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sexta-feira, 29 março, 2024

Arábia Saudita vai à forra de embaixada em Jerusalém

Folha revela reação além de suspender compra de frango

Por Ricardo Della Coletta, na Folha:

Sauditas reclamam com Brasil sobre mudança de embaixada

A Arábia Saudita considera “preocupante” e “desagradável” o plano do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Os sauditas avaliam que o ato, se concretizado, pode “encorajar outros países a seguir o mesmo caminho”, algo classificado como “alarmante” por um alto funcionário da diplomacia do país árabe.

Os termos constam em um telegrama diplomático sigiloso obtido pela Folha, no qual o embaixador do Brasil em Riad, Flavio Marega, relata uma reunião mantida no último dia 21 com o subsecretário para Assuntos Internacionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros saudita, Abdulrahman bin Ibrahim Al-Rassi.

O documento, classificado como reservado e que portanto só se tornará público em 2024, deixa clara a oposição das autoridades sauditas à intenção do governo brasileiro de mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém.

“O Subsecretário [Al-Rassi] declarou, então, que será ‘unpleasant’ [desagradável] para a Arábia Saudita se o Brasil decidir transferir a embaixada para Jerusalém, por se tratar de um país amigo com quem o Reino completou 50 anos de relações diplomáticas em 2018”, relata Marega no telegrama.

“[Al-Rassi] Argumentou que o Brasil é diferente dos países ocidentais pela liderança que exerce e pelo exemplo que dá junto aos países em desenvolvimento, desde a criação do Movimento Não Alinhado e do G-77; e que se estendeu ao longo de décadas nas demais organizações internacionais. Assim, o movimento do Brasil de mudança da embaixada poderia encorajar outros países a seguir o mesmo caminho, o que [Al-Rassi] classificou como alarmante. Por fim, pediu que transmitisse às autoridades em Brasília a preocupação (‘concern’) do governo saudita diante da possível mudança”, afirma o diplomata brasileiro no documento.

Promessa de campanha de Bolsonaro, a realocação da missão diplomática brasileira para Jerusalém significaria um respaldo às ambições de Israel de ter a cidade reconhecida como sua capital. Também marcaria o rompimento da posição que o Brasil adotou até então: a de que o status final de Jerusalém só deve ser definido após negociações de paz que assegurem a coexistência de dois Estados (Israel e Palestina). Os países árabes defendem que a porção oriental de Jerusalém seja a capital de um futuro Estado da Palestina.

Até o momento, apenas EUA e Guatemala estabeleceram suas embaixadas em Jerusalém. Os demais países, entre eles o Brasil, mantêm suas representações em Tel Aviv.

No telegrama, enviado ao Itamaraty com o selo de “urgente”, o embaixador Marega conta a seus superiores em Brasília que repassou ao funcionário da Arábia Saudita a orientação que recebeu do Ministério de Relações Exteriores do Brasil sobre a questão.

“Ao passar para o assunto principal da reunião, transmiti a meu interlocutor a posição do Brasil, com base nas instruções enviadas pela Sere [Secretaria de Estado das Relações Exteriores]: 1) o Brasil deseja manter a densidade que sempre caracterizou o nosso relacionamento com a Arábia Saudita, com o mundo árabe e outros países de maioria islâmica; 2) O Brasil mantém abrangentes agendas bilaterais com os 22 países árabes e a Liga dos Estados Árabes (LEA); 3) a amizade com Israel não é percebida pelo Brasil como um fator excludente da nossa sólida e a histórica amizade com os países árabes ou outros países de maioria islâmica; 4) as vantagens mútuas da parceria bilateral Brasil-Arábia Saudita”, escreve o embaixador brasileiro.

A mudança da embaixada para Jerusalém não é ponto pacífico dentro do governo. A ala militar que auxilia Bolsonaro já comunicou o presidente que o alinhamento do Brasil a Israel nesse tema pode resultar em represálias comerciais por parte dos países árabes, que são grandes compradores de proteína brasileira. (…)

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