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quinta-feira, 10 outubro, 2024

Após restrições de entrada em 116 países, o brasileiro se tornou persona non grata?

ANÁLISE

Sputnik – A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender quais são os reflexos das restrições em 116 países para os viajantes procedentes do Brasil. A falta de controle sobre a pandemia pode tornar o brasileiro persona non grata no exterior?

Nesta quarta-feira (17), o jornal Valor Econômico publicou um levantamento que indica que o brasileiro é o segundo turista que mais enfrenta barreiras em aeroportos do exterior, atrás apenas do sul-africano.

O país vive atualmente o momento mais grave da pandemia, com uma média móvel de mortes diárias próxima de 2.000, e se tornou o epicentro mundial da COVID-19, com pouco mais de 20% dos novos óbitos causados pela doença no mundo. Além disso, os sistemas de saúde de diversos estados estão à beira do colapso pela falta de leitos para o tratamento de pacientes.

De acordo com o levantamento, que combinou dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês) com os do site Skyscanner, uma empresa de compra on-line de passagens aéreas, o Brasil enfrenta barreiras consideradas duras em 116 países ou territórios, atrás da África do Sul (119) e à frente do Reino Unido (114). Após a detecção de variantes de alto risco do novo coronavírus nesses três países, não é por acaso que eles estão no topo da lista.

Dados da IATA e da plataforma de viagens Skyscanner mostram que o Brasil é o segundo país com maior número de restrições de viagens no mundo. No total, 116 países impõem algum tipo de restrição a viajantes procedentes do Brasil, apenas a África do Sul, com 119, possui mais restrições.

Com a adoção dessas barreiras para a entrada de pessoas procedentes do Brasil, muito já se fala que o brasileiro está se tornando persona non grata no exterior. Para o especialista em Relações Internacionais Jonuel Gonçalves, professor do Núcleo de Estudos Avançados (NEA) do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal, essa questão é relativa, pois depende muito de qual cidadão brasileiro estamos falando.

“Se for um brasileiro rico, eles ficam muito satisfeitos. Mas se for um brasileiro pobre, uma mulher sozinha, alguém, por exemplo, negro… Aí realmente é mal recebido, com pandemia ou não”, opina Jonuel em entrevista à Sputnik Brasil.

Já Mariana Aldrigui, professora de Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Turismo da Fecomércio de São Paulo, assinala que o brasileiro pode sim estar com a sua reputação em baixa no exterior, o que também se reflete no interesse dos estrangeiros em visitar o país.

“Se as notícias correm o mundo, em vários idiomas, dizendo que o país é o epicentro de uma pandemia, com a possibilidade de ser o celeiro de novas variantes, com o sistema de saúde colapsado, a gente deixa de ser atrativo para visitantes, ou seja, não seremos mais um destino considerado”, avalia Mariana, também em conversa com a Sputnik Brasil.

Piora da imagem do Brasil no exterior

Para ambos os especialistas, o aumento das restrições aos brasileiros está relacionada a uma piora da imagem do país no exterior, que, segundo Mariana, já vinha se deteriorando antes da pandemia.

“A imagem do Brasil já é uma imagem comprometida há algum tempo. Então, passados os Jogos Olímpicos de 2016, nós entramos numa espiral de notícias negativas […] Antes da pandemia, [houve] um destaque muito negativo para as questões ambientais e também para as questões ligadas à igualdade de gênero e a crimes de homofobia. Então, a imagem do Brasil já não era uma imagem iluminada”, avalia.

Jonuel, por sua vez, considera que o Brasil passa neste momento uma imagem de “total descontrole” da pandemia, que se evidencia pelas altas taxas de ocupação dos hospitais e pelo fato de não haver “um comando único” para lidar com a questão no país. Para o especialista, essa combinação de fatores faz com que diversos países “que já estão sob pressão”, como, por exemplo, algumas nações europeias, busquem adotar medidas “para conter a chegada das variantes”.

Nesse sentido, Mariana acrescenta que esse descontrole também traz reflexos no longo prazo, o que pode resultar em casos de xenofobia e agressões contra brasileiros.

“Com as notícias internacionais deixando claro que somos o exemplo internacional de como não lidar com isso [a pandemia]”, há uma transposição de parte da responsabilidade do governo para o cidadão brasileiro, que não cobra ações diferentes daqueles que estão no poder. “Ou seja, aos olhos de um cidadão médio internacional, concordamos com o que está acontecendo”, opina a especialista em turismo.

O que fazer para mudar esse panorama?

Para reverter essa situação, ambos os acadêmicos avaliam que o governo brasileiro precisa modificar urgentemente sua abordagem de combate à pandemia. Caso contrário, a tendência é que as barreiras se tornem ainda maiores e os países estabeleçam medidas que vão além das quarentenas obrigatórias, chegando, inclusive, ao impedimento formal da entrada de brasileiros.

“[As] medidas de quarentena, certamente elas serão mantidas. Mas é provável que a gente veja algo um pouco mais grave, que é a suspensão de voos ou a proibição de entrada por um dado período, […] especialmente porque a gente pode estar demorando em compartilhar dados acerca das variantes”, sublinha Mariana.

Jonuel, por sua vez, também teme que, além do aumento das restrições aos brasileiros no exterior, ocorram bloqueios dentro do próprio país, já que a situação epidemiológica varia de acordo com os diferentes estados.

“O fato é o seguinte: se a campanha de vacinação não avançar um pouco mais rápido, […] se as medidas de restrição, […] e o uso realmente de máscara, […] se isso não aumentar de forma bem acentuada, não são só as restrições que podem aumentar no exterior. O medo que eu tenho é que alguns estados comecem a se defender em relação a outros”, criando barreiras “em relação a viajantes de outros estados”, conclui.

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