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terça-feira, 4 fevereiro, 2025

As condições do retorno do Brasil ao jogo geopolítico

Quantum Bird [*]

A julgar pela ótica [corrente], a visita do presidente Lula a Pequim – com uma delegação enorme cuja composição não está inteiramente clara – foi um sucesso. Lula foi recebido como o chefe de um estado soberano, amigo da China, com todas as honrarias e cortesias que estiveram ausentes, por exemplo, durante a visita de Annalena Baerbock (Alemanha) e Úrsula von der Leyen (UE).

A coreografia das autoridades chinesas, incluindo as palavras de Xi Jinping, demonstram para além de qualquer dúvida a importância atribuída ao Brasil pelos chineses. Isto não é nenhuma surpresa, dada imensa presença chinesa no mercado doméstico brasileiro, e o status do Brasil de grande exportador de matérias-primas para a China. Entretanto, ambos líderes afirmaram o status e a disposição de aprofundar os laços para o nível estratégico, muito além das relações comerciais vigentes. E aqui começa de fato a nossa análise. Quais as condições de contorno que se impõem ao Brasil para aprimorar uma parceria estratégica com a China?

Do ponto de vista estrutural, uma parceria estratégica pressupõe a possibilidade de um líder de reinar sobre realidade política e econômica doméstica o suficiente para cumprir com suas obrigações estratégicas e reagir aos movimentos das engrenagens geopolíticas nesses tempos de mudanças profundas nos arranjos internacionais. Gozaria Lula dessas habilidades? A resposta curta é não.

O mundo mudou muito desde 2008, de muitas formas, e hoje a diferença entre praticar ambiguidade estratégica e sentar-se em duas cadeiras não poderia ser mais clara. Ao declarar que o Brasil quer ser uma ponte entre a China e os EUA, a chancelaria brasileira empoleirada no Itamaraty confirma nossa impressão permanente de que eles confundem os conceitos e continuam a ignorar a realidade. Nem a China precisa de qualquer ponte para os EUA, dos quais inclusive estão trabalhando para se desacoplar; nem os EUA aceitam muito bem que aqueles que sentam em seu colo, se acomodem também no colo de outrem. Os países que ousaram seguir esse rumo, popularmente conhecido como política de vetor múltiplo, foram alvo de abusos desde (tentativas de) revoluções coloridas (Irã, Cazaquistão, Egito) a bombardeamento humanitário (Iraque, Líbia etc).

O próprio Brasil foi vítima de sua abordagem “ambivalente” no passado recente, ou a classe política nacional, à direita e à esquerda, não aprendeu nada com a sublevação social entre 2013 e 2015, que culminou com o golpe parlamentar que retirou Dilma Roussef da presidência em 2016? Pelo visto, entre os poucos que entenderam, nenhum está de fato em posição de poder influenciar o curso das decisões.

Outro ponto que merece escrutínio é a estrutura econômica brasileira, quando comparada à chinesa.

Além da capacidade industrial colossal chinesa, frente a um Brasil que se desindustrializa de forma acelerada, temos o fato básico de que os chineses praticam economia política, enquanto as elites brasileiras foram formadas, e ainda frequentam assiduamente, os templos de uma religião esotérica radicada em Chicago, que chamam de economia, onde se cultua um deus chamado Mercado. Assim, como estabelecer uma parceria estratégica com a China, enquanto em casa temos um ministro da Fazenda neoliberal, propenso à austeridade, um Banco Central independente e em 2023, um debate impertinente e absurdo — considerando a história econômica do Brasil desde a redemocratização — sobre o papel do estado na economia? Colocando em outras palavras, o governo é refém, ou representante de fato, dos setores econômicos que mais concentram renda e impedem a soberanização do país. Nominadamente o agronegócio, a setor minerador e o rentismo.

Ademais, Lula cometeu já dois erros estratégicos cujas repercussões podem custar seu mandato. O primeiro foi sendo um membro dos BRICS, criticar negativamente a Rússia e sua operação militar especial na Ucrânia ao lado de Joe Biden durante sua visita aos EUA. E o segundo acabou de ser cometido: Lula criticou o sistema do dólar durante sua visita à China e afirmou a predisposição do Brasil em trabalhar na construção de um sistema alternativo, baseado em uma nova moeda e em trocas bilaterais em moedas nativas. Muito bonito de escutar, mas como diz a sabedoria popular, certas coisas é melhor fazer do que falar. Os ianques já passaram o recibo e as consequências podem não tardar a chegar. O dólar continua extremamente relevante na economia doméstica brasileira e a infiltração woke segue de vento em popa nas fileiras do governo. Assim, Lula conseguiu a proeza de provocar quem mais ameaça o Brasil (os EUA), ao mesmo tempo em que afasta quem poderia ajudar efetivamente a se defender (a Rússia). O terceiro erro está em gestação, e tem a ver com a taxação dos produtos chineses no mercado brasileiro.

Seja como for, e logo mais saberemos, o prospecto de um acordo comercial com o Uruguai, somado à inevitável expansão dos BRICS+ para incluir países mais pragmáticos e assertivos em sua política externa, como Irã e Arabia Saudita, tem o potencial de tornar as relações comerciais Brasil-China qualitativamente irrelevantes do ponto de vista geopolítico.

17/Abril/2023

[*] Físico.

O original encontra-se em sakerlatam.org/as-condicoes-de-contorno-do-retorno-do-brasil-ao-jogo-geopolitico/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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