de 2022, reconheceu haver “no ocidente quem que não se importe com uma guerra prolongada, porque isso significaria a exaustão da Rússia, mesmo que representasse a morte da Ucrânia à custa de vidas humanas.” Não obstante, alinhou nesse projeto sabendo o sacrifício que isso traria ao seu povo.
O acolhimento vibrante que lhe foi dado em grandes areópagos da política internacional – Parlamento Europeu, Congresso norte-americano, G20, etc. – devem tê-lo deslumbrado e levado ingenuamente a acreditar ser o centro do universo a quem todos se iriam curvar, ignorando que a política, em particular a internacional, é muito volúvel e que se reformula em permanência para satisfazer os interesses das grandes potências. Esse tratamento ter-lhe-á dado a sensação de ter o mundo a seus pés. A relação próxima com os grandes líderes mundiais tê-lo-á convencido de que era um deles. As palmas e os holofotes convenceram-no de que era o ator principal, como na sua vida anterior. Mas não era.
Essa percepção poderá justificar a tomada de posições irredentistas – a Ucrânia só se sentará à mesa das negociações quando se encontrar em vantagem, repetindo aquilo que lhe foram dizendo e em que passou a acreditar. Como afirmou numa entrevista, “a Ucrânia é um país independente e os EUA não podem forçar o regime de Kiev a “sentar-se e ouvir” à mesa das negociações”, o que levou Elon Musk a responder-lhe no “X” dizendo que Zelensky tem um “sentido de humor incrível”. Zelensky parece não perceber o caldeirão em que está metido.
Só haveria uma possibilidade de vencer a Rússia, que passava, não pelo apoio político, financeiro e militar, mas pelo envolvimento militar direto do Ocidente com contingentes em território ucraniano para fazerem aquilo que as tropas ucranianas não eram capazes. E isso foi claramente tentado em muitas ocasiões. Por exemplo, quando um míssil da defesa aérea ucraniana caiu na Polónia.
As ameaças explícitas dos ultranacionalistas no que se refere a soluções políticas e cedência de território contribuíram seguramente para que prevalecessem as visões irredentistas, impedindo-o de encarar os fatos com realismo.
A apresentação do “Plano da Vitória”, insistindo num triunfo que lhe fugia no campo de batalha, a cada dia que passa, foi mais um fiasco que não galvanizou os seus patrocinadores. A insistência na adesão à OTAN mostrava o seu alheamento da realidade. O tempo corre contra ele e o tapete foge-lhe debaixo dos pés.
A eleição de Donald Trump para presidente dos EUA e a percepção de que poderá ser reduzido o apoio à Ucrânia veio acelerar os acontecimentos. Zelensky veio reconhecer o óbvio e introduziu nuances no seu discurso: “As Forças Armadas da Ucrânia não dispõem de forças suficientes para recuperar os seus territórios por meios militares” afirmou Zelensky.
Mesmo assim, não alterou a sua posição em matéria de “cedência territorial”. Por saber que não será admitido na OTAN, tem a noção de que o discurso sobre cedências territoriais temporárias é uma falácia. Se, por um lado, isso o defende dos ultranacionalistas, por outro, faz com que se tenha tornado num obstáculo à resolução do conflito, em vez de ser um elemento facilitador.
Com o comprometimento do projeto que visava derrotar estrategicamente a Rússia, Zelensky deixou de ser útil. Segundo o Economist existem movimentações para o afastar em 2025, e o substituir por alguém com a flexibilidade necessária para dirigir um processo de paz que envolva a aceitação de cedências territoriais.
O antigo comandante-chefe das forças armadas ucranianas Valery Zaluzhnyi, presentemente embaixador em Londres, parece encontrar-se bem posicionado para tal. Zelensky “já não é visto como o líder de guerra indiscutível que foi em tempos.” Segundo uma pesquisa realizada pelo Centro de Controlo Social de Kiev, apenas 16% votariam para o reeleger para um segundo mandato, e quase 60% nem sequer querem que ele concorra novamente. No topo da sondagem, à frente de Zelensky, com 27%, aparece Valery Zaluzhny.
Zelensky, ao apresentar exigências obviamente impossíveis de satisfazer, pode estar a perseguir o objetivo de apresentar o Ocidente como um “traidor” da Ucrânia, escreve a revista britânica The Spectator, e assim livrar-se da ira dos ultranacionalistas, que consideram que o problema ucraniano tem de ser resolvido agora, e não protelado para ser dirimido pelas gerações vindouras.
Mas, por outro lado, o seu Irredentismo pode facilitar a vida a Trump. Como referia o Financial Times, perante a recusa em assumir compromissos, Trump poderá habilmente encenar uma tentativa para acabar com a guerra, atribuindo o insucesso à teimosia e intransigência de Zelensky, deixando a gestão do conflito para os europeus, livrando-se assim de um processo complicado.
Zelensky assume agora que “com as políticas da equipa que vai liderar a Casa Branca, a guerra vai acabar mais cedo. Esta é a sua posição [Trump] e a sua promessa à opinião pública”. Sem pudor, assume, tardiamente, que quem vai determinar o futuro do conflito é Washington e que Kiev não tem voto na matéria. Mas, mesmo assim, fala como se estivesse na mó de cima e a poder impor condições.
Mostrando-se incapaz de avaliar a realidade e de a projetar no futuro, Zelensky não percebeu qual o papel que as grandes potências lhe tinha sido atribuído neste drama. Não obstante, dava indícios, volta não volta, de saber que estava a condenar o seu povo a um sacrifício inglório e nada fazer para o evitar, preferindo a cumplicidade com agiotas. Para a história ficam os líderes ocidentais e um presidente ucraniano que optaram por empurrar um país para a desgraça em vez de negociar no devido tempo. Por tudo isto, o futuro de Zelensky e da Ucrânia não será promissor.
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